Manuel Fúria

Músico

Manuel Barbosa de Matos nasceu em Lisboa, mas foi em Santo Tirso, entre o Ave e o Vizela, que cresceu. Fundou a editora Amor Fúria e foi figura central de uma geração da música portuguesa, dos Golpes a Manuel Fúria & os Náufragos. Em 2022, reinventou-se com Os Perdedores. Publicou textos na Rádio Renascença e no Público, mantém um Substack (O Vale Era Verde) e assina a crónica Odeio Futebol Moderno na Tribuna Expresso. Agora, escreve também para a Visão.

O Vale Era Verde

O medo e as férias

Permita-me, o leitor, o seguinte. Já mergulhou sozinho no mar alto? Eu já. Muitas vezes. E é cada vez pior. Sinto um aperto no peito, uma angústia animal, uma náusea que não é física. Ali, entre o coração e o pensamento

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O Currículo e o Território

A educação sexual é uma máquina de cinismo. Fala dos corpos como se fossem conteúdos de Geografia: localização, utilidade, rendimento. É um programa de desintegração moral que rompe o vínculo entre desejo, responsabilidade e família. É, em suma, o nome que se arranjou para designar uma fase preparatória para a pornografia. Ponto

Cinco casos que provam que a liberdade de expressão ainda vai ser uma preocupação em 2016
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Pim! Pim! Pim!

Não é preciso ser perito em análise de discurso. Basta estar acordado. Ouvir a entoação, contar os minutos de antena, medir a subtileza com que um é interrompido e o outro é amparado. O moderador não precisa declarar nada. A parcialidade está nos gestos. Está no silêncio. Está nos olhos. Está, às vezes, na falta de chá

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Diogo Jota, a Doutrina da Ressurreição dos Corpos e a Indispensabilidade da Presença

É que há aqueles que pensam, e muitas vezes dizem sem vergonha, “eu não gosto de funerais”. E não põem os pés no cemitério. Dizem-no com aquele ânimo de que não é nada com eles. O que é verdade; não é, de facto. Mas é esse o ponto

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O Tempo e a Queixa

A Viagem Medieval em Santa Maria da Feira vai começar - e estes são os cinco momentos a não perder
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A Idade do Meio

Já vos disse que tenho horror a lugares-comuns. Em todo o caso, repito e acrescento: o mais ordinário dos lugares-comuns modernos é chamar “medieval” a tudo o que se quer odiar sem ter de puxar pela cabeça. O Chega propõe o restabelecimento da guilhotina — medieval. O Irão apedreja mulheres — medieval. Um pai esbofeteia o filho — medieval. Um sacerdote menciona o Inferno — medieval, medieval. É o bingo da cretinice, alimentado por uma única coisa: metáforas preguiçosas

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Corpos

É essa ideia que justifica que se “faça” coisas com o corpo. Como vendê-lo, por exemplo. Mas o corpo não é um objecto. É um sujeito. Somos nós, no mais íntimo, no mais público. Por isso não prostituímos o corpo. Prostituímo-nos. Nem fazemos um desenho no corpo. Desenhamo-nos. Não acrescentamos silicone ao corpo. Acrescentamos mentira. Se o negamos, negamo-nos a nós

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Toda a ferida é uma abertura

Era isto que eu queria dizer à Lídia Jorge, se a encontrasse no tal bar, de chão pegajoso e a cheirar a tremoço. Veja o Brian Wilson, Lídia. A vida doeu-lhe, mas não se pôs com manifestos. Escreveu música. Surf, árvores e alpendres. Pequenos lugares contra o colapso. Veja Portugal. Com as suas faltas. Com as suas vitórias. Nada de extraordinário. Veja bem: se não fosse isso, seríamos outra coisa. E depois insistiria: todo o sofrimento é uma hipótese de abertura

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Um caso perdido

É como nascer a chamar-se Aleluia. Ou Apocalipse. Num país de tostões, alguém chamar-se Milhão é uma bofetada. Um atentado à modéstia nacional. Mas a verdade é esta: tudo nele começa e acaba no nome

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Gouveia e Casca

É que em Gouveia e Melo, tudo é casca. Qualquer coisa “entre o socialismo e a social-democracia”. Parece navegação. Parece conteúdo. Mas é casca. Rígida, flutuante, talvez até decorativa. Gouveia e Melo é a concretização possível de uma piada do Herman José. Uma personagem que fugiu para o mundo real

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O Uber da Maria da Fonte

Portugal está xucro. Há um delírio que domina os jornais, as televisões e o resto. Fala-se do país como se o país fosse uma tertúlia. Um seminário de diversidade. Não é

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Peso, pausa e postura

Uma inclinação antiga, como um joelho que se dobra sozinho: “arranjem lá quem trate disto e deixem-me estar quieto no meu canto.” Nesse sentido mais restrito, todo o português é monárquico. Sempre foi. Sempre será. Prefere que uma figura de bom porte tome conta das coisas. Quer ordem com dignidade. Quer mandar obedecendo

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O mundo é uma sala de espera

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Sonhos de fim do mundo

Peço, leitor, que me desculpe. Que me desculpe se trabalha com queijos ou chouriços, que não me leve a mal se tinha um voo para apanhar, ou se ficou preso no metropolitano. A minha alegria foi, talvez, uma indelicadeza

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Hologramas de santidade e pobreza

Hoje, o silêncio é suspeito. Há dois modos de fugir à realidade de Francisco: exaltá-lo como símbolo. Amá-lo como ilusão. Ambos o usam. Ambos valem mais para nos fazer sentir bem do que para nos obrigar a mudar de vida

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Luz e trevas

Durante anos, filmei com câmaras velhas. Super 8, Hi8, o que houvesse. Achava bonito, claro. Mas mais do que bonito, era suportável. Havia ali misericórdia. Tal como os corpos precisam de roupa, o mundo precisa de um véu

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Balas de Prata

Somos todos crianças com um telefone na mão. É um mal muito democrático. Passamos uma hora a olhar para o vazio e juramos que é importante. Falar disto como se fosse problema exclusivo dos mais novos é um erro. Não é. Se um pai está a olhar para o telefone em vez de estar a fazer um desenho, o filho não vai querer desenhar

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A última caminhada

Hoje tudo tem de ser sexy. As causas têm de ser sexy. A ecologia é sexy. A Ucrânia é sexy. O aborto não. O aborto é o mais anti-sexo que existe: por destruição simbólica. Porque o aborto é corpóreo. É grotesco, suja, tem cheiro. Envolve sangue, sofrimento, consequência. O aborto vem dizer que o prazer não é um fogo-fátuo que desaparece por si só. Que há um depois. Que o sexo pode matar. E ninguém sabe lidar com isto. Dá um péssimo 'tote bag'

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Um dos nossos

Esta crónica não é sobre o caso Montenegro. É sobre a diferença entre ver Portugal como Eça ou como Camilo. Eça ironizava o País. Camilo sofria com ele. Eu prefiro o segundo. Portugal não se explica com indignação elegante. Explica-se com vinho, filhos ao colo, e o Eugénio a dizer: “Fechar? Fechar para quê?” O País não se corrige. Reconhece-se

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A beleza de estar calado

O artista de hoje não deixa nada por fazer. Ele age por todos nós. E, assim, a única resistência possível é a quietude

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Uma vida de almoço

Mas quem leva mais a sério o almoço? Os que compreendem que a mesa não é um acessório, mas um centro de operações. Melhor: quem leva mais a sério esse pináculo existencial que é sentar-se à mesa e atacar um bacalhau assado com batatas a murro? Os que sabem que um almoço não se reduz à comida, mas à vida que ali acontece