“Foi uma carreira dedicada à Bial. Um trajeto de trabalho árduo, feito com paixão e sempre com muita satisfação”, disse Luis Portela, depois de receber esta terça-feira o Prémio Excelência na Liderança, atribuído pela revista EXAME, durante a conferencia das 500 M&M Empresas. Para o médico que, aos 21 anos, ficou com a empresa criada pelo avô nas mãos e a transformou na melhor farmacêutica portuguesa, foi “um privilégio ter sido o capitão de uma equipa fantástica”.
Luis Portela, agora reformado e há dois anos completamente fora da gestão da Bial, recebeu o prémio pelas mãos de Luis Delgado, líder do grupo TrustinNews (TIN), dona das revistas EXAME e VISÃO (entre outras), que fez questão de sublinhar a unanimidade da decisão. “Foi e é excecional na liderança”, classificou Luis Delgado ao apresentar o premiado. “Não gosta de lideranças fortes, mas da liderança serena e positiva. E nos maus momentos, é tranquila, tentando encontrar as melhores soluções e aguardar os bons momentos”, disse, parafraseando as palavras do próprio Luis Portela numa grande entrevista publicada na edição da Exame onde se elencam as 500 Maiores e Melhores Empresas, e que estará em breve nas bancas. Luis Delgado enalteceu ainda a forma como o premiado classificou o ato de gestão: “Raciocinar com a frieza necessária para ver as dificuldades e oportunidades e encontrar a solução apropriada”.
Já em conversa com Mafalda Anjos, diretora da VISÃO, Luis Portela lembrou como teve de abandonar uma carreira na investigação médica para abraçar a tarefa de gestor. Ao sentir que “sabia pouco” de gestão – “não somos obrigados a saber de tudo”, sublinhou – recorreu aos ensinamentos de um amigo da família: o professor Manuel Baganha, economista e então diretor da Faculdade de Economia do Porto. “Nunca me deu uma solução: conversávamos, emprestava-me um livro, fotocopiava sebentas com os apontamentos dos alunos e ensinou-me a raciocinar e a construir uma arvore de problemas”, contou. “Não me deu o peixe, nem sequer a cana. Ensinou-me os passos que deveria dar para conseguir a cana que ia conseguir o peixe”.
Por outro lado, o presidente da Fundação Bial teve “o discernimento” e a “sorte” de constituir uma boa equipa”, a quem atribui boa parte do seu sucesso. “A constituição dessa equipa fez funcionar o projeto. Eu fui apenas um coordenador”, disse, sublinhando a importância de “ter bons profissionais e boas pessoas, com espírito de equipa”, para que no fim do dia, não se leve “umas dores de cabeça para casa”. No seu entender, só assim “as coisas acontecem com naturalidade”.
Mafalda Anjos lembrou ainda os avultados investimentos feitos, muitas vezes sem retorno imediato, como aconteceu com os 350 milhões investidos para a criação do medicamento Zebinix. “Se eu fosse só gestor, provavelmente não teria feito esse percurso, porque só veria os números”, admitiu Luis Portela, confessando ter havido momentos “difíceis” e de “incerteza”, “com resultados menos bons”. Mas valeu-lhe a confiança na equipa de investigadores (são 170, de 20 paises) e da banca. “A banca nunca nos falhou. Nunca assinei uma carta de aval à banca”, frisou.
Luis Portela lembrou ainda como lhe chamaram louco quando decidiu enveredar pela inovação, de forma a criar novas soluções terapêuticas e de como a Bial esteve muitos anos sem fazer distribuição de lucros, antes de terem atingido os seus objetivos. “Um sonho lindo que pudemos concretizar”, realçou, satisfeito e comovido.
O que nos falha como País, perguntou ainda a diretora da VISÃO. Luis Portela considera “abominável dizermos que somos pequeninos, quando somos um país médio europeu”, lamentou o facto de sermos “invejosos uns dos outros” e “pouco focados” no planeamento e na organização. E a inexistência de um plano estratégico de desenvolvimento.
“Toda a gente já percebeu que nos falta um plano estratégico para desenvolver o país e criar riqueza. Muitos discutem como distribuí-la. Mas e o passo antes? Como a criar? Estamos há 30 anos a acumular investigação nas nossas universidades e o País não sabe transferir este conhecimento para a criação de novos produtos e serviços que tenham sucesso à escala global. É pecaminoso ter a ciência que temos e não conseguir o desenvolvimento com base na inovação”.
Deu o exemplo da Irlanda e da Coreia do Sul, que tem uma multinacional como a Samsung e outras também muito grandes, para ver como se “consegue dinamizar de uma forma tão forte” uma economia.
A terminar, foi realçada atividade da Fundação Bial, pioneira no mecenato científico – apoiou até hoje 1600 investigadores de 29 países diferentes – e a forma como esta resultou de uma promessa que Luis Portela fez a si próprio quando abandonou o seu desejo de seguir uma carreira de investigação na psicofisiologia. Em vez disso, acabou a dar bolsas de investigação para que outros fizessem o que ele gostaria de ter feito.
“Cabe à ciência demonstrar o que é verdade e mentira de toda a fenomenologia assinalada ao longo dos tempos. E isso pode enriquecer os seres humanos. Se chegamos a conclusão de que somos todos iguais em essência não faz muito sentido andarmos a acotovelarmo-nos uns aos outros numa corrida desenfreada a tentar mostrar que somos melhores”, justificou Luis Portela, crente de que a “ciência pode ter um papel esclarecedor da humanidade”.
Homem de forte pendor espiritual, tema que aborda nos seus vários livros, Luis Portela defende uma alteração de paradigma para a humanidade. “Viver menos focados no ego, no eu, e mais focado no outro. Felicidade não é tanto acumular. É fazer coisas bonitas para nós e ainda mais para os outros. Isso precisa de ser cultivado”. E acredita que a ciência “possa abrir algum caminho para que a humanidade desperte para essa realidade”.