A economia atravessa uma das maiores recessões dos últimos séculos e a maior parte das empresas está a concentrar todos os esforços para resolver problemas de curto prazo que assegurem a sua sobrevivência. No entanto, além de garantirem que se mantêm à tona durante estes tempos turbulentos, têm também de começar a projetar o futuro, de forma a estruturarem os seus negócios para as grandes alterações que a sociedade poderá sofrer nos próximos tempos.
“Para termos o amanhã, temos de sobreviver ao hoje. As empresas estão muito preocupadas com o tema da sobrevivência e não tanto sobre como se irão preparar para um novo normal”, considera Sérgio do Monte Lee. O partner da Deloitte reconhece a dificuldade das empresas reservarem, neste momento de crise, alguns dos esforços para perceber como poderão transformar os seus negócios para responder às tendências que vão acelerar no médio prazo. Mas realça que é fundamental que o façam para poderem sair bem posicionadas após a crise pandémica.
Sérgio do Monte Lee refletiu sobre as grandes transformações que poderão marcar a sociedade e que foram identificadas no estudo “Reshaping the future” da Deloitte. “O objetivo do estudo foi dar algum rumo às nossas empresas para se fazer essa preparação”, contextualizou. Mas quais são as grandes tendências?
Lower touch economy
O partner da Deloitte prevê que a tendência da redução da densidade de utilização dos espaços físicos, forçada pela pandemia, possa continuar. “Esta pandemia obrigou a uma transição mais acelerada para o digital, para o e-commerce e para o trabalho remoto”, constata Sérgio do Monte Lee. Neste campo, poderemos ter acelerado dez anos nos últimos meses e este tema irá marcar o que vai ser a nossa sociedade nos próximos anos.
Para as empresas, a preocupação deve ser como dar resposta a esta aceleração da transição digital para aproveitar e capitalizar esta tendência no negócio. Mas Sérgio do Monte Lee nota que “o que temos visto é uma reação de emergência muito focada na transição para o digital e não para a transformação”, o que impede que se ganhem vantagens competitivas.
Conseguir operar uma transformação digital bem-sucedida é um objetivo crítico para as empresas portuguesas, já que a fatia de leão do e-commerce é dirigida para empresas internacionais. “Isto gera mais importação”, alerta o partner da Deloitte. Além disso, a vantagem competitiva de proximidade física que as empresas nacionais tinham vai-se desvanecendo com os concorrentes internacionais a estarem à distância de um clique do consumidor.
Government strikes back
Sérgio do Monte Lee observa que antes da crise pandémica “já existia uma tendência para os Estados terem posições mais interventivas na economia”. Dada o choque que a economia atravessa, tanto do lado da oferta como da procura, o responsável da Deloitte antecipa um papel crescente do peso do Estado, que tem de assumir a tarefa de dar estímulos para reanimar a economia e de tomar conta de empresas que sejam estratégias, como o caso da TAP em Portugal.
A recuperação da economia nos próximos anos estará bastante dependente da bazuca europeia. Sérgio do Monte Lee avisa para a complexidade do acesso a esses fundos, dada o peso elevado das pequenas empresas no tecido empresarial português. E sugere que exista uma organização de empresas para tornar mais eficaz o acesso à bazuca da UE de forma a não ficarem para trás em relação a outros países.
Return of the 90s
As empresas terão de operar num cenário de retrocesso de rendimento e da dimensão da economia. “A estimativa que é feita para a redução do PIB nos próximos tempos coloca-nos no final dos anos 90”, indica Sérgio do Monte Lee. O partner da Deloitte refere que “a contração do rendimento disponível vais ser muito agressiva e isso vai refletir-se na procura e numa maior pressão para baixar preços”. A forma de responder a esta tendência terá de passar pelo fortalecimento de balanços e redução de custos, considera o responsável da consultora.
Back to local
No início da crise pandémica houve um acelerar da procura por cadeias de abastecimento mais próximas, algo que já se observava antes devido às guerras comerciais. Poderá existir uma tendência de regresso ao local, antecipa Sérgio do Monte Lee. No entanto, estes processos de reindustrialização não se fazem de forma rápida. Ainda assim, o partner da Deloitte identifica “oportunidades para as nossas empresas”. Exemplifica com o crescimento de empresas tecnológicas em Portugal que poderão cavalgar a maior propensão para a localização e devido à opção da Europa de querer ficar menos dependente do mercado asiático neste setor.
Phygital workforce
Os últimos meses forçaram uma parte relevante das empresas e trabalhadores a funcionarem de forma remota. Após a crise e o levantamento das restrições que têm sido adotadas pelos governos para travar a pandemia, a tendência é para “uma conjugação do trabalho físico e digital”, sublinha Sérgio do Monte Lee.
Em Portugal, no entanto, “na nossa população ativa não há mais de 20% a 25% do trabalho que possa ser feito desta forma”, constata o responsável da Deloitte. Nos EUA, por exemplo, a economia que pode ser feita através do digital vale mais de 40%. No caso das empresas portuguesas, Sérgio do Monte Lee considera que “houve mais uma transição do que uma transformação e não está a haver um investimento mais estratégico de repensar a forma como vamos trabalhar no futuro”.
Embracing sustainability
A sustentabilidade, não só a nível ambiental mas também no que diz respeito aos comportamentos éticos, já era uma preocupação muito grande na Europa e algo muito valorizado pelos consumidores. “Quando se escolhe determinado produto ou marca o primeiro critério é a qualidade e o segundo já é se as práticas de negócio são éticas e sustentáveis”, refere Sérgio do Monte Lee. O partner da Deloitte considera que crises como a que atravessamos “são também momentos para repensar”. E observa que “tem havido uma preocupação crescente sobre este tema”. Além disso, as respostas dos governos para a recuperação incidem sobretudo na canalização do investimento para políticas de sustentabilidade como a transição energética. “Se há boa notícia da pandemia é o maior alerta e investimento para temas da sustentabilidade”, considera o responsável da consultora.
Sérgio do Monte Lee mostra, no entanto, alguma apreensão. Isto porque os inquéritos feitos junto de responsáveis empresariais mostrarem que existe ainda uma reduzida preocupação com este tema. E o partner da Deloitte deixa o alerta: “As empresas que estejam desconectadas com este compromisso vão sofrer”.