Manuel Barbosa de Matos nasceu em Lisboa, mas foi em Santo Tirso, entre o Ave e o Vizela, que cresceu. Fundou a editora Amor Fúria e foi figura central de uma geração da música portuguesa, dos Golpes a Manuel Fúria & os Náufragos. Em 2022, reinventou-se com Os Perdedores. Publicou textos na Rádio Renascença e no Público, mantém um Substack (O Vale Era Verde) e assina a crónica Odeio Futebol Moderno na Tribuna Expresso. Agora, escreve também para a Visão.
Luz e trevas
Durante anos, filmei com câmaras velhas. Super 8, Hi8, o que houvesse. Achava bonito, claro. Mas mais do que bonito, era suportável. Havia ali misericórdia. Tal como os corpos precisam de roupa, o mundo precisa de um véu
Balas de Prata
Somos todos crianças com um telefone na mão. É um mal muito democrático. Passamos uma hora a olhar para o vazio e juramos que é importante. Falar disto como se fosse problema exclusivo dos mais novos é um erro. Não é. Se um pai está a olhar para o telefone em vez de estar a fazer um desenho, o filho não vai querer desenhar
A última caminhada
Hoje tudo tem de ser sexy. As causas têm de ser sexy. A ecologia é sexy. A Ucrânia é sexy. O aborto não. O aborto é o mais anti-sexo que existe: por destruição simbólica. Porque o aborto é corpóreo. É grotesco, suja, tem cheiro. Envolve sangue, sofrimento, consequência. O aborto vem dizer que o prazer não é um fogo-fátuo que desaparece por si só. Que há um depois. Que o sexo pode matar. E ninguém sabe lidar com isto. Dá um péssimo 'tote bag'
Um dos nossos
Esta crónica não é sobre o caso Montenegro. É sobre a diferença entre ver Portugal como Eça ou como Camilo. Eça ironizava o País. Camilo sofria com ele. Eu prefiro o segundo. Portugal não se explica com indignação elegante. Explica-se com vinho, filhos ao colo, e o Eugénio a dizer: “Fechar? Fechar para quê?” O País não se corrige. Reconhece-se
A beleza de estar calado
O artista de hoje não deixa nada por fazer. Ele age por todos nós. E, assim, a única resistência possível é a quietude
Uma vida de almoço
Mas quem leva mais a sério o almoço? Os que compreendem que a mesa não é um acessório, mas um centro de operações. Melhor: quem leva mais a sério esse pináculo existencial que é sentar-se à mesa e atacar um bacalhau assado com batatas a murro? Os que sabem que um almoço não se reduz à comida, mas à vida que ali acontece