Os céticos do atual sistema económico não param de ganhar soldados para as suas fileiras. A OCDE reconhece que a violenta crise de 2008 e a desapontante recuperação estão a colocar em causa princípios económicos que tínhamos por irrefutáveis. Será que o modelo que melhorou o bem-estar de milhões de pessoas no século XX se tornou antiquado para lidar com problemas contemporâneos?
Para tentar responder a essa pergunta, a OCDE criou um pequeno grupo para investigar e encontrar soluções e narrativas alternativas. Chama-se Unidade de Novas Abordagens a Desafios Económicos (NAEC, na sigla original) e é liderada por William Hynes. A EXAME entrevistou-o na edição de fevereiro, onde o economista defende que é necessário redefinir o que significa “progresso”, dar mais atenção à distribuição da riqueza e à sustentabilidade ambiental.
Pode ver em baixo uma versão resumida dessa entrevista. A versão completa está na revista Exame de fevereiro.
O que levou a OCDE a criar o NAEC?
A crise financeira foi ao coração de várias ideias, suposições e abordagens detidas firmemente acerca de como gerimos e lidamos com assuntos económicos, financeiros e sociais; e expôs as suas limitações. Famosamente, a Rainha perguntou “como é que os economistas não anteciparam a crise?”. E a resposta foi que se tratou de uma “falha coletiva de imaginação”. E a crise é só um exemplo de desafios dinâmicos e interconectados. Inclui alterações climáticas, oceanos, ecossistemas, problemas sociais, desigualdade, protestos, populismo… os economistas consideram normalmente o mundo como um local estável, um sistema em equilíbrio. Analisamos e modelos todas as políticas com abordagens estáticas e lineares. Esse já não é o mundo em que vivemos. Ele é feito de feedbacks positivos, pontos de viragem e é altamente complexo. Portanto, tentamos melhorar a nossa capacidade analítica para compreender a economia global, melhorar a sua resiliência e criar almofadas e proteções, para que estes choques não aconteçam no futuro.
A crise e a recuperação mostraram que a forma como olhamos para a economia não está a resultar?
É pior do que isso. Muitas das nossas políticas e abordagens estão a tornar os nossos sistemas mais instáveis. Se tentar otimizar sistemas complexos, pode desestabilizá-los. O principal objetivo da política económica é aumentar o crescimento, a produtividade e a inovação. O nosso problema é que pensamos que uma economia pode ser abalada, mas com um conjunto de reformas estruturais –um mercado laboral flexível, mercado de produto mais competitivo ou mercados financeiros a funcionarem melhor – o sistema irá organizar-se de forma diferente, socialmente otimizada e economicamente eficiente. Acho que não é assim que o mundo funciona e acho que as políticas habituais que temos usado podem desestabilizar e levar a mais desigualdade. Pode dar-se o caso de a flexibilidade laboral ser boa economicamente e má para as pessoas, podendo levar a protestos.
É estranho ouvir isso de alguém da OCDE. Temos exagerado na importância das reformas estruturais?
É como diz, eu sou da OCDE e não gostaria de o dizer dessa forma. O que nós fazemos são perguntas que questionem a sabedoria convencional. Hoje sabemos que, se procurarmos apenas eficiência, teremos problemas de equidade. Nos últimos oito anos, a OCDE também tem procurado saber como obter um crescimento inclusivo. A ideia de reformas estruturais indicia que temos uma forma idealizada da economia e eu não acho que é assim que ela funciona. Está sempre a evoluir e a reorganizar-se. As reformas estruturais podem ter efeitos não pretendidos. É um erro olharmos penas para a esfera económica e pensarmos que a esfera social se resolverá sozinha. Temos de dar o mesmo tempo aos dois, caso contrário os sistemas colapsam e pequenas crises podem provocar grandes efeitos. Não digo que as reformas estruturais são uma perda de tempo, mas temos de pensar como a economia interage com a sociedade e o ambiente, e em como gerimos estes sistemas. As reformas baseiam-se na ideia de que o objetivo é o crescimento. Essa narrativa de crescimento e otimização funcionou muito bem no século XX, mas tendo em conta os desafios que enfrentamos, o século XXI será menos sobre otimização e mais sobre gestão de sistemas complexos.
Vocês são os punks da OCDE?
Sim. Somos um conclave para pensar em novos temas.
Porque é que uma nova narrativa económica é importante?
Implicitamente, toda a gente tem na sua cabeça um modelo acerca de como as coisas funcionam na economia. Temos muito trabalho empírico e é esse o pilar da Economia. Fazemos análises, encontramos modelos… Mas temos de encontrar formas de trazer essas conclusões para o público e ajudar os líderes políticos a explicarem o que se passa. Isso faz-se com histórias, não com papers ou evidência estatística. Temos de o fazer de forma a que as pessoas percebam do que estamos a falar. A narrativa tradicional dos economistas neoclássicos é muito boa: as pessoas devem ter liberdade para fazer escolhas, tomar decisões, serem bem-sucedidas ou falharem. Seria a forma mais eficiente de organizar as coisas, com um papel mínimo do Estado, que deve apenas criar condições equitativas para famílias e empresas e a concorrência irá organizar tudo. Nós achamos que precisamos de uma nova história, porque a economia está sujeita a ameaças. Temos de redefinir o que significa “progresso”. O PIB é provavelmente demasiado limitado para medir o progresso em sociedade. Provavelmente teremos de olhar para vários indicadores de bem-estar, saúde, educação, bem-estar subjetivo. A política industrial não precisa de ser simplesmente escolher vencedores de forma antiquada. Como Mariana Mazzucato diz, o Estado tem um papel a desempenhar na inovação. Também temos de pensar de forma mais séria no ambiente e no próprio funcionamento do sistema económico, para não acabarmos com apenas o top 1% a beneficiar. Estas ideias não são muito controversas, mas alguns dos nossos críticos diriam que é uma agenda ideológica.
Parece uma agenda de esquerda. Deve ouvir isso várias vezes.
Absolutamente. Mas acho que esta ideia de que propostas alternativas à ortodoxia são ideológicas supõe que a ortodoxia não o é. Eu diria que defender mercados laborais flexíveis é ideológico. Toda a economia é ideológica. Além disso, não queremos ter a palavra definitiva, queremos propor uma alternativa para discutir.
Estão a esticar o debate.
Exatamente. E o debate em Economia é bastante limitado. Vamos considerar as alternativas, porque ninguém pode hoje estar satisfeito com os resultados do sistema. Os economistas deviam ter uma mente mais aberta. De que têm medo? Vamos discutir. Os nossos líderes políticos e as populações procuram novas soluções para os problemas e não há debate mais importantes do que como funciona o sistema. Tem havido muitas tentativas para suprimir esse debate.