António Saraiva começou a carreira como operário da Lisnave, na altura a maior empresa portuguesa, para conseguir juntar algum dinheiro de forma a poder casar quando regressasse da guerra das antigas colónias. Pelo meio integrou a Comissão de Trabalhadores da reparadora naval e, 30 anos depois, desempenhou o cargo de presidente da CIP, a confederação que representa o patronato nacional. Hoje é presidente da Cruz Vermelha Portuguesa, mas não esquece o “cheiro” do fundo dos petroleiros, “a primeira função profissional que desempenhei”, e ainda hoje sonha com Lisnave.
Orador no painel “O meu 1º Emprego”, da conferência “O Futuro o Trabalho” – iniciativa da EXAME e do ManpowerGroup Portugal, com o apoio da DFK e que se realizou na AESE Business School, em Lisboa – António Saraiva começou por afirmar que “o primeiro emprego é onde se aprendem muitas lições que nos ficam para a vida. Sou filho das escolas industriais que formavam e preparavam jovens para a indústria. Muito novo quis ir trabalhar, contra a vontade dos meus pais. Escolhi a Lisnave que, na altura era o maior estaleiro naval do mundo, porque queria um emprego estável, um emprego seguro para a vida. E isso apenas acontecia no Estado ou nas grandes empresas”, recorda.
A sua primeira função foi descer ao fundo de um tanque de um petroleiro, que emanava um forte odor a nafta que ainda hoje tem presente na sua memória. “Andei dois meses naquela função. Continuei a estudar à noite e fui convidado a iniciar uma nova secção de planeamento. Passei do fundo dos navios para aquilo a que chamávamos o Palácio de Cristal, um edifício todo em vidro, onde estava a direção comercial. Essa foi a minha primeira progressão de carreira”.
A 22 de abril de 974 é chamado para a tropa, mas três dias depois ocorre a revolução e a tão temida chamada para o Ultramar acabou por não vir.
“Durante o período militar continuei a fazer um part-time na Lisnave para conseguir ganhar mais algum dinheiro. E esta experiência difícil foi um ensinamento de humildade muito importante para a minha vida”, recorda.
A Lisnave pós 25 de abril transformou-se numa espécie de “proveta política” e dos 14 a 16 navios que reparava por mês, passou a ter encomendas apenas para um. A dívida foi-se acumulando e a empresa ficou à beira da falência.
Com salários em atraso e com a reparação naval perdida, a empresa ia fechar. “Foi nessa altura que fiz uma lista para a comissão de trabalhadores em oposição à existente, que era dominada pela CGTP. Fizemos o primeiro acordo social numa empresa de grande dimensão e conseguimos salvar o estaleiro. A minha natureza e o meu caráter foi sempre o mesmo: salvar empresas”, diz António Saraiva.
E ainda hoje admite que a função de operário e de representante dos trabalhadores foi deveras importante para todos os cargos que assumiu na vida. “A experiência de vida vai-nos dando uma formação que nos acompanha para sempre. Estar nesse cargo não fez de mim uma pessoa diferente, mas trouxe-me outros pontos de vista. Temos de ser legítimos. Não podemos interpretar papéis para os quais não estamos capacitados, e não é pela formação, é por não termos competências intrínsecas para o fazer”, explica
E no fim deixa um recado para as novas gerações: “Temos de acreditar em nós porque, por muito que saibamos ler o presente, nunca estamos preparados para o futuro. A realidade supera sempre a nossa imaginação e a nossa capacidade de fazer planos. Temos de ter a capacidade de me adaptar a esse futuro”.
Que o diga Leonor de Freitas, presidente do conselho de administração da Casa Ermelinda de Freitas, que foi preparada para tudo menos para gerir e revolucionar a então pequena empresa agrícola da família.
“Eu sou a pessoa menos preparada para estar no mundo rural. Nasci no campo, em Fernando Pó, que apesar de ser apenas a 50 km de Lisboa, era um lugar muito isolado. Não existia eletricidade nem meios de transporte. E as pessoas apenas poderiam aspirar a fazer a quarta classe. Eu fui uma privilegiada porque o meu pai queria que eu tivesse outra vida e aos dez anos fui para colégios particulares”, recorda.
Longe das suas origens, Leonor de Freitas segue o seu destino e após uma licenciatura em Serviços Sociais, consegue o seu primeiro emprego na administração regional de saúde em Setúbal, cargo que ocupou durante 20 anos.
Durante algum tempo coordenou a educação para a saúde e uma das suas funções era fazer colóquios sobre os problemas do alcoolismo na região. A fugir das suas origens, garantindo o que, na altura, se chamava um emprego seguro, o destino acabou por trazê-la de volta ao lugar onde pensou que já não voltaria.
“Com a morte repentina do meu pai, pensei em vender a empresa, mas essa decisão provocou-me um enorme peso de consciência. Estava a deixar para trás todo o esforço e amor que tinha sido investido naquela terra pela minha família”.
Decide manter o negócio e divide a sua ida profissional entre a Casa Ermelinda de Freitas e os Serviços Sociais de Setúbal. “Depressa percebi que não poderia fazer bem as duas coisas e opto pela negócio da família. Na altura, as minhas colegas não perceberam a minha decisão. A minha vida deu uma reviravolta. A terra e o meio rural sempre estiveram dentro de mim sem eu o saber”, conta Leonor de Freitas.
Quando regressou a casa, o negócio era o cultivo de 60 hectares de vinha e a produção era vendida a granel. Trabalhavam lá apenas três pessoas. Hoje, têm 500 hectares, várias marcas e 108 funcionários na adega, aos quais se somam mais de 200 no campo. Ironia do destino, acabaria por ser a geração menos preparada para aquele negócio a que lhe iria dar o maior desenvolvimento.
”Eu não tinha qualquer formação em gestão nem em agronomia. A primeira coisa que fiz foi tomar conhecimento do que os outros faziam. Comecei a ir a feiras de vinhos no estrangeiro e comecei a ter consciência de tudo o que não sabia. O ensino e o saber é hoje o que nós temos de melhor para perceber o presente e avançar para o futuro”, afirma.
No entanto, a empresária mostra sinais de preocupação com o futuro do trabalho. Na sua opinião, o setor agrícola tem muito a evoluir em Portugal. “Precisamos cada vez mais de conhecimento. Tenho muitos licenciados, quer de agronomia quer do agroalimentar, e estou muito dependente de algumas deles. Por isso, tenho de lhes oferecer algo mais que apenas um emprego e uma remuneração. Tenho de lhes oferecer um ambiente familiar”, explica.
E lamenta que, para alguns trabalhadores, o sentimento de ter o primeiro emprego não ser valorizado enquanto especial.