O aumento da inflação observado nos últimos dois anos pode ser explicado por: (i) choques sobre a oferta decorrentes da pandemia e da guerra na Ucrânia, que aumentaram os custos de produção e de transporte; (ii) um forte pricing power das empresas, que lhes permitiu repassar esses aumentos dos custos para os preços finais, o que se traduziu, em muitos casos, no aumento das suas margens; e (iii) a resiliência dos consumidores, que conseguiram acomodar, em grande medida, os aumentos dos preços, beneficiando de “poupanças excedentárias” acumuladas na pandemia, de apoios orçamentais ao rendimento e à despesa e da persistência de taxas de desemprego baixas nas principais economias.
Como vão estes factores contribuir para a evolução futura da inflação? No que respeita ao primeiro ponto, os últimos meses têm sido marcados por uma tendência de normalização das cadeias globais de abastecimento, aliviando – em parte – os custos de produção. No mercado de trabalho, os salários cresciam ainda 5.3% em termos homólogos em Agosto nos EUA, mas desaceleram há alguns meses e são já visíveis alguns primeiros sinais de arrefecimento do mercado de trabalho na economia americana. Na Zona Euro, a taxa de desemprego permanece baixa pelos padrões desta economia (6.4% da população activa) e os salários crescem perto de 5% em termos homólogos, ainda com alguma pressão no sentido de aumentos adicionais.
Do lado do consumo, os sinais apontam para um arrefecimento. Nos EUA, as “poupanças excedentárias” da pandemia estarão já perto de esgotadas, e a resiliência do consumo estará a ser explicada, em parte, por um maior recurso (pouco sustentável) ao crédito. Já os consumidores da Zona Euro parecem ter adoptado uma postura mais cautelosa, em reacção às subidas dos juros e aos sinais negativos sobre a actividade económica, que geram incerteza sobre o futuro próximo. As vendas a retalho têm recuado no conjunto da economia dos 20, apesar de as “poupanças pandémicas” não terem ainda esgotado.
Este arrefecimento da procura deverá diminuir o pricing power das empresas, dificultando a repercussão dos maiores custos de produção nos preços finais e pressionando as margens em baixa. Isto deverá implicar um menor contributo das margens das empresas para a inflação.
Cadeias de abastecimento, procura e margens das empresas deverão, assim, contribuir para uma moderação da inflação ao longo do próximo ano, que deverá ser visível sobretudo a nível core (i.e. excluindo energia e alimentação). Contudo, persistem alguns riscos. Os preços do petróleo e dos combustíveis voltaram a subir, alimentando a inflação e, potencialmente, as expectativas de inflação (os preços das compras que fazemos com mais frequência são aqueles que mais determinam estas expectativas). Este terá sido um argumento importante para o BCE elevar os juros de referência na reunião de Setembro. Um outro risco prende-se com a possibilidade de os Governos adoptarem políticas orçamentais mais expansionistas para contrariar uma esperada desaceleração da actividade e para mitigar os impactos adversos do eventual aumento dos custos da energia. Independentemente das boas intenções, esse esforço poderá alimentar pressões inflacionistas e, na perspectiva dos bancos centrais, justificar a manutenção dos juros mais altos por mais tempo.
Em suma, a inflação tenderá a moderar nas principais economias ao longo deste próximo ano, mas em níveis suficientemente elevados para os bancos centrais não conseguirem aliviar significativamente as taxas de juro. Neste contexto, as atenções deverão centrar-se cada vez mais nos impactos dos juros elevados sobre a actividade económica