Em 2012, e com uma forte pressão por parte da Troika, Portugal liberalizou o mercado de arrendamento. O novo Regime de Arrendamento Urbano trouxe uma maior liberdade na estipulação da duração dos contratos e é visto pelos especialistas do setor como um game changer no mercado. No entanto, há ainda muito por fazer para atrair investidores para este segmento que ajudem a ajustar a oferta à procura, contribuindo para um maior equilíbrio nos preços. Estas foram algumas das conclusões da última Manhã em EXAME, uma iniciativa da EXAME, juntamente com a JLL.
![(Foto: Luís Barra)](https://images.trustinnews.pt/uploads/sites/5/2022/12/221207_thumbnail_IMG_7267.jpg)
“Há um antes e um depois da lei, que foi um game changer para o mercado”, afirmou Pedro Lancastre. O CEO da JLL Portugal recordou que “todos nos lembramos de passear pelas nossas ruas com centenas de prédios por reabilitar e esta pequena mas gigante mudança, acompanhada pelos golden visa, o regime de residentes não habituais, ajudou a cidade de Lisboa a ser completamente mudada para melhor”.
Há um antes e um depois da lei, que foi um game changer para o mercado
Pedro Lancastre
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Segundo os dados da JLL, a reabilitação urbana que se seguiu a esta lei foi um dos pontos mais positivos do novo regime de arrendamento urbano. “Tivemos praticamente um século de congelamento de rendas em Portugal, que surgiu durante a I Guerra Mundial e só foi desbloqueado em 2012”, observou Joana Fonseca. A head of strategic consultancy & research da JLL explicou que isso levou a “uma descapitalização generalizada dos senhorios e à deterioração do parque habitacional”.
A especialista destacou que a legislação foi “um impulsionador da reabilitação urbana e nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto o número de reconstruções aumentou significativamente, levando a uma diminuição no número de fogos devolutos”. No entanto, Joana Fonseca sublinhou que do lado da nova construção a oferta tem sido na sua esmagadora maioria colocada para a venda e não para arrendamento, o que contribuiu para que o stock deste último segmento permanecesse baixo. “Há desafios e nem tudo está resolvido”, admitiu.
Mas avalia como positivo o impacto que a lei feita há dez anos teve no mercado de arrendamento residencial e comercial. “Há uma mudança de paradigma em termos do arrendamento como opção”, afirmou. Notou que houve um decréscimo elevado de contratos com rendas inferiores a 500 euros, mas que também, pela primeira vez, passaram a existir contratos acima de 1000 euros, que em 2011 praticamente não existiam. “Com a capacidade de liberalização houve um crescimento no número de contratos em que as rendas foram resultado da dinâmica da oferta e da procura, o que é salutar”, concluiu.
Com a capacidade de liberalização houve um crescimento no número de contratos em que as rendas foram resultado da dinâmica da oferta e da procura, o que é salutar
joana fonseca
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A chamada “lei Cristas” – assim conhecida por ter sido da iniciativa da então ministra Assunção Cristas – contribuiu para subidas generalizadas nos preços das rendas. Mas os especialistas do setor que participaram neste encontro destacam que, mais do que pela lei, essa pressão tem sido criada pelo desequilíbrio entre a oferta e a procura.
Menos burocracia e atração de mais investidores
A lei acabou por eliminar algumas barreiras que se colocavam à entrada de investidores no mercado de arrendamento. Mas ainda há obstáculos por retirar: “Esta lei foi um vento de mudança no Pais e se não tivesse havido Troika talvez esta lei não existisse”, referiu João Torroaes Valente. O Partner e Head of the Corporate Real Estate & Tourism Practice na Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados nota, no entanto, que “houve alguns recuos”, como o limite de 2% ao aumento das rendas em 2023, e que “existe muita incerteza interpretativa”. Considera que a lei “teve o mérito de introduzir muitas alterações, mas é uma lei muito complicada” e pede ao Governo que use a maioria absoluta para “clarificar estas incertezas com que os investidores se deparam”.
Esta lei foi um vento de mudança no País e se não tivesse havido troika talvez esta lei não existisse
João Torroaes valente
Gonçalo Santos defendeu que a forma mais eficaz de se resolver o problema da falta de oferta no mercado de arrendamento passa mais pela entrada de investidores. O head of capital markets da JLL considera que os privados e institucionais não têm “os incentivos suficientes para investirem em escala porque o enquadramento de custos e legal é desafiante e traz riscos aos planos de negócios”. O especialista considera que o Estado podia tomar medidas para incentivar os investidores a criar oferta e, numa outra dimensão, para “garantir acesso à habitação das classes mais carenciadas”.
Além daqueles fatores, os promotores imobiliários notam que a demora e a burocracia nos licenciamentos dificultam o aumento da oferta. Miguel Santana, board member da Fidelidade Property, considera que “as gerações mais novas já encaram o arrendamento como uma solução”. Mas explica como a demora em ter projetos aprovados afeta o investimento: “Por mais colunas de Excel que se façam, mais três anos” acabam por ter impacto na rentabilidade do projeto. E considera que “se conseguirmos encontrar melhor oferta com licenciamentos mais rápidos e com o mercado a funcionar isto começa a equilibrar”.
Gonçalo Santos defendeu que o “objetivo deveria ser o da previsibilidade nos prazos do processo de licenciamento porque é muito difícil um investidor fazer um plano de negócios sem essa previsibilidade”. Por outras palavras, essa demora tira rentabilidade e desincentiva a construir para posteriormente arrendar ou colocar no mercado de venda.
O objetivo deveria ser o da previsibilidade nos prazos do processo de licenciamento porque é muito difícil um investidor fazer um plano de negócios sem essa previsibilidade
gonçalo santos
Além da demora no licenciamento, Francisco Sottomayor elencou outro entrave. “Os regulamentos de construção também não ajudam, a legislação é muito cinzenta e deixa espaço à discricionariedade”, diz o CEO da Norfin. Acrescenta que “o que muitas vezes faz falta é a coragem e capacidade técnica de tomar uma decisão que se sabe que é boa, apesar de estar na zona cinzenta”. O gestor critica ainda as exigências que são feitas ao nível da construção, que acabam por encarecer o preço das casas: “Os custos de construção são excessivos e temos requisitos mais exigentes do que os de países com temperaturas bem mais baixas e com maiores níveis de humidade e isso implica que continuamos a construir mais caro do que eles”.
Os custos de construção são excessivos e temos requisitos mais exigentes do que os de países com temperaturas bem mais baixas e com maiores níveis de humidade e isso implica que continuamos a construir mais caro do que eles
francisco sottomayor
Neste encontro que reuniu players do setor, a nota dominante foi de que medidas como o adicional ao IMI ou o limite ao aumento das rendas em 2023 podem ter reflexos negativos. Apesar de o Governo argumentar que o objetivo deste teto às atualizações é, de alguma forma, temperar o impacto da alta inflação nas famílias, João Torroaes Valente advertiu que se “corre o risco de se temperar em demasia e depois acrescentar ainda mais sal”. E exemplificou-se esse risco com os casos de proprietários que começaram a fazer apenas contratos de arrendamento a um ano e não renováveis.
Francisco Sottomayor alertou que este tipo de medidas vai travar novos investidores que poderiam ajudar a aumentar a oferta. E Miguel Santana concluiu que se devia passar a mensagem que os investidores fazem falta e que noutros países demonstrou-se que “se os investidores trabalharem livremente o grande beneficiado será o futuro inquilino”.
Se os investidores trabalharem livremente o grande beneficiado será o futuro inquilino
miguel santana