A aguardada auditoria do Tribunal de Contas ao Novo Banco deu o mote, mais pelas críticas – preto no branco – que faz do que necessariamente pelas novidades que trouxe. De realmente novo, apenas um número, e não é pequeno: 1,6 mil milhões de euros de responsabilidades potenciais do Estado para com o banco, em cima dos 3,89 mil milhões já conhecidos (mecanismo de capital contingente) e dos 4,9 mil milhões da capitalização inicial da instituição.
Já se sabia, como diz Centeno, que havia esta gaveta de último recurso para utilizar caso o Novo Banco, no final do período de reestruturação (a terminar) não tivesse meios de se aguentar sozinho, e se a parte privada (Lone Star) não pudesse apoiar. O que não se sabia era o valor. Tantos anos depois.
Mário Centeno, no desconfortável papel de duplo visado pelas conclusões do Tribunal de Contas – enquanto ex-Ministro das Finanças e atual Governador do Banco de Portugal – assobia para o lado. Diz que já se sabia da existência deste mecanismo, uma exigência da Comissão Europeia, e que é praticamente certo que o valor não será necessário. Tudo certo. Só faltou explicar a razão pela qual tivemos de esperar uma série de anos, muitos milhares de milhões de euros, várias comissões de inquérito e uma catrefada de auditorias para conhecer um número que estava lá escrito, nos papéis secretos, desde a primeira hora.
O resto não é particularmente novo, e só causa comoção pela voz de onde vem, o Tribunal de Contas. Que isto é tudo despesa e dívida pública toda a gente já sabia, apesar das juras de Passos, de Costa e de Centeno de que não, usando tecnicidades contabilísticas para tapar um grande sol com uma peneira de reduzidas dimensões. A treta do “zero impacto para os contribuintes” não só sempre foi treta como sempre foi claro que era treta. Insistir nela só se explica por teimosia ou por ser impossível aos seus autores reconhecer, agora, a evidência, depois de tamanho dogma, de anos.
Centeno respondeu irado, contrapondo que tudo foi feito da melhor forma possível e acenando com a redução dos custos de financiamento do País para justificar as opções. Esses custos caíram, de facto, mas atribuir esse facto apenas à venda do Novo Banco….é no mínimo extraordinariamente discutível.
Por último, o Governador indignou-se com as dúvidas sobre as reais necessidades de capital do Novo Banco, ou seja, se a instituição não andou a receber mais dinheiro do que precisava, apenas pelo facto de, ao abrigo do contrato, ter um plafond determinado e pretender esgotá-lo. Aqui o argumento é mais uma vez formal: é ao BCE que cabe essa validação e, como tal, não pode ser colocado em dúvida. Segundo o Tribunal de Contas, falta informação, em quantidade, qualidade e de forma atempada, para se poder fazer a melhor análise. Já a resposta de Centeno é um clássico: nós não precisamos de saber, porque alguém (neste caso o BCE) está a tratar disso.
Mas deixemos o Novo Banco e olhemos para a célebre bazuca, cujo dinheiro afinal vem com um “mas” ou com um “se”. Há uma série de reformas com as quais o País se compromete a fazer, o célebre condicionalismo europeu, para que possamos receber a “pipa de massa”, nas palavras de Pedro Siza Vieira.
Apesar de dizer que não, o governo sempre tentou esconder este condicionalismo, por nos lembrar a todos demasiado o que aconteceu no tempo da Troika, em que cada cheque vinha associado a medidas que tínhamos de tomar. Depois de todo o barulho e de uma notícia do Expresso, o executivo lá admitiu que havia divulgado apenas um sumário do Plano de Recuperação e Resiliência entregue em Bruxelas. Afinal havia milhares de páginas e anexos técnicos cheios de informação relevante, que o governo optou por poupar à nossa vista cansada.
Na segunda-feira, finalmente: “Para que não subsistam quaisquer dúvidas a este respeito, e reafirmando a transparência do processo de elaboração e discussão do PRR, procede-se à divulgação dos ficheiros originais enviados à Comissão Europeia, seja o relativo ao corpo principal do PRR, seja ainda o extenso conjunto de ficheiros técnicos em anexo (excetuando apenas aqueles que, ao demonstrar as evidências da razoabilidade e plausibilidade dos custos, contêm informação sujeita a sigilo, não sendo legalmente possível a sua publicação)”, afirmava o comunicado do Ministério do Planeamento, finalmente com a informação (quase) completa.
Em bom inglês: was that so hard? Em melhor português: custava assim tanto?
As instituições públicas têm de perceber que, em todas as ocasiões mas sobretudo em épocas de populismo galopante, o único caminho é a verdade. E a verdade não é a parte da verdade que o governo acha que nós estamos preparados para aguentar. Só toda a verdade é a verdade.
Isto não vem do Novo Banco, do PRR, do Banco de Portugal, ou dos governos de Passos Coelho ou de António Costa. Isto é uma cultura instalada de décadas, que trata os cidadãos e os contribuintes como crianças, que não estão preparadas para conhecer os factos da vida. Só agora ficamos a conhecer coisas da venda do Novo Banco, da mesma forma que não conhecemos toda a documentação de várias privatizações, património que era de todos nós e foi vendido sem que tenhamos tido o direito de saber como. O famigerado “segredo profissional” ou “segredo de negócio” não tem cobertura constitucional mas parece, de tal forma se sobrepõe sempre aos mais elementares princípios da transparência e da informação pública.
Continuamos a ser tratados de forma paternalista, quando o conselho que nos dão é não perguntar pelo Novo Banco porque o BCE está a cuidar disso; quando inquirimos sobre as contrapartidas na privatização da ANA, por exemplo, e nos dizem que não é possível ver todos os contratos por causa do “segredo de negócio”.
Não nos preocupemos. Não cansemos as nossas pequeninas cabeças com estas coisas, porque a gente crescida está a tomar conta dos nossos interesses, seja o Banco de Portugal, o BCE, o governo ou a Comissão Europeia. Nós não precisamos de saber, só precisamos de confiar.
Como a informação e a transparência são demasiado brilhantes para os nossos sensíveis olhos de contribuinte, vamos sabendo a verdade às pinguinhas. Só nos é pedido que acreditemos, e só nos resta orar para que Deus ilumine quem nos guia.
Ah, e resta-nos pagar, claro.