Se existirem dúvidas sobre o poder que os bancos centrais têm para influenciar o rumo da economia e dos mercados financeiros, basta recordar como o discurso do “whatever it takes” de Mario Draghi, em 2012, ajudou a Zona Euro a sair da sua maior crise existencial. Christine Lagarde, que sucedeu ao italiano na liderança do BCE em novembro de 2019, tem dado fortes sinais de querer usar esse poder para tornar a economia e o sistema financeiro mais verdes. Poucos dias depois de assumir o cargo, colocou as alterações climáticas no centro da discussão da reavaliação estratégica que o banco central está a fazer sobre as suas políticas. “Determinaremos onde e como a questão das alterações climáticas e o combate às mesmas podem ter impacto nas nossas políticas”, indicou Lagarde.
Mas o que pode um banco central fazer? Na Noruega, por exemplo, o banco central, que é responsável pela gestão do fundo soberano do país – um dos maiores veículos de investimento do mundo – exclui da sua lista de compras ações e obrigações de empresas consideradas poluentes. Numa escala bem menor, o BCE faz o mesmo no fundo de pensões que gere. No entanto, é possível ir bem mais longe, especialmente na componente da política monetária. Isabel Schnabel, que faz parte da comissão executiva do BCE, detalhou os caminhos que podem ser seguidos. Além da exclusão de empresas sem práticas sustentáveis dos portefólios não relacionados com a política monetária, o banco central poderia ainda ajudar a definir as regras e normas para as finanças sustentáveis.
Mas, dificilmente isso levaria a um momento “whatever it takes” na transição para uma economia verde. Outra forma, e a mais controversa, seria “ter em conta as considerações climáticas no desenho e implementação das operações de política monetária”, indicou a responsável do BCE. Um dos exemplos de como o banco central poderia atuar de forma mais eficaz passaria pela obrigação das empresas divulgarem de forma transparente a informação relacionada com o impacto ambiental das suas atividades: isto se quisessem que os seus títulos fossem considerados para os programas de compras de ativos ou usados como colateral nas operações de refinanciamento.
Com base nessa informação, o Eurossistema poderia depois privilegiar as empresas com melhores práticas nos seus programas. “O BCE tem um papel fundamental em tudo isto, pois pode optar por apenas comprar, por exemplo, dívida pública e dívida privada verde, pode induzir os bancos a incorporarem os riscos ambientais e climáticos de forma explícita na política de crédito, entre outros”, refere Sofia Santos, especialista em finanças sustentáveis.
O BCE tem um papel fundamental em tudo isto, pois pode optar por apenas comprar, por exemplo, dívida pública e dívida privada verde, pode induzir os bancos a incorporarem os riscos ambientais e climáticos de forma explícita na política de crédito.
Sofia santos
Apesar do poder que o BCE tem em mãos, a utilização dessas armas não é consensual. O Bundesbank já deu sinais de ceticismo em relação a esse tipo de abordagem, por considerar que vai além do mandato do banco central e violaria o princípio da neutralidade de mercado. Mas no seio da autoridade monetária há quem defenda exatamente o contrário, sustentando que as alterações climáticas são um risco à própria estabilidade de preços e, portanto, o BCE terá de passar à ação para assegurar o objetivo principal o seu mandato.
(Artigo publicado originalmente na edição 438, de outubro de 2020, da EXAME)