Em 2011, quando visitou um bar em Cascais, Anshuman Vhora quis falar com o dono. “Era um tipo simpático. Disse-me que sabia muito bem o que era gin, gostava, aliás, muito da Bulldog, que já conhecia, mas que eu tinha um problema: ‘Em Portugal, as pessoas não bebem gin’, disse-me”. Estávamos em outubro, e Anshuman, indiano a viver nos Estados Unidos, preparava-se para lançar a sua marca em Portugal.
Voltou um ano depois ao mesmo bar e a garrafa da Bulldog Gin já estava exposta no balcão. O proprietário “contou-me que já havia quem pedisse uns copos”. Mais um ano volvido e nova ida de Anshuman Vhora ao estabelecimento. “Sabe uma coisa? Você estava certo e eu errado.” Atrás do dono do bar estavam garrafas de várias marcas desta bebida alcoólica.
A Bulldog, conta Anshuman Vhora, 35 anos, não podia ter nascido em melhor altura, quando o gin começa a ser apreciado em novos mercados, como o português, onde já existem bares exclusivamente dedicados à bebida. A marca, que se posiciona no segmento premium de bebidas brancas, faturou 7,5 milhões de euros e vendeu 1,2 milhões de garrafas no ano passado. Está presente em mais de 40 países. “Não acho que tenha conseguido antecipar esta tendência. Simplesmente achei que conseguia converter ao gin os norte-americanos que bebiam vodca. Mas nunca esperei que o movimento fosse global”, diz à EXAME o mentor daBulldog num dos intervalos do LIS Lisbon Investment Summit, organizado pela escola de negócios de Madrid, o IE, e pela Beta-i (Associação para a Promoção da Inovação e do Empreendedorismo). Anshuman foi um dos oradores neste evento, que juntou dezenas de start-ups portuguesas e espanholas a investidores, business angels e venture capitalists europeus. No meio de uma plateia de empreendedores altamente tecnológicos, o empresário contou como conseguiu inovar numa área que é tão tradicional e recorrendo a uma das mais antigas destilarias do mundo.
Anshuman tinha um sonho: queria ser tenista profissional. Tanto que a sua família, indiana, se mudou para os Estados Unidos quando tinha 14 anos. “Não há nada que eu mais deseje ser. Direi isso até ao dia em que morrer. Mas, apesar de me ter esforçado bastante para isso, nunca fui suficientemente bom. Acabei por perceber que tinha de fazer parte da força de trabalho.”
No final da década de 90, porque não se sentia “verdadeiramente inteligente, como aqueles tipos que iam para Silicon Valley”, decidiu estudar Finanças e entrar no mercado de trabalho pela banca. “Nunca vi a banca como um fim, mas como um meio. Sabia que me iria dar conhecimento do mundo empresarial e competências importantes para um dia poder fazer aquilo de que gostasse”, recorda.
Fazer da ideia dos outros o seu projeto
Começou a trabalhar no banco de investimento JP Morgan, em Nova Iorque, em 2000. Três anos depois, passou a vice-presidente, responsável pela área de aquisições e fusões, de uma instituição mais pequena, a Carl Marks, fundada por um colega seu. A dimensão reduzida desta butique de investimento ajudou-o a perceber as práticas de gestão com que mais se identificava. “Se não gostei de uma coisa, tento não a fazer na minha empresa. Se gostei, então procuro fazê-la mais vezes.” É por isso que na Bulldog os funcionários não têm de trabalhar às sextas-feiras de agosto (“não fazia sentido obrigarem-me a vestir o fato num dia de calor insuportável, ir para o escritório e não ter nada para fazer, porque todos já tinham ido de fim de semana”). Por outro lado, gosta que os seus colaboradores tenham uma palavra a dizer no processo de decisão, sublinhando, todavia, que a última palavra lhe cabe a ele. “Nas empresas, as pessoas devem ser ouvidas”, afirma o líder de uma empresa com uma dezena de funcionários.
Mas Anshuman continuava sem saber o que queria fazer da vida e não queria cumprir o vaticínio que é quase certo na sua profissão: dez anos na banca, para sempre na banca. Ao contrário do que geralmente acontece, a ideia para o negócio não foi sua. Num almoço com colegas de trabalho, alguém pediu gin, mas não existia no restaurante. Um deles colocou a questão: e porque não criar uma marca de gin premium que pudesse rivalizar com insígnias de vodca como a Absolut ou a Skyy? O tema foi-se tornando recorrente nas refeições entre amigos e os planos começaram a delinear-se.
As pesquisas levaram-nos à mais antiga destilaria do mundo, em Manchester, no Reino Unido. “Vamos contactar a destilaria? Contactávamos. Vamos contactar uma agência de publicidade? E contactávamos”, conta. E um projeto “engraçado” estava a começar de se concretizar. De tal maneira, que os colegas de Anshuman começaram a afastar-se. “Estavam muito confortáveis nas suas vidas de bancários e não queriam fazer aquilo. Ao contrário, eu olhava para o que estava a acontecer como um sinal de Deus.” Decidiu-se: fez da ideia dos outros o seu sonho e começou a dar forma à Bulldog.
Foi a Manchester visitar a destilaria, que já produz gin há mais de 250 anos. Durante meses trabalharam (ainda que à distância, pois Anshuman mantinha-se no banco) para afinar a receita. O empreendedor só tinha uma condição: a bebida, feita à base de cereais e de zimbro, tinha de ter elementos botânicos diferenciados. A fórmula tem mais de 12 ingredientes, entre os quais papoila, flor-de-lótus e olho-dedragão. “O gin da Bulldog é quatro vezes destilado, três vezes filtrado e engarrafado artesanalmente”, afirma. Por isso reclama para si o feito de ter chegado a uma fórmula “muito mais suave e menos seca do que as marcas tradicionais”. Aspira a ser, diz, “o Jack Daniel’s do gin”.
A agência de publicidade, porque acreditava no projeto e antevia ganhos com o mesmo, gizou a marca gratuitamente. E assim nasceu a icónica garrafa daBulldog. O nome foi inspirado em Winston Churchill, o ‘buldogue britânico’. “Nos Estados Unidos, onde o empreendedorismo é glorificado, ensinam-nos que ele foi o último político empreendedor que o mundo conheceu.”
Investidores só aceitam dedicação total
Faltava angariar investidores. Já conhecia o meio, marcou entrevistas. Mas foi obrigado a tomar a maior e mais difícil decisão de todas: deixar o emprego. “Ninguém iria colocar dinheiro num projeto de um tipo que estivesse em part-time. Os investidores precisam saber que todas as noites nos deitamos com uma única preocupação: saber como evitar o fracasso”, conta.
Despediu-se. Estávamos em 2006 e nada fazia adivinhar a tempestade que dois anos depois se abateria sobre o sistema financeiro mundial. “Tive sorte”, conclui.
“A marca nasceu nos Estados Unidos, mas implantou-se mais rapidamente nou tros mercados. Por acaso. Queria focar-me a 100% em Nova Iorque. Contudo, não paravam de me ligar de Espanha. Primeiro enviei algumas amostras, depois já eram contentores. Tive de visitar Barcelona. E o que encontrei deixou-me boquiaberto: ao contrário do que estava habituado a ver nos bares, ali havia uma garrafa de vodca para 40 garrafas de gin”, refere. Atualmente, “a Bulldog é a terceira marca de gin mais consumida em Espanha”, país com o maior consumo per capita desta bebida.
O passo natural seguinte seria Portugal. “Sabia que se nos esforçássemos por ganhar o mercado espanhol, ganhávamos o mercado português, e ainda por cima de borla.” Foi o que aconteceu: “Os dois países influenciam-se muito um ao outro em termos de consumo e de gosto gastronómico”, diz.
No ano passado venderam-se 37 mil garrafas da Bulldog em Portugal, perto de 650 mil euros. “Fomos a segunda marca de gin ultra premium em Portugal. Mas queremos ser a primeira”, atira. Em 2015, o objetivo passa pela venda de 80 mil a 100 mil garrafas (1,5 a 2 milhões de euros). A marca está presente nas grandes cadeias de distribuição, nas lojas especializadas e na restauração. A Península Ibérica representa 60% das vendas.
No início deste ano a Bulldog fechou um contrato de distribuição mundial, até 2020, com o Campari Group, o sexto maior grupo de bebidas do mundo. Depois disso, a Campari poderá exercer o direito de compra da Bulldog Gin.
Até lá, Anshuman só está preocupado em fazer o negócio perfeito e bater as insígnias de gin de sempre, como a Hendrick’s, a Beefeater ou a Gordon’s. Para o ano, acredita que irá estar presente já em centena e meia de países e, no mínimo, crescer entre 60% a 70% este ano. Mas, no fundo, permanece o bichinho do ténis: “Se me dissessem que podia jogar ténis como o Roger Federer, deixava os negócios num segundo. Mas como o Federer é um bocadinho melhor do que eu, não dá. É preciso atingir a perfeição”, garante.
FÓRMULA GANHADORA
Tal como foi testando os ingredientes do seu gin, anshuman Vohra encontrou os elementos para bem empreender
De Portugal, que já visitou dezenas de vezes como turista e empresário, o fundador da Bulldog Gin só tem a dizer bem: “Os portugueses têm uma grande história como empreendedores: saíram deste canto e foram descobrir o mundo.” São, afirma, “extremamente inteligentes, com excelentes ideias e, muito importante, sabem falar inglês, o que é uma grande vantagem competitiva”. Contudo, como em toda a Europa, “estão demasiado confortáveis com os benefícios sociais que têm e não exploram a vida para além daquilo que os seus avós e pais fizeram”. Porque muitos portugueses têm ideias mas poucos as concretizam, Anshuman Vhora deixa a receita para bem empreender:
Acredite:
A maioria das pessoas tem mais poder para mudar a sua vida e o curso dos acontecimentos do que aquilo que imagina.
Escolha a ideia:
Não existe melhor altura para arriscar do que aquela que vivemos. Mas é preciso definir a ideia para o negócio e escolher entre as várias que normalmente surgem.
Pesquise (muito):
Descubra o que esteve na base do sucesso de outras empresas e o que pode fazer a diferença.
Execute
É preciso começar a fazer. Qualquer coisa.Um contacto, por exemplo.
Recorra à experiência:
A Bulldog foi forjada pela destilaria mais antiga do mundo. É preciso ter parceiros que percebam mesmo do negócio.
Ame o seu produto:
Gerir a empresa que se criou é um trabalho sem direito a pausas. Para que o compromisso seja total, é preciso estar inteiramente focado no sucesso do nosso produto.
Lembre-se, é você que manda:
Escolha como quer que seja a cultura da sua empresa. E divirta-se!
BULLDOG GIN
Anshuman Vohra
Deixou a banca de investimento para criar um projeto que nasceu de uma conversa com amigos, que só procuravam “um bom gin”
Idade
35 anos
Formação
Finanças
Empresa
A Bulldog faturou 7,5 milhões em 2013
Países
Mais de 40 mercados
Este artigo é parte integrante da edição de setembro da Revista EXAME