O título deste artigo encerra em si mesmo o seu contraditório mas, em meu entender, traduz a verdadeira razão para explicar os atuais custos da eletricidade em Portugal. A opinião pública e publicada sobre o tema das rendas da eletricidade surge sempre camuflada por enredos enviesados onde pessoas, administrações de empresas, funcionários públicos e políticos fazem parte de um dos maiores atentados ao interesse público.
Embora o tema seja complexo, aliás como são todos os relacionados com o sector da energia, foram os diversos governos que nos últimos anos promoveram a valorização de empresas públicas através de um sistema de proveitos e compensações garantidas com o intuito de maximizar as diversas operações de privatização. Apenas através de um modelo complexo e garantista foi possível atrair investidores nacionais e estrangeiros, dispostos a investir na economia Portuguesa. Por mais cruel que seja esta conclusão, o acionista que sempre obteve a maior remuneração foi o Estado Português.
Hoje, do lado do conforto de décadas de investimentos públicos (Expo`s hospitais, escolas, estradas e autoestradas….) efetuados também à conta das remunerações obtidas com a venda da EDP, podemos ser críticos e apontar o dedo a políticos e administrações, analisar rentabilidades perdidas, inventar arguidos em cada negócio, típico de uma esperteza saloia que nos caracteriza. Diz o ditado popular “ Vão-se os anéis e ficam os dedos”, neste caso infelizmente foi-se tudo, os anéis e os dedos! Não é de agora que estamos viciados em gastar mais do que aquilo que produzimos. A bancarrota de 2014 não foi a primeira, nem será a ultima.
Enquanto o Estado foi detentor de um conjunto de ativos no sector empresarial, rentabilizou-os da melhor forma possível e os diversos governos financiaram as suas políticas (concordemos mais ou menos com as mesmas). Repare-se que este expediente não foi uma inevitabilidade, muito pelo contrário, foi a forma possível de evitar endividamento público ou aumentos de impostos. Foi a forma de proteger os contribuintes. O resultado total da venda da EDP terá ascendido a 10 mil milhões, se tivermos em conta que o montante do empréstimo da troika totalizou 76 mil milhões, talvez a venda da EDP não tenha sido assim tão mau negócio!
Fica feito o disclamer. Dentro desta perspetiva, vamos fazer uma pequena viagem às “rendas excessivas da energia” e se possível na 2.ª parte deste artigo apontar 1 ou 2 ideias e apresentar argumentos para concordar com uma proposta recentemente apresentada por um partido político e que pode vir a criar algum equilíbrio no sistema.
CIEG – Custos de Interesse Economico Geral
Seria interessante abordar todas as parcelas dos famosos Custos de Política Energética, Ambiental ou de Interesse Económico Geral e de Sustentabilidade de Mercados (CIEG), mas por economia de tempo dedica-se maior ênfase aos temas mais populares e que constantemente têm estado na linha da frente da grande demagogia; Produção em Regime Especial (PRE), Custos para a Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC) e Custos do CAE.
Os CIEG condicionam de forma decisiva a evolução das tarifas de energia elétrica e contribuem para cerca de 50% do custo da nossa fatura de eletricidade.
CAE- Contratos de Aquisição de Energia
Estávamos na década de 80 e em Portugal desenvolviam-se várias iniciativas, no sentido da reestruturação de determinados mercados monopolistas, e o sector da energia não foi exceção. Na EDP, iniciava-se o processo de desintegração vertical dando origem a empresas vocacionadas exclusivamente às atividades de produção, transporte e distribuição de energia.
No início da década de 90 são lançadas as bases de organização e os princípios reguladores do exercício das atividades do que viria a ser o Sistema Elétrico Nacional (SEN), com vista à criação de um regime de mercado eficiente, livre e concorrencial e, em 1996, o Conselho de Ministros aprovava a reprivatização do grupo EDP.
No modelo organizacional do SEN os produtores de eletricidade mantinham uma relação comercial de exclusividade com o sistema, através de contratos de vinculação de longo prazo, designados por Contratos de Aquisição de Energia, os CAE, nos quais eram reconhecidos tanto os proveitos expectáveis dos produtores como as compensações a que estes teriam direito em caso de incumprimentos que não lhe fossem imputáveis.
Aberta a “caixa de pandora”, com a garantia dos proveitos através de contratos de vinculação com duração não inferior a 15 anos, iniciou-se um dos maiores êxitos do modelo de privatizações em Portugal. De 1997 a 2000 foram 4 as fases de privatização da EDP. Os Governos habituaram-se à facilidade com que se financiavam através deste modelo que parecia inesgotável.
CMEC – Custos para a Manutenção do Equilíbrio Contratual
A evolução do mercado, a transposição de diretivas comunitárias e a criação de um mercado ibérico de eletricidade, exigiram modificações e ajustamentos na lógica de funcionamento do sistema.
Assim foi necessária a introdução de um novo modelo de relação comercial dos produtores de energia elétrica com outros agentes de mercado que implicou o fim dos CAE. Foram então definidas as condições da cessação antecipada dos CAE e a criação de medidas compensatórias que assegurassem a equivalência económica das partes.
Estávamos em 2004 e à distância de 14 anos talvez seja simplista julgar os decisores. Teria sido prudente informar os consumidores dos custos desta operação e do seu real impacto nas tarifas futuras. De qualquer forma, o Estado Português já estava refém de custos com os quais não teria possibilidade de cumprir, logo as soluções não seriam muitas, ora aumentava os custos do sistema, ora aumentava a carga fiscal.
A escolha recaiu no aumento dos custos do sistema, logo nos consumidores!
Usando como pano de fundo o favorecimento dos consumidores, com a liberalização e o aumento da concorrência, a solução para a cessação antecipada dos CAE e o pagamento de compensações consagrou um mecanismo de repercussão universal nas tarifas elétricas. Isto é, os custos passavam a refletir-se nas faturas de eletricidade de todos os consumidores, por um período de 23 anos.
Desta forma foi possível diminuir o impacto económico associado ao pagamento das compensações, não se recorrendo ao aumento de impostos ou da dívida pública. Compensou-se o contribuinte e fez-se recair sobre os consumidores o custo desta solução.
O sistema amorteceu este primeiro choque e lançou para o futuro os encargos. Ao mesmo tempo continuou a garantir aos investidores que o sistema elétrico se baseava no princípio da confiança legítima e assim fez a quadratura do círculo!
Importa, no entanto, vincar que tinha decorrido a 5.ª fase da privatização da EDP e o acionista Estado detinha ainda cerca de 25,3%, as administrações eram nomeadas pelos governantes em exercício e os negócios eram efetuados principalmente em favor do seu acionista Estado.
Inicia-se com esta solução a construção de um modelo que viria a testar a capacidade do sistema elétrico nacional acomodar investimentos e medidas de política energética e fazer repercutir os seus custos nas tarifas, até aos nossos dias.
Fica para depois o sonho da produção de energias renováveis em Portugal…….e os seus custos!
Nota: esta é a primeira parte de um artigo sobre o sistema elétrico português, que terá seguimento em breve