Continuar a acreditar na sustentabilidade como fator distintivo das empresas na hora de recrutar e apostar na construção do melhor talento e na capacitação dos trabalhadores. Responder às exigências de flexibilidade de tempo e espaço trazidas pela pandemia e atender à nova hierarquia das necessidades dos trabalhadores. Ter lideranças mais empáticas, inteligentes e próximas, que demonstrem compromisso, capacidade de adaptação e integridade. E, sobretudo, aproveitar o que se aprendeu durante a crise pandémica em termos de organização das empresas e não ter a tentação de voltar às práticas antigas, ao mesmo tempo que se enquadram legalmente as novas realidades trazidas ao mundo do trabalho.
Estas foram algumas das principais conclusões deixadas por uma dezena de especialistas, entre gestores, responsáveis de recursos humanos, líderes académicos e de organizações sem fins lucrativos no terceiro Fórum Futuro do Trabalho, que decorreu esta quinta-feira, 28 de outubro, em Lisboa. Ao longo de mais de três horas, os vários painéis promovidos pela EXAME, em parceria com a ManpowerGroup, JLL e AESE Business School, debateram temas como a sustentabilidade e o talento, as práticas de trabalho do pós-crise, o novo normal no mercado de trabalho, a liderança depois da pandemia e o desafio das qualificações.
Com grande foco na resposta às alterações impostas pela pandemia, que levaram os colaboradores a reavaliar o seu quotidiano e passar a planear o trabalho em torno da vida em vez do contrário, Syneathia LaGrand avisou para a necessidade de flexibilidade das lideranças das organizações, de aposta na cultura da recompensa e menos do presentismo. Além de as empresas terem de passar a encarar os empregados como stakeholders (aumentando a diversidade e inclusão e a transparência) e de não caírem na tentação de que o regresso ao local de trabalho ou ao trabalho híbrido seja um modelo igual para todos.
“Não podemos voltar ao que era antes. E por isso é que há tanta falta de mão de obra agora [na reabertura de negócios nos EUA]. Isso tem de ser mudado através das lideranças, de como incentivamos e promovemos o talento”, disse a VP-Learning & Development do ManpowerGroup, que participou no evento através de videoconferência e respondeu a questões do diretor da EXAME, Tiago Freire.
A tentação de voltar ao passado já tinha sido abordada num outro painel, dedicado à liderança no pós-pandemia, e Maria de Fátima Carioca, a propósito de um tempo em que a sensação de controlo sobre as pessoas era maior, diz que ensaiar esse regresso “é uma armadilha, um tiro no pé.” “Tanto o tempo como o local são algo de líquido, as situações são múltiplas e a dificuldade de gerir nómadas dígitais, híbridos ou presenciais é o desafio que está em cima da mesa,” disse a dean da AESE Business School.
Casa, escritório ou… noutro sítio?
Na Bosch, a abertura e autonomia para que os trabalhadores possam escolher quando e onde trabalhar remonta há 40 anos, mas a empresa alemã – que nos últimos meses está a ser obrigada a uma gestão exigente das pessoas por causa da crise de fornecimento de componentes – está mesmo a estudar com seguradoras que os colaboradores possam trabalhar de onde quiserem, acabando com a dualidade casa-escritório. No entanto, notou Carlos Ribas, como nem todas as funções em ambiente industrial podem ser feitas remotamente, estão a equacionar-se soluções para não prejudicar quem não pode beneficiar dessa medida. “Não é eticamente correto tratarmos a nossa família de forma diferente”, nota o responsável da Bosch em Portugal e também da fábrica de Braga da multinacional alemã, especializada em eletrónica automóvel.
Na EDP, tal como em muitas outras empresas, a distância física imposta pela crise de saúde pública também despertou maior flexibilidade na gestão de pessoas e de negócio e não significou perda de produtividade. Tanto que, reconhece Paula Carneiro, head of People&Organizational Development Global Unit da energética, “há uma grande pressão no sentido de podermos facilitar mais dias em casa. As pessoas sentem que ganharam produtividade durante a pandemia”.
A responsável antecipa uma força de trabalho “muito mais líquida” no futuro, que vai obrigar a captar competências, a trabalhar mais por projetos e remotamente (em vez de estar nos “quadros”) e a refletir sobre a flexibilidade vs. objetivos. “Uma gestão mais focada em resultados. Em Portugal estamos muito focados na presença e no horário”, avaliou.
Talento para lá das quatro paredes
Pessoas, espaços e processos são os três eixos que estão a guiar, na Microsoft, o percurso até ao trabalho híbrido do futuro. Os locais e equipamentos têm de ser repensados para acomodar as novas realidades, o modelo de gestão por objetivos adaptado e têm de ser criados novos processos para onboarding, colaboração ou brainstorming. Mas, salientou Paula Panarra, general manager da Microsoft Portugal, “é preciso que os líderes queiram fazer essa transformação”.
Tal como já acontecia na Microsoft, também na Feedzai o modelo remoto era o pão nosso de cada dia quando chegou a crise pandémica. O que mudou, garantiu Dalia Turner, foram as formas de comunicação, que se alteraram para melhor, e a abertura para captar talento em todo o mundo, segundo a VP of People na plataforma multinacional de combate ao crime financeiro nas transações comerciais.
Talento que, segundo Caetano de Bragança, é essencial para a inovação de que as empresas precisam para se manterem na liderança. “Para que servem os espaços de trabalho? Cultura de empresa (pelo medo que se perca com as pessoas dispersas), performance (vir para escritório permite sinergias e que as pessoas trabalhem melhor) e atração de talento – pessoas mais novas com casas piores para trabalhar preferem ir para o escritório”.
“As grandes sedes corporativas continuarão a existir. O edifício vai moldar as pessoas que lá estão. Os edifícios serão também geografias emocionais”, assegurou o head of Workplace Strategy da JLL, recuando ao século XVI para explicar como o escritório passou de mera questão de espaço para gerador de “relações de eficácia”, que agora tem de ser educacional e mais sensível a questões de sustentabilidade.
Este último tema é, nas palavras de Miguel Mendes, uma “obsessão e uma chave na dinâmica empresarial para a Endesa”, ajudando a aumentar o sentimento de pertença. Mesmo que, reconhece o country manager B2B da Endesa, ainda não tenha superado outros fatores decisivos – como a remuneração – no momento de um candidato decidir trabalhar naquela empresa ou noutra. “Temos obrigação de trabalhar a sociedade para mudar os hábitos. As empresas têm de continuar a acreditar que é verdade, porque algum dia vai sê-lo: a sustentabilidade ser fator de atração de talento.”
A (permanente) luta das qualificações
“Até agora temo-nos concentrado em atrair talento, temos de pensar como vamos construir o melhor talento,” tinha antes reclamado Raúl Grijalba, presidente do ManpowerGroup para Portugal, Espanha, Grécia e Israel, que diagnosticou uma taxa de desajuste de talento no País de 62% e defendeu práticas de upskilling e reskilling: “Um plano de transformação de talento é crítico”, afirmou.
Retrato e recomendação que não diferiu muito dos deixados por Carlos Oliveira, numa apresentação sobre as necessidades de qualificação da mão de obra em Portugal. Segundo o diagnóstico do presidente-executivo da Fundação José Neves, faltam competências alinhadas com o que o mercado procura (o que contribui para que quase 20% dos licenciados não encontre emprego ao fim de três anos) e desenvolvê-las ao longo da vida ativa através de formação para superar a obsolescência dos conhecimentos (algo que as empresas resistem a fazer dada a maior rotatividade dos trabalhadores).
“Temos de continuar a qualificar e tornar útil para a sociedade uma grande massa de portugueses com qualificação em perda. Um nível mais elevado de educação protege o emprego”, disse, enquanto sublinhava a ambição da fundação de pôr Portugal no top 10 dos países da UE com mais empregos em tecnologia e conhecimento e ter, em 2040, 45% adultos com ensino superior, 90% dos jovens recém formados empregados, e 25% de adultos em formação e educação.
Líderes à altura de uma geração diferente
Muita dessa transformação ao nível das competências virá dos próprios colaboradores, mas também das lideranças, que demonstraram “fibra” na altura da crise e estão atualmente ocupadas em manter a coesão cultural e das equipas, em evitar o surgimento de silos para que a comunicação flua e atentos à saúde mental das suas equipas.
“Como líderes, temos de estar preparados para qualquer mudança, para aprender, com transparência, empatia, muito próximos mas também com coragem de tomar as decisões que têm de ser tomadas em tempos de mudança. Esta nova geração guia-se por propósito, empatia, inclusão, pela cultura em que querem estar”, disse Paula Panarra. Já Maria de Fátima Carioca salientou a necessidade de abertura à aprendizagem, ao diálogo e à humildade. “É importante que o líder tenha energia, inteligência e capacidade de adaptação. E comportamento de integridade, valores consistentes com a atuação”. “As pessoas têm de acreditar”, acrescentou Carlos Ribas. “Temos de provar-lhes que nos importamos com elas, que temos um compromisso. Quando percebem que nos preocupamos, fazem tudo.”
No encerramento da sessão (durante a qual foram também anunciados os nomes das 50 Melhores Empresas para Trabalhar no País), o secretário de Estado Adjunto do Trabalho e da Formação Profissional, Miguel Cabrita, defendeu numa mensagem gravada a necessidade de refletir no modo como se vai fazer o relançamento da economia depois da pandemia, a par das mudanças estruturais “que não são novas e vão manter-se nas próximas décadas” trazidas pela tecnologia e pelas alterações no mercado (que salientam a importância da formação e competências e qualidade do emprego).
Nestas áreas – e um dia depois do Orçamento do Estado ter sido chumbado no Parlamento – sublinhou as iniciativas apresentadas pelo Governo para uma agenda de sustentabilidade para a próxima década e para “um mercado de trabalho bem estruturado e bem regulado, capaz de lidar com as necessidades de flexibilidade das empresas e acautelar a dimensão coletiva das relações de trabalho e do equilíbrio no mercado, combatendo a precariedade.” Neste aspeto, referiu a criação de incentivos positivos à negociação coletiva e à dimensão de qualidade do emprego, dizendo que o Estado também deve dar o exemplo, ao propor-se contratar serviços apenas a empresas cujos trabalhadores tenham contratos estáveis.