A apresentação de moções de censura é uma espécie de ritual parlamentar que tem três objetivos principais – e raramente um deles é derrubar um Governo: primeiro, expor e desgastar os governos, ou obrigá-los a um discurso defensivo; segundo, potenciar mediaticamente os argumentos do partido que a apresenta; terceiro, aproveitar a exposição mediática para veicular uma mensagem política. Apenas uma moção de censura foi aprovada, em toda a história parlamentar, mas dezenas foram votadas. Já aconteceu que um partido a apresentasse sem que, politicamente, desejasse a sua aprovação, ou sabendo que não haveria o risco de que fosse aprovada e que, portanto, o Governo não cairia. Ora, se há coisas que são certas, nesta vida, uma delas é a morte, outra os impostos e a terceira uma moção de censura apresentada pelo Chega.
A moção que hoje se discute, na Assembleia da República, tem por pretexto as alegadas incompatibilidades do primeiro-ministro face à nova lei dos solos, elaborada pelo Governo e já aprovada na AR: uma empresa familiar formada há três anos pelo primeiro-ministro, teoricamente, pode vir a beneficiar dessa nova lei, resultando em futuros proventos pecuniários para Luís Montenegro. A suspeita tem sido, nos últimos dias, avolumada, pela falta de esclarecimentos cabais de Luís Montenegro que, tendo estado no Brasil, para a cimeira luso-brasileira, remeteu explicações definitivas para o debate de hoje.
O PS não acompanha a moção do Chega. Pedro Nuno Santos lembrou, com alguma propriedade, que esta moção serve para desviar as atenções dos problemas internos do partido de André Ventura, que se vê a braços com um repentino surto de pequena criminalidade particada por importantes responsáveis. O tal partido que ia limpar Portugal não se pode dar ao luxo de permitir, por muito tempo, que essa ferida continue aberta nos noticiários do País. No entanto, é perfeitamente possível que Ventura apresentasse, fosse como fosse, esta moção e neste momento. O líder do Chega declarou que, se Montenegro tivesse dado explicações, o partido recuaria. Ao mesmo tempo, porém, estabeleceu um ultimato para essas explicações, que sabia bem ser inaceitável. E, mais inaceitável, foi ao ponto de adiantar o que Montenegro devia dizer, de modo a apaziguar o Chega.