A associação West to West foi criada para ajudar os empresários portugueses a terem uma “aterragem suave” na região de Silicon Valley e São Francisco.
Junta não só os quadros e os empresários portugueses que chegaram à Califórnia nos últimos anos como também a diáspora mais antiga e os luso-descendentes que ocupam lugares de destaque na sociedade americana
As paredes em vidro deixam ver as gruas e a explosão de construção de arranha-céus para escritórios em SOMA (South of Market Street), uma zona de São Francisco que há poucos anos parecia parada no tempo. O ponto de observação é a sala de reuniões que a start-up portuguesa Talkdesk arrendou recentemente no coração da cidade californiana. O espaço é amplo. Ocupa um piso inteiro de uma nova torre da Mission Street, mas ainda parece subaproveitado. Uma sensação de vazio que acaba por ser compreensível, uma vez que a tecnológica fundada por Tiago Paiva, 27 anos, e Cristina Fonseca, 26 anos, tem espaço já a pensar no crescimento exponencial que antecipa para os próximos anos.
Hoje trabalham no escritório de São Francisco da Talkdesk perto de 40 colaboradores (há mais 30 em Lisboa), mas no próximo ano o recrutamento irá disparar, quase triplicando os colaboradores.
No final de 2016, a tecnológica portuguesa, que arrancou em 2011, deverá ter 90 trabalhadores nesta cidade californiana e outros 50 em Lisboa. Isto porque as vendas do serviço de software da Talkdesk, que permite instalar em cinco minutos um centro de contacto telefónico na nuvem, vai de vento em popa nos Estados Unidos e em mais outros 50 países. Após ter recebido, há poucas semanas, mais uma ronda de investimento de 21 milhões de dólares (após outros 15 milhões levantados em maio), a empresa está a um passo de se tornar no primeiro unicórnio (valorização de mil milhões de dólares) de origem portuguesa a crescer em Silicon Valley. E está a estreitar laços com um dos novos gigantes de São Francisco, a Salesforce.com, que está a construir, a um quarteirão de distância, o mais alto edifício da cidade. Não foi por acaso que esta especialista em software para automatizar equipas de vendas (CRM) colocou vários milhões de dólares na última ronda de investimento da Talkdesk. Tudo começou em 2009/2010, quando Tiago e Cristina se conheceram no curso de Engenharia de Telecomunicações no Instituto Superior Técnico e resolveram dedicar-se à criação de aplicações online. Hoje Tiago lidera a empresa a partir de São Francisco, enquanto Cristina é a responsável pela fábrica de software em Portugal. O enorme sucesso da Talkdesk acaba por ser inspirador para outras start-ups portuguesas que estão na Bay Area a região que engloba Silicon Valley e a cidade de São Francisco a tentar a sua sorte. Com exceção da Talkdesk, da Feedzai e, em certa medida, da Unbabel (ver caixas), que já tem um número significativo de clientes empresariais, as restantes empresas portuguesas com que a EXAME falou na região também têm projetos com grande potencial, mas ainda estão numa fase de afirmação e a testar modelos de negócio neste ambiente altamente competitivo.
Não é por acaso que há um número crescente de empreendedores portugueses a escolher Silicon Valley e São Francisco para realizar o sonho de fazer crescer exponencialmente as suas start-ups e conquistar o mundo. É nesta ‘Meca da tecnologia’ que está a maioria dos investidores de capital de risco e onde existe o mais robusto ecossistema de empreendedorismo global. Porém, algo está a mudar. Em vez de Silicon Valley, agora é mais apropriado falar da Bay Area, uma vez que o centro de gravidade da tecnologia está a mudar-se para algumas dezenas de quilómetros mais a norte, para a cidade de São Francisco (ver caixa).
Perante esta grande invasão das tecnológicas e o aumento da procura de escritórios, a Zona Leste de São Francisco está em acelerada mudança, com a construção em altura de numerosos edifícios, mas que aparentemente não conseguem responder à pressão da procura. Resultado: o preço das rendas de casa e dos escritórios está a disparar. Por exemplo, o arrendamento de um simples quarto pode custar dois mil dólares (1800 euros) por mês e um pequeno apartamento, cinco mil dólares. “Toda a cidade está a explodir em termos de restauração, construção e renovação de edifícios. Há muito dinheiro a circular”, observa Camille Landau, uma suíça especialista em empreendedorismo que reside há vários anos na Califórnia. Atualmente é consultora na incubadora Runway, que a Portugal Ventures e a Leadership Business Consulting têm desde 2013 em São Francisco.
Apesar de os custos de contexto serem atualmente proibitivos, por que razão continua a ser tão importante para os empreendedores de tecnologia de todo o mundo virem passar algum tempo ou lançar a sua start-up na Bay Area? “É um local único no mundo, onde mais ideias novas e negócios emergem, onde os empreendedores podem criar redes de contactos e as start-ups podem adquirir aqui um modelo de negócio global e ter acesso a financiamento. E também estão expostos a uma benéfica contaminação cultural e a aceder a novos modelos de incubação”, sintetiza Torben Rankine, diretor da filial, na Bay Area, da consultora portuguesa Leadership Business Consulting, a primeira entidade, desde 2011, a trazer start-ups portuguesas para esta região da Califórnia.
Na verdade, a escolha da incubadora Runway como o novo local para instalar o ninho de empresas portuguesas da Portugal Ventures, em parceria com a Leadership, tem agradado às empresas que lá estão instaladas. Em vez do ambiente frio de parques de escritórios de Silicon Valley, a Runway ocupa um piso do edifício da sede da Twitter, que resulta da recuperação de um antigo armazém da comprida Market Street, que atravessa São Francisco. É o caso de João Reis, fundador e CEO da Invine, uma start-up que desenvolveu um sistema de gestão de menus de vinhos para restaurantes. “Como temos grande parte dos nossos 70 clientes (restaurantes) em São Francisco, temos todo o interesse em estar no meio da cidade”, confessa o empreendedor, que conhece bem Silicon Valley, por ter estudado dois anos na Universidade de Stanford.
Lóbi português chama-se West to West
Portugal tem finalmente um lóbi organizado em Silicon Valley, após ter sido formalmente constituída, no último verão, a associação West to West, que junta 50 portugueses da nova e da antiga diáspora, a que se fixou na Califórnia em meados do século XX (boa parte dedicou-se à agricultura no vale de São Joaquim).
Como a designação sugere (West to West, ou ‘Oeste para Oeste’), a ideia é criar uma ponte entre o país mais ocidental da Europa e a região mais ocidental dos Estados Unidos que possa apoiar os fundadores de start-ups portuguesas de tecnologia. “Para quem chega, pode ser muito importante ter algum apoio desta espécie de ‘máfia’ portuguesa, se não corre o risco de ser trucidado num ambiente competitivo e que tem regras próprias”, considera Pedro Santos Vieira, fundador da West to West. “Ter acesso a uma rede de contactos a nível local e ter algum aconselhamento sobre o que é (e não é) Silicon Valley pode ser decisivo para ter sucesso”, admite. Mas alerta que neste ecossistema, “mais do que as boas ideias, só vence quem tem muita tenacidade e vai à luta”.
Na génese da formação da associação West to West esteve Nuno Mathias, o cônsul-geral de Portugal em São Francisco nos últimos três anos. Este dinâmico membro do corpo diplomático começou por organizar vários brain stormings nas instalações do Consulado com alguns jovens empreendedores portugueses, e no início de 2015 desafiou-os a “criar algo de mais sólido”. A designação West to West nasce, assim, inspirada no facto de o cartão de visita de Nuno Mathias ter o slogan “West Coast of Europe” (Costa Oeste da Europa), que tinha sido criado pela AICEP Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal já há alguns anos.
“É muito importante que exista formalmente um lóbi português que possa ser a ponte para que os empresários portugueses que queiram vir para este ecossistema de empreendedorismo tenham uma aterragem suave”, explica Nuno Mathias, recordando que a primeira aparição pública da West to West foi em setembro, durante o evento European Union comes to Silicon Valley. A apresentação formal da associação aconteceu em 21 de outubro, durante o roadshow organizado pela Startup Braga que levou algumas das empresas incubadas a São Francisco e a Silicon Valley.
No imediato, esta associação sem fins lucrativos “está a procurar mapear o talento português existente na Bay Area”, refere Pedro Vieira. Também pretende criar “um guia de boas práticas”, para explicar aos empresários portugueses recém-chegados o que se deve e não deve fazer. E também irá procurar desenvolver uma rede de influência local, tal como já fizeram há algum tempo israelitas, iranianos, irlandeses e franceses.
A médio prazo, Pedro Vieira não descarta que a West to West venha a integrar uma parceria público-privada, tal como fez Espanha quando criou o Spain Tech Center, uma estrutura que apoia as start–ups do país vizinho em Silicon Valley. No entanto, elogia o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido pela Leadership e pela Portugal Ventures.
Pedro é, ele próprio, um exemplo de um emigrante de sucesso, que assume a sua responsabilidade de ajudar os empresários portugueses que tentam a sorte na baía de São Francisco. Por várias vezes já assumiu o papel de mentor de start-ups. Chegou aos Estados Unidos em 2003, para fazer um doutoramento em Engenharia do Ambiente na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Em 2008 tornou-se num empreendedor bem sucedido ao criar a Goodguide, uma empresa que desenvolveu algoritmos que permitem a análise de um grande volume de produtos de consumo e, dessa forma, ajudar as pessoas a comprarem com mais segurança. Dois anos depois, a Goodguide foi vendida à Underwriters Lab, uma espécie de DECO (associação de apoio ao consumidor) dos Estados Unidos. Continua como vice-presidente da Goodguide, onde assegura a coordenação do desenvolvimento tecnológico e científico. Mas mantém viva a sua faceta de empreendedor, tendo fundado a start-up WiserGo, uma plataforma online que liga turistas a uma oferta de locais portugueses. Em 2014, a WiserGo foi considerada “um caso de sucesso na Europa”.
Unir a antiga e a nova diáspora
A West to West junta não só os quadros e os empresários portugueses que chegaram à Califórnia nos últimos anos, como é o caso de Pedro Vieira, como também a diáspora mais antiga e os luso-descendentes que ocupam lugares de destaque na sociedade americana e que já tem uma associação constituída, a YPA Young Portuguese Americans.
Desta rede fazem parte gestores como Boby Meneses, diretor de Redes da Netflix, Marco de Sá, diretor de utilizadores da Twitter, ou artistas, como Nelly Furtado. “Alguns destes luso-descendentes vieram a Portugal descobrir que o país dos seus pais e avôs é um país sofisticado e que já não corresponde à imagem dos ranchos folclóricos e das bandas de música das associações de emigrantes que ainda existem na Califórnia”, sublinha Pedro Vieira. “Agora, alguns apaixonaram-se pela cultura do país dos seus avós e pais e deslocam–se a Portugal com regularidade.” Mais do que evocar a ligação histórica que remonta ao século XVI terá sido o navegador português João Rodrigues Cabrilho o primeiro europeu ao serviço da coroa espanhola a desembarcar no que é atualmente a Califórnia, Pedro Vieira explica que o papel da YAP tem sido levar os americanos e luso-descendentes a conhecer os novos fadistas e até mesmo as diversas semelhanças entre Lisboa e São Francisco as pontes icónicas (Golden Gate e a Ponte 25 de Abril), os elétricos, a proximidade ao mar e a cultura do surf, as colinas, o clima temperado e a qualidade de vida. A principal reivindicação comum de todos os portugueses que vivem na Bay Area é a existência de uma ligação aérea direta entre Lisboa e São Francisco, nem que fosse uma vez por semana.
Mudança em poucos anos
Nuno Mathias recorda que quando chegou, há três anos, só havia a Leardership Business Consulting a fazer a ponte entre o empreendedorismo português e Silicon Valley. E destaca o facto de esta consultora portuguesa também ter tido o mérito de ter feito a triangulação com o mundo lusófono, proporcionando a empresários angolanos, moçambicanos e brasileiros visitas à região da baía de São Francisco. Com efeito, a consultora portuguesa liderada por Carlos Oliveira tem mantido, desde 2009, uma presença permanente nesta região da Califórnia, proporcionando a executivos e empreendedores portugueses visitas a algumas das tecnológicas mais conhecidas de Silicon Valley e a universidades famosas, como Standford ou Berkeley. “Mais de 250 executivos portugueses e de países lusófonos fizeram programas de imersão total em Silicon Valley e empreendedores de 40 start-ups portuguesas (e duas moçambicanas) fizeram visitas ou períodos de incubação”, refere Carlos Oliveira, presidente da Leadership Business Consulting, sublinhando que estas visitas permitiram a estes portugueses perceber melhor o que é Silicon Valley e a terem contacto com influentes tecnólogos, investidores e empreendedores da região. Recorda ainda que a consultora também apoiou as mais recentes visitas oficiais de políticos portugueses a Silicon Valley (o Presidente da República, Cavaco Silva, e ministros titulares das pastas da Economia, Energia e Ambiente e da Agricultura e Pescas).
Depois de ter trazido empreendedores portugueses a programas de aceleração em Silicon Valley (Plug& Play Tech Center e NestGSV), a Leadership estabeleceu, em 2013, uma parceria com a Portugal Ventures (capital de risco do Estado) e mudou o acolhimento às empresasportuguesas para a incubadora Runway. “Foi uma boa decisão, porque as nossas start-ups são muito tecnológicas e é em São Francisco que há o ambiente propício para elas criarem redes de contactos”, defende o cônsul-geral de São Francisco. Mas Nuno Mathias é perentório em afirmar que as start-ups portuguesas devem manter os centros de desenvolvimento em Portugal, e não contribuir para a fuga de cérebros do país. “Devemos aprender como fazem os israelitas. São exímios a desenvolver tecnológicas que crescem e são vendidas (ou vão à Bolsa), mas que mantêm as áreas de investigação e desenvolvimento no seu país”, refere o diplomata.
Para Nuno Gonçalves Pedro, partner da Delta Partners Group, uma capital da risco sediada em Silicon Valley, “há uma nova geração de empreendedores portugueses que está a evoluir na direção certa”. Elogia o facto de “apostarem em diversas áreas com produtos inovadores a pensar no mercado global”. E acrescenta: “Ainda bem que deixaram de pensar só no mercado local ou nos países da lusofonia. Hoje pensam em produtos que escalam de forma rápida, ao contrário da anterior geração de empreendedores que apostava sobretudo em serviços.”
Parceria estratégia com a Califórnia?
Mostrar “aos americanos da West Coast que Portugal já é um hub de start-ups” é outro dos objetivos que Nuno Mathias tem para 2016. Destaca o papel importante nessa estratégia de promoção de Portugal que irá ter a realização do Web Summit, no próximo ano, em Lisboa. “Será um ótimo cartão de visita”, defende.
A atividade do Consulado de São Francisco não se limita ao apoio às start-ups tecnológicas. Está também envolvido, em parceria com a AICEP (que acaba de reabrir a delegação nesta cidade californiana), na captação de investimento para Portugal. Revela que no próximo ano vai dirigir iniciativas de investimento do Norte da Califórnia, em que será dada prioridade às áreas da agricultura, ciências da vida e tecnologias limpas. Abordará o Sul da Califórnia para atrair para Portugal investimento na área automóvel, aeronáutica, química, têxtil e moda. “Joga a favor de Portugal o facto do custo de mão-de-obra e do custo de vida na Califórnia estar a atingir níveis muito elevados. Em vez de deslocalizações dentro dos Estados Unidos, é possível pensar em Portugal como uma boa opção, uma vez que o país tem boas universidades e recursos humanos qualificados”, afirma Nuno Mathias.
Uma ligação mais estreita entre Portugal e a Califórnia também é defendida por Carlos Oliveira. “Portugal deveria estabelecer uma parceria estratégica com a Califórnia, tal como fez o Chile”, considera o líder da Leadership, recordando que este país da América Latina recolheu grandes be- nefícios económicos desta ligação, por ter ficado integrado em redes internacionais de talento e fontes de financiamento. Enquanto isso não acontece, Torben Rankine considera ser importante tornar a West to West num verdadeiro instrumento de apoio a empreendedores portugueses que querem ir a Silicon Valley.
Sinais de bolha tecnológica?
Nos últimos anos, algumas empresas de Internet de redes sociais e da economia da partilha, como o Snapchat, Uber ou Airbnb, atingiram valorizações estratosféricas. Estamos perante uma nova bolha semelhante à que rebentou em 2000? Nuno Gonçalves Pedro é de opinião que “existem empresas com uma valorização excessiva, que já não são compráveis nem podem fazer uma oferta pública de venda (IPO) em Bolsa, porque correm o risco de não ter subscritores”. Este investidor da Delta Partners Group é de opinião que a valorização destas empresas “vai ter que sofrer uma correção. Não faz sentido que a Snapchat, criada há dois anos, possa valer mais do que a operadora de telecomunicações Sprint”, ilustra. Mas, globalmente, considera que não se pode falar numa bolha, apesar de haver cerca de uma centena de unicórnios na Bay Area.
Por sua vez, Camille Landau defende que as valorizações estratosféricas se devem ao facto de haver muito dinheiro disponível para financiar bons projetos. No primeiro trimestre de 2015, as empresas de capital de risco americanas injetaram cerca de seis mil milhões de dólares emempresas de tecnologia com sede na Califórnia, segundo a CB Insights. Apesar desta abundância de recursos, a consultora de empreendedorismo recorda que o crivo é muito apertado: apenas uma em 500 empresas consegue o almejado primeiro financiamento e só uma em mil consegue ter a segunda ronda de investimento. Mesmo assim, esta especialista suíça considera que não existe racionalidade em algumas valorizações.
O segredo do empreendedor
Perante este crivo apertado no acesso ao financiamento, Camille Landau defende que as empresas portuguesas que pretendem alcançar investimento na Bay Area “devem perceber primeiro o que querem as capitais de risco. Não devem dizer que devolvem o dinheiro investido em dois ou três anos, porque isso é o oposto do que eles querem ouvir”, adverte a consultora. “Os fundos de capitais de risco competem uns com os outros para encontrar o próximo Facebook. A lógica deles é que se puserem um dólar agora numa empresa querem lucrar 100 dólares daqui a três anos”, explica Camille Landau. E concretiza: “Os empreendedores pensam crescer de uma forma linear, quando o capital de risco procura negócios que cresçam de forma exponencial. Querem descobrir não tanto uma nova tecnologia, mas um novo tipo de consumidor e novas formas de consumir.
O exemplo mais óbvio é a Uber, por ter criado um novo sector, um se.”
Camille Landau refere que os empreendedores que buscam um negócio de crescimento exponencial “estão perante um misterioso processo, como quem procura alcançar uma luz no meio do nevoeiro. Daqui a algum tempo, há aspetos de um negócio que parecem óbvios, mas não conseguimos vê-los agora. Ser o primeiro a descobrir o Santo Graal antes dos outros deve ser o grande objetivo. Mas não basta ter a ideia, é preciso criar a solução tecnológica e saber convencer os investidores”, defende.
EMBALADA PARA SER UNICÓRNIO
Talkdesk levantou este ano 36 milhões de dólares para continuar a crescer exponencialmente em 2016
Multiplicar por cinco as receitas e por três o número de trabalhadores é a trajetória de crescimento que Tiago Paiva, fundador e presidente executivo da Talkdesk, prevê para a empresa em 2016. As vendas do serviço de centros de contacto telefónico na nuvem, que “funciona em cinco minutos”, continua a entusiasmar o mercado. Mais de duas mil empresas em 50 países já aderiram. Um potencial de crescimento que permitiu à empresa efetuar este ano duas rondas de investimento para financiar esta expansão vertiginosa.
No próximo ano, a Talkdesk deverá ser declarada o segundo unicórnio de origem portuguesa (depois da Farfetch). Perante esta perspetiva, é com um sorriso que Tiago recorda o aperto financeiro que ele e Cristina Fonseca (cofundadora da empresa) viveram quando chegaram a São Francisco para arrancar com o projeto, antes de receberem a primeira tranche do programa de aceleração. “Tive de dormir duas semanas no chão, porque a renda da casa que tinha alugado era superior ao saldo do meu cartão de crédito e não tinha dinheiro para comprar uma cama”, recorda. Por isso defende que para vencer não chega ter uma boa ideia. “É preciso ter muita tenacidade para ultrapassar os obstáculos.” Acha que em Portugal “sonha-se pouco” e lamenta que a Talkdesk tenha que recrutar mais pessoas em São Francisco do que em Lisboa, porque os processos de recrutamento em Portugal são muito demorados. “Pagamos salários bem mais elevados em São Francisco, mas conseguimos contratar de forma mais célere.”
FEEDZAI CRESCE 300% POR ANO
Para vingar em Silicon Valley é preciso “ter um bom produto, mas também uma rede de talento”
Talento, capital e inovação. São “traves mestras essenciais na formação de uma start-up”, considera Nuno Sebastião, líder da Feedzai. É precisamente a combinação destes três fatores que esta empresa portuguesa encontra em Silicon Valley. “A vantagem de estar aqui é que conseguimos testar-nos e ao nosso produto num dos mercados mais competitivos e desafiantes do mundo”, realça o presidente da empresa de grandes dados e análise para o mercado de pagamentos. Criada em 2009 por cientistas de dados e engenheiros aeroespaciais, a Feedzai é uma plataforma para bancos, retalhistas, processadores de pagamento e outras organizações manusearem dinheiro digital. Em Silicon Valley, explica Nuno Sebastião, além de ser “fundamental ter um bom produto”, também é preciso construir “uma rede de talento e conseguir que os outros o reconheçam”. Missão cumprida: a Feedzai entrou em Silicon Valley há três anos -à boleia da Sapphire Ventures (antiga SAP Ventures) -e já foi considerada pela revista Forbes como um caso de sucesso em empreendedorismo. Tem crescido 300% ao ano e deverá atingir um volume de negócios próximo de 140 milhões de euros este ano. Em maio, garantiu um investimento de mais de 15 milhões de euros junto de fundos de capital de risco. E “no final de 2015 teremos duplicado o número de funcionários e aberto novos escritórios em Nova Iorque, para onde agora operamos a partir de seis escritórios globais”.
A APP QUE MANDA NOS OBJETOS
Muzzley está a criar a interface única para controlar objetos domésticos
Sabendo que a Internet das coisas será um grande mercado nos próximos anos, Eduardo Pinheiro e Domingos Bruges fundaram a Muzzley com uma ambição: criar uma aplicação para smartphone com um interface único, que fosse capaz de controlar os objetos domésticos conectáveis. Por exemplo, as luzes da casa, termóstatos, sistemas de rega de plantas ou até a alimentação dos animais. Em 2012, estes empreendedores foram a Silicon Valley acelerar o projeto através do Programa GSI Accelerators, promovido pela Leadership Business Consulting. O conceito foi amadurecendo, e em 2014 a Muzzley recebeu um financiamento de cinco milhões de euros da Portugal Ventures. Nesta altura, para poder impor o seu modelo de negócio a empresa tem vindo a criar parcerias com empresas de eletrónica de consumo. Uma tarefa que, a partir de Silicon Valley, está a ser desempenhada por Inês Raimundo, responsável pela área de marketing e parcerias. “Além dos fabricantes de equipamentos, estamos a fechar parcerias com três grandes retalhistas (um deles americano)”, revela. O facto de a empresa portuguesa estar hospedada na incubadora GSVlabs, situada em Redwood City, em pleno coração de Silicon Valley, é, na opinião de Inês Raimundo, uma vantagem, porque permite estar mais perto das tendências de consumos e das normas. Uma tarefa que Inês executa em articulação com a equipa de desenvolvimento, de 20 pessoas, que aperfeiçoa a app em Lisboa.
ESCOLHER O VINHO NO TABLET
A Invine desenvolveu uma aplicação que ajuda a selecionar um vinho num restaurante
A Invine quer acabar com as tradicionais listas de vinhos em papel nos restaurantes. Propõe, em alternativa, uma aplicação para tablet que permite melhorar a experiência visual de escolha do vinho.”O restaurante melhora a sua imagem e passa a ter informação para otimizar a gestão de stocks”, refere João Reis, fundador e presidente executivo da Invine. Argumentos que parecem estar a resultar, porque a adesão de restaurantes, primeiro em Portugal e agora em São Francisco, tem vindo a crescer (70 clientes pagam uma mensalidade entre 99 e 299 dólares), sobretudo depois de ter passado a estar disponível no restaurante do hotel Four Seasons de São Francisco. Um sucesso comercial que resultou do facto de João Reis conhecer a região, uma vez que tinha tirado um MBA na Universidade de Stanford, no coração do Silicon Valley. Depois de ter obtido um financiamento da Portugal Ventures em 2014, a Invine instalou parte da equipa (cinco pessoas) na incubadora Runway, em São Francisco. Já a equipa de desenvolvimento, com uma dezena de programadores, mantém-se em Portugal. Para 2016, a Invine deverá recorrer a uma ronda de investimento series A (alguns milhões de dólares) para poder expandir o negócio e desenvolver uma nova app, que vai ter novas funcionalidades, entre as quais personalizar e antecipar os consumos. Novas aplicações para smartphones e relógios de pulso inteligentes (smartwatch) também estão no horizonte da empresa.
A TRADUÇÃO POR SUBSCRIÇÃO
Unbabel não dispensa estar na Bay Area para ficar mais perto de grande parte dos clientes
A ‘máquina’ de desenvolvimento de tecnologia e a prestação de serviços aos clientes nacionais e internacionais da Unbabel é assegurada a partir de Lisboa, mas a empresa, especialista em serviços de tradução, não dispensa ter em São Francisco uma presença permanente. Essa tarefa de representação é desempenhado por Sofia Pessanha, cofundadora da Unbabel e diretora de Marketing. Tem como missão assegurar a ligação ao mercado norte-americano, de onde é originária quase metade da faturação da empresa. “É importante para os clientes termos no cartão de visita um escritório na Bay Area”, refere Sofia Pessanha. Algumas vezes por ano Sofia tem a visita de Vasco Pedro, também fundador e presidente executivo da companhia, que se relaciona com alguns dos investidores da empresa que estão na região (por exemplo, Google Ventures and Matrix Partners). “É gratificante lidar com clientes exigentes e leais”, considera a representante da Unbabel em São Francisco. “Dãonos o feedback do serviço prestado, mas não toleram a mínima repetição de falhas”, acrescenta. Agora, Sofia está a preparar uma nova oferta de pacotes de serviços de tradução por subscrição a custo moderado. Como é viver em São Francisco? “É uma experiência enriquecedora”, afirma, mas queixa-se do elevado custo de vida, sobretudo da habitação, o que a leva a partilhar casa com outras pessoas. Também não lida bem com os milhares de sem-abrigo que existem na cidade.
WI-FI A CIRCULAR NOS TRANSPORTES
A presença da Venian em Silicon Valley visa acelerar a expansão em várias cidades dos EUA
Criada em 2012 por João Barros e Susana Sargento, docentes das Universidades do Porto e de Aveiro, a Veniam tem hoje (e desde agosto de 2014) sede em Mountain View, Califórnia, e laboratórios de desenvolvimento em Aveiro (IEUA) e no Porto (UPTEC). Esta start-up portuguesa utiliza veículos para ampliar a cobertura de rede e recolher dados urbanos a custos reduzidos.
Em 2014 criou, no Porto, a maior rede veicular do mundo, com a ligação entre mais de 400 autocarros da cidade, permitindo o acesso à rede Wi-Fi a cerca de 60 mil pessoas por mês. No mesmo ano recebeu um investimento de cerca de quatro milhões de euros de capitais de risco e investidores. Objetivo: expandir a sua presença em Silicon Valley e acelerar o processo de implantação de redes veiculares em várias cidades norte-americanas. Assim está a fazer.
Em junho, integrou a lista das 15 melhores empresas na indústria wireless da publicação norte-americana FierceWireless. Já em agosto, foi reconhecida como uma das 100 empresas tecnológicas mais promissoras pelo Red Herring Top 100 North America. “Os cidadãos e os decisores em todo o mundo estão a aperceber-se e a reconhecer a importância de ampliar o acesso à Internet e de recolher grandes quantidades de dados urbanos”, comentou João Barros, fundador e presidente. É o que faz a Veniam, oferecendo “inovações que melhoram a qualidade de vida das pessoas”.
FOCO NOS EUA, PORTUGAL E BRASIL
Em Silicon Valley desde julho deste ano, a SeatWish quer aumentar a sua comunidade de clientes
“Silicon Valley é mais do que um lugar. é uma forma de viver. é um viveiro de start-ups que fornece todas as condições para prosperarem.” Quem o diz é Afonso Barbosa, presidente executivo da SeatWish (anteriormente Sticketin), start-up portuguesa que promove um sistema de troca ou venda de bilhetes para quem não possa ou não queira ir a um evento. Em Silicon Valley, onde a SeatWish está instalada desde julho deste ano, a “partilha, persistência e visão global são parte do dia a dia. Aqui aprende-se, tão simplesmente, a transformar ideias em negócios multimilionários”, descreve Afonso Barbosa. “O acesso a investimento é muito grande, mas a concorrência também. Ser bom aqui não chega. A fasquia é elevadíssima, mas o retorno é também elevado”, acrescenta, sublinhando também a “quantidade e qualidade da mentoria” que ali existe. Em Silicon Valley há “uma comunidade multicultural, há pessoas de todos os países que trazem visões e soluções diferentes para os diversos problemas”.
Apesar de o projeto estar a ser desenvolvido desde 2014, a SeatWish foi criada em julho deste ano, após ter ganho o Demo Day do programa de aceleração da Startup Braga, através do qual foi uma das empresas portuguesas a participar num roadshow nos Estados Unidos. Hoje a trabalhar em três mercados (Portugal, Estados Unidos e Brasil), “o foco é aumentar a nossa comunidade e encontrar um market fit nos Estados Unidos”, revela Afonso Barbosa.
LINGUAGEM EM SILICON VALLEY
Jargão dos geeks
Pitch
Apresentações curtas (três minutos, em média) por parte dos empreendedores aos investidores.
FOMO
(Fear of missing out) O medo que os investidores têm em descartar as ideias loucas mas com potencial. É o que sente quem perdeu a hipóteses de investir no Google ou no Facebook.
Stealth mode
Quando uma start-up está numa fase de sigilo e não revela o que faz para afastar a potencial concorrência.
MVP
(Minimum Viable Product) Produto com o maior retorno de investimento versus o risco.
Acquihire
Aquisição de uma start-up devido ao talento dos recursos humanos.
2 MIL DÓLARES
é quanto custa o arrendamento mensal de um quarto em São Francisco. É um dos custos de contexto que os empreendedores enfrentam
40 START-UPS PORTUGUESAS
já foram a Silicon Valley ter um período de aceleração/ incubação desde 2010, através da Leadership Business Consulting e da Portugal Ventures
250 EXECUTIVOS PORTUGUESES
fizeram programas de imersão total em Silicon Valley desde 2009
4,5 VEZES MAIOR
O ecossistema de empreendedorismo de Silicon Valley é três vezes maior do que o de Nova Iorque e 4,5 vezes maior do que o de Londres
93 UNICÓRNIOS AMERICANOS
valem 322 mil milhões de dólares, mais do que o valor bolsista da Intel e da Cisco juntas
1,28% DE HIPÓTESES
tem uma start-up de se tornar num unicórnio (valorização de mil milhões de dólares), segundo a CB Insights
Este artigo é parte integrante da edição de dezembro da Revista EXAME