Foi dado como a solução para os grandes problemas da economia mundial e, meses depois, já era dado como morto e enterrado. Se calhar, nem uma coisa nem outra. O Rendimento Básico Incondicional (RBI) pode não ser a esperança de um futuro sem trabalho, mas ainda é cedo para decretar a sua inutilidade. Embora não exista de forma alargada em nenhum país, iniciativas mais contidas têm tido resultados encorajadores.
O tema voltou às notícias no final de abril, quando foi divulgado que a Finlândia iria desistir do seu programa RBI. No início de 2017, uma amostra aleatória de dois mil desempregados finlandeses começou a receber 560 euros por mês, sem qualquer contrapartida. Não descontaram para esse montante e mesmo que encontrassem trabalho continuariam a receber um cheque no final do mês. O objetivo era estudar, num ambiente controlado, os efeitos de um programa deste género mas, em vez de o renovar, o Executivo finlandês teria decidido interrompê-lo.
A notícia que deu a volta ao mundo poderá ter sido exagerada. Dias depois, Miska Simanainen, investigador do Kela, instituto da Segurança Social da Finlândia, esclareceria que nada tinha mudado face ao plano inicial: a experiência continua a decorrer e expira no final deste ano. Em vez de dar mais tempo aos investigadores para recolherem mais dados, o Governo quer ver o que aconteceu nestes dois anos antes de continuar a insistir (a BBC noticiou que o Kela teria pedido mais 40 milhões de euros para alargar a experiência a finlandeses empregados). Em declarações à EXAME, Simanainen explica que “o projeto finlandês de rendimento básico é uma experiência de política pública, não um programa”. “Ele continuará até ao final de 2018, conforme planeado originalmente.”
Até pode ser, mas parece claro que o atual Governo de direita não morre de amores pela ideia. Aliás, há algumas semanas, Petteri Orpo, ministro das Finanças, explicou ao The Financial Times que a Finlândia tinha de repensar todo o seu sistema de proteção social, para ser capaz de combater os efeitos negativos da automatização do trabalho e da globalização, e para aumentar a população empregada. No entanto, para o governante, o RBI não deverá ter lugar nesse novo modelo.
Lotaria
Voltar a trabalhar?
Não é bem um RBI, mas ganhar a lotaria ou o Euromilhões também constitui um rendimento incondicional e, no caso da lotaria de Massachusetts, é pago em tranches anuais durante duas décadas. As conclusões de um estudo de 2001 mostram que cada 100 dólares ganhos no jogo induzem uma perda de rendimento do trabalho de 11 dólares. Outro estudo mais recente estima que o vencedor de um prémio de 140 mil dólares resulta em ligeiramente menos probabilidades de estar empregado.
Finlândia
Projeto-piloto
O caso mais discutido em todo o mundo. O Governo finlandês decidiu testar o efeito que o Rendimento Básico Incondicional teria num grupo de duas mil pessoas desempregadas, que receberiam 560 euros por mês, independentemente de encontrarem ou não trabalho. A experiência termina no final deste ano.
Cherokee Nation
Dinheiro dos casinos
Desde 1997 que a exploração de um casino permitiu a distribuição de uma fatia dos lucros aos membros da tribo de seis em seis meses. O montante anual varia entre quatro e seis mil dólares e chega a 16 mil pessoas. O dinheiro extra não parece ter penalizado a procura de emprego, ao mesmo tempo que os resultados escolares e a saúde melhoravam e a criminalidade diminuía.
Liberais e socialistas, uni-vos!
O que é afinal o Rendimento Básico Incondicional? A ideia é relativamente simples, embora radical: uma transferência regular do Estado para todos os cidadãos, independentemente do rendimento e da situação profissional, que lhes permita ter uma vida digna. Em troca, os beneficiários – toda a população – só têm de continuar a respirar.
O conceito tem ganhado popularidade junto de académicos e responsáveis políticos, como forma de assegurar um valor mínimo de rendimento a todos e enfrentar um futuro que se teme ser mais escasso em trabalho, consequência do avanço da robotização. O RBI tem a particularidade de ser a rara ocasião em que alguns liberais estão de acordo com alguns socialistas. Uns veem uma forma de apoiar mais as famílias num contexto de maior desigualdade, outros identificam uma potencial avenida para tornar desnecessários alguns dos serviços providenciados pelo Estado.
Um dos principais epicentros de apoio ao RBI situa-se em Silicon Valley, onde Mark Zuckerberg e Elon Musk têm defendido os méritos da ideia. Não só contribui para uma imagem de responsabilidade social, como a sua concretização serviria, na prática, como um subsídio indireto. Se o futuro for mesmo a “economia do biscate”, quem vai ter dinheiro para andar de Uber se todos tiverem o mesmo salário de um motorista da empresa? A intervenção do Estado garantiria que os cidadãos continuariam a consumir.
Embora não exista nenhum programa alargado no terreno, temos exemplos aproximados para tirar conclusões (as caixas nestas páginas têm mais informação). O Roosevelt Institute, um think tank norte-americano, analisou vários casos e concluiu que os programas comparáveis não desencorajam o emprego e, pelo menos em pequenas doses, não parece haver risco de desmoronamento social.
Talvez aquele que se aproxima mais de um verdadeiro RBI é o Fundo Permanente do Alasca que, há quase 40 anos, dá uma percentagem dos lucros de exploração do petróleo aos cidadãos do Estado. A sua introdução não penalizou o mercado de trabalho, embora tenha provocado uma transferência para o emprego a part-time. Porém, cada pessoa não recebe mais de 160 dólares/mês. Não se vive esse dinheiro. Valores mais altos poderiam dar origem a conclusões diferentes.
Em Portugal, o PAN é o único partido a carregar a bandeira do RBI, defendendo que se avance com um projeto-piloto em Cascais, onde o partido elegeu dois deputados municipais. Há quem argumente que parte dos objetivos do RBI seria cumprida, partindo do já existente Rendimento Social de Inserção (RSI) e alargando a sua elegibilidade e o seu envelope financeiro. Roberto Merrill, porta-voz da Associação Rendimento Básico Portugal, nota que “alargar o RSI não permite fugir à armadilha social da pobreza e a toda a estigmatização e burocratização…” A implementação do RBI romperia a ligação histórica entre trabalho e rendimento, introduzindo novas dinâmicas em relação a voluntariado e trabalho doméstico, bem como na transição e na escolha de emprego. Ao mesmo tempo, a esperança é de que fortalecesse as redes de apoio familiar, a crianças e idosos. “O objetivo é mudar a relação com o trabalho”, acrescenta Merrill, à EXAME.
Imposto negativo
A experiência americana
Nos anos 70, tanto os EUA como o Canadá avançaram com experiências de transferências incondicionais que diminuíam mediante o rendimento ganho. Isto é, cada euro de salário penalizava a prestação recebida. Mais de dez mil famílias, perto ou abaixo da linha da pobreza, recebiam entre 17,5 e 48,5 mil dólares por ano. Houve uma diminuição das horas trabalhadas (menos 2/4 semanas por ano), da empregabilidade (ainda que, em geral, pouco significativa) e um aumento dos divórcios. As crianças cujas famílias receberam a prestação tiveram tipicamente melhores resultados escolares e menos problemas de saúde mental. A experiência difere do RBI porque não teve uma aplicação universal e durava apenas três a cinco anos.
Países em desenvolvimento
Mais consumo no Quénia
Segundo o FMI, os países mais pobres podem ser aqueles que mais têm a ganhar com o RBI. No Quénia, transferências incondicionais aumentaram significativamente o consumo das famílias, principalmente em alimentação, saúde e educação. Além disso, não parece dar origem a mais gastos com álcool tabaco.
Alasca
Dinheiro do ouro negro
Provavelmente, é o caso que mais se aproxima de um RBI real. A explosão das receitas de exploração petrolífera levaram o Estado a criar o Fundo Permanente do Alasca e um sistema de dividendos anuais. Hoje, cada um dos 660 mil residentes há mais de um ano no Alasca recebe entre mil e dois mil dólares por ano. É uma transferência incondicional, universal e que dura há quase quatro décadas. Um estudo do ano passado concluí que não houve impacto na empregabilidade, mas aumentou a percentagem de pessoas em part-time. A diferença para um verdadeiro RBI tem que ver com o montante, entre 80 e 160 dólares por mês. Um apoio mais generoso pode ter efeitos mais fortes.
Como se paga?
É a pergunta do milhão de euros. Literalmente, uma vez que, para o RBI funcionar, provavelmente é preciso gastar muitos milhões. Dar a todos os portugueses uma quantia mensal suficiente para sobreviverem não sairia barato e obrigaria provavelmente a redirecionar quase toda a despesa do Estado para esse programa. Por exemplo, 500 euros por mês para toda a população com mais de 15 anos custaria mais de 62 mil milhões de euros ao ano. Não fica muito longe daquilo que o Estado português vai gastar este ano com todos os apoios sociais. Se o programa abrangesse toda a população portuguesa, esse valor superaria os 70 mil milhões. Mais de 80% da despesa pública nacional.
Existem várias ideias sobre como financiar a medida. O PAN defende que sejam cortados subsídios à indústria e se aperte a fiscalização sobre a economia paralela. Dificilmente seria suficiente para pagar um programa ambicioso. Mexidas nos escalões de IRS, subidas de IVA ou criação de novos impostos poderão ser alternativas mais eficazes.
O problema é que, para eliminar este problema orçamental, provavelmente também sacrificaríamos a eficácia do programa. Num texto sobre a aplicação do RBI no Reino Unido, Luke Martinelli, da Universidade de Bath, escreve que “um RBI comportável não é adequado, e um RBI adequado não é comportável”.
Assim como os elogios, as críticas ao RBI também são transversais. À direita, há quem argumente que um programa desse género constituirá um desincentivo enorme à procura de emprego, o que penalizaria a capacidade produtiva de uma economia. Por outro lado, à esquerda, teme-se uma desvalorização do peso do trabalho enquanto principal arena da luta social. Além disso, receiam que a criação de uma prestação social universal sirva como pretexto para eliminar as restantes. Isto é, em vez de garantir uma arquitetura de saúde, educação e pensões para todos, o Estado ficaria responsável apenas por enviar o cheque e cada cidadão recorreria às opções de mercado para o gastar.
No ano passado, o FMI fez simulações para diferentes economias. A única da Zona Euro era a da França e o Fundo concluía que era o país onde o RBI ficava mais caro e, ao mesmo tempo, onde menos reduzia a desigualdade. “Em economias avançadas, onde a rede social é generosa e progressiva, é improvável que o RBI seja um substituto eficaz”, escreveram os técnicos do FMI. Pode até não funcionar mas, enquanto existirem exércitos de pobres e desigualdades cada vez mais agudas, deveremos deixar de tentar encontrar soluções?