“We don’t want it too high // We don’t want it too low
When inflation is stable and predictable // That’s the way to go”
Veja o vídeo e tente não bater o pé. Quem canta é Denyque, mas a letra é do banco central jamaicano. Se já leu ou escreveu sobre política monetária e bancos centrais sabe que o tema é árido e normalmente bastante técnico. Fazer as pessoas passar das primeiras linhas ou dos primeiros minutos é um desafio. Consciente disso, e num momento de reformas económicas no país, o Banco da Jamaica decidiu que não podia continuar a comunicar da mesma maneira.
“Achámos que a inflação era importante para todos os jamaicanos e precisávamos de uma campanha que pudesse chegar a todos. Não podia ser uma apresentação técnica, de alto nível. Tinha de ser para as massas. Mais parecido com um anúncio de comida ou cerveja”, explica-nos Tony Morrison.
Morrison é o diretor de comunicação do Banco da Jamaica e o cérebro por trás da campanha que colocou a ilha caribenha no mapa da política monetária mundial. A VISÃO falou com o especialista sobre como surgiu a ideia, os riscos que existiam no arranque e o que outros bancos centrais podem aprender com ela.
Em primeiro lugar, é importante dizer que o papel do banco central jamaicano é bastante diferente da autoridade portuguesa. Enquanto nós cedemos a nossa soberania monetária ao BCE, que é a entidade que avalia a evolução dos preços e a eventual necessidade de os controlar, o Banco da Jamaica tem essa responsabilidade exclusiva, o que implica maior preocupação com a gestão de expectativas. Agarrar a atenção dos cidadãos é fundamental, mas, como todos os bancos centrais sabem, pode ser muito difícil convencer as pessoas a ouvir o que eles têm para dizer.
“Os bancos centrais têm problemas de comunicação. Os temas são muito complexos e difíceis de entender se as pessoas não os estudarem a fundo”, diz Morrison. Normalmente, estas instituições ficam presas numa camisa de forças: querem chegar a mais gente, mas não podem ou não querem abandonar o conforto de uma linguagem formal. Acabam a falar para um nicho. “A maior parte dos bancos centrais tenta falar para um público muito restrito. Nos países desenvolvidos, acabam por ser muitas pessoas. Num país como a Jamaica não podemos depender de um público tão pequeno. Temos de ser mais abrangentes.”
Além disso, o país atravessou nos últimos anos um período de convulsão. Após anos de inflação muito elevada, desemprego relativamente elevado, dívida pública em crescimento e sucessivos programas de ajustamento do FMI, o país introduziu uma série de reformas, incluindo uma vaga dura de austeridade: novos impostos, congelamento dos salários dos funcionários públicos e a exigência de um saldo primário de 7,5% do PIB (o mais elevado de sempre num programa do FMI). O país saiu deste programa em novembro do ano passado, com o desemprego em mínimos históricos e inflação controlada, poucos meses antes de ter de lidar com o impacto económico da pandemia.
Ao mesmo tempo, o banco central começou a fazer a transição para um regime de câmbio flexível e adoção de metas de inflação. Isso colocou uma pressão extra sobre a instituição para assumir um papel mais ativo. Os preços, que no início dos anos 1990 chegaram a disparar quase 80%, estavam a crescer agora a um ritmo abaixo de 4%. Os dados do banco central sugerem que, desde que lançaram a campanha, as expectativas de inflação para o futuro têm caído.
“Devemos à população explicar-lhe porque é que estamos a fazer isto. A inflação afeta toda a gente. Inflação são expectativas. Se acreditarmos que os preços serão 20% mais altos para o ano, vamos comportar-nos dessa forma, portanto os bancos centrais têm de condicionar as expectativas para mudar os comportamentos e controlar a inflação.”
O banco não podia ficar satisfeito com comunicar bem para analistas e um nicho de jornalistas de economia. Isso significou abandonar uma postura passiva, em que a instituição apenas falava quando alguma coisa corria mal ou alguém fazia perguntas incómodas. ” Quisemos ser pró-ativos, educar o público e explicar como funciona a política monetária e económica”, diz Morrison.
Ao começarem a pensar no que poderia despertar o interesse das pessoas, rapidamente chegaram à música. “O reggae foi a ideia desde o primeiro dia”, lembra o especialista em comunicação. “E depois tivemos sorte, porque tivemos a ideia de ligar o reggae à inflação: a inflação funciona na economia como o baixo para o reggae. É o coração da música.”
O Banco começou por gravar dois jingles para a rádio. A seguir vieram dois vídeos, onde era feita essa ligação entre reggae e inflação. Depois, outros dois vídeos cm músicas antigas. Pelo caminho, conseguiram usar a fama de artistas como Tarrus Riley, cujo vídeo no YouTube tem mais de 330 mil visualizações. No Twitter, o mais recente vídeo – o primeiro deste artigo -, acumulou mais de 580 mil num só mês.
Esta estratégia de comunicação mais informal começou em 2018 e envolveu também a criação da personagem “Agent Croc O. Doyle” (sim, é um crocodilo). Inspirado no James Bond, que Ian Fleming escreveu na Jamaica, serve de porta-voz para temas de inflação. Nas ruas, há cartazes. Nos jornais e revistas, algumas para crianças, há anúncios. No Twitter, o Banco faz longas threads com gifs, memes e referências de cultura pop. Não hesitam em usar emojis.
O esforço recebeu ampla atenção mediática um pouco por todo o mundo, com artigos de jornais, elogios de instituições internacionais e entusiasmo de economistas felizes por alguém mostrar que a política monetária não tem de provocar bocejos.
Porque resultou tão bem? “Não sei. Não há propriamente uma fórmula. Os jamaicanos gostam dos vídeos. Mas quem ficou totalmente louco foram as pessoas fora do país. Os jamaicanos não vão ficar doidos por ver um vídeo de reggae”, brinca Morrison.
Mas não pense que o departamento de comunicação pode fazer o que quer. Morrison sabe que “empresas privadas podem fazer coisas que um banco central não pode” e garante que são “cuidadosos”. A campanha é acompanhada de perto por Wayne Robinson, vice-governador do Banco da Jamaica, que garante a conservação do rigor técnico. A administração do Banco está bastante atenta a estes esforços de maior informalidade e, segundo recorda Morrison, estavam nervosos ao início.
“Tinham medo. As ideias eram arrojadas. Mas, desde que não tornássemos os vídeos muito sexys, eu sabia que não haveria problema”, conta. “Agora, estão felizes com a campanha. Temos recebido atenção de jornalistas, economistas, instituições internacionais e banqueiros centrais. Isso dá credibilidade ao que temos feito.”
Lições para os outros
Embora saiba que pouco interessa se a estratégia desperta a curiosidade de um jornalista português ou faz rir um economista americano – “temos de nos lembrar que ela é para os jamaicanos e não para o resto do mundo” -, Morrison está claramente orgulhoso do trabalho feito no Banco. Isso nota-se quando lhe perguntamos se outros bancos centrais devem aprender alguma coisa com aquilo que o Banco da Jamaica tem feito.
“Claro que sim! Antes deste trabalho era jornalista. Tomei atenção àquilo que os outros bancos centrais faziam. Aprendi muito com o Banco de Inglaterra, o Banco do Canadá e o da Nova Zelândia. Tal como aprendi com eles sobre como comunicar com mais recursos, eles também podem aprender comigo.”
Morrison defende que o Banco da Jamaica deve servir de exemplo sobre como chegar a toda a população. E rejeita completamente a ideia de que apenas conseguiram fazer isto porque, de alguma forma, os jamaicanos aceitam uma comunicação mais informal. “Há o risco de olharem para isto e acharem que nós podemos fazê-lo porque somos jamaicanos e, como somos cool, podemos fazer coisas que outros não podem. Em parte é verdade. Somos cool. Mas não significa que não possam fazer coisas parecidas. A única coisa que eu fiz foi usar a nossa cultura a nosso favor.”
Daqui para a frente, haverá outras novidades na comunicação do Banco, além de vídeos de reggae. Vem aí um anúncio de jornal, que usa um guarda-redes como uma analogia para um banco central e um vídeo do “Agent Croc O. Doyle” a inspecionar preços de supermercado. Vai chamar-se “At What Price to Die”.
Talvez na Europa pudéssemos aprender um pouco com o sucesso jamaicano. Podíamos até ter a sorte de Christine Lagarde ou Mário Centeno encomendarem um Bailinho da Madeira.