Sopa alentejana; ameijoas à bulhão pato; migas com entrecosto; polvo à lagareiro; linguado de Setúbal; bacalhau assado com crosta nortenha. Já está com água na boca? Esta é a ementa do Churrasco da Graça, restaurante de Lisboa, de típica comida portuguesa. Está sempre cheio de turistas, à procura dos sabores da nossa gastronomia. Qual será a nacionalidade dos donos? Pois… são chineses.
Er Xin He, 48 anos, e Liang Cheng He, 25 anos, pai e filho, naturais da província de Fujian, na China, já tinham duas lojas no Largo da Graça, assim sustentando a família, quando surgiu a oportunidade de comprar este restaurante, mantendo parte da equipa. Ali empregam nove pessoas: oito portugueses e um nepalês.
O facto de pouco saberem da gastronomia lusa não os impediu de avançar. “Confiamos no chefe de cozinha e na equipa, que nos ajudam muito. Além disso, gostamos da comida portuguesa”, explica Liang Cheng, que completou o 12º ano de escolaridade em Portugal.
Os chineses são, entre as comunidades imigrantes a viver por cá, os mais empreendedores: 42% são empregadores. Ou seja, quase metade dos chineses a viver em Portugal são patrões. O que é fácil de perceber, tendo em conta o número de restaurantes e lojas que detêm.
Seguem-se os ingleses e os alemães, com taxas de empreendedorismo de 27,9% e 21,6%, respetivamente, nacionalidades que se concentram na região do Algarve. Depois vêm os norte-americanos (15,4%), os franceses (14,6%), os venezuelanos (14,3%) e os paquistaneses (14,2%). Com taxas mais baixas surgem os africanos dos países de expressão portuguesa e os imigrantes do Leste da Europa, o que pode ser explicado, defendem os especialistas, pelo facto de os setores onde mais se concentram (como a construção civil) serem dos mais afetados pela crise.
No geral, mostram os Censos de 2011, 19,2% dos imigrantes trabalham por conta própria, uma taxa superior à dos portugueses: 17 por cento. E se as oportunidades fazem o empreendedor, no caso dos estrangeiros, os “bloqueios” também têm o seu papel. “Situações de vulnerabilidade sentidas pelos imigrantes no mercado ao trabalho podem induzi-los à iniciativa empresarial: desemprego prolongado, baixos salários, trabalhos de risco, discriminação, etc”, refere a socióloga Catarina Reis Oliveira, autora de inúmeros estudos na área do empreendedorismo imigrante.
DO COMÉRCIO À CONSTRUÇÃO
O impacto dos 395 mil imigrantes que vivem em Portugal, na nossa economia, é positivo. Não só na criação de emprego. “Os laços culturais e linguísticos, os conhecimentos que detêm sobre o seu mercado de origem e as suas redes sociais podem criar oportunidades comerciais entre países ou revelar-se como uma vantagem, reduzindo custos de transação, minimizando barreiras ao comércio e flexibilizando relações entre agentes económicos”, descreve Catarina Oliveira.
E se ainda há quem pense que os estrangeiros são um peso nas contas nacionais, é melhor que olhe para os números da Segurança Social. Na última década, os estrangeiros sempre pagaram mais em contribuições do que aquilo que receberam em prestações. Mesmo em tempos de crise. Em 2013, por exemplo, o saldo foi positivo, na ordem dos 243 milhões de euros. E este foi o ano mais “fraco”, tendo em conta as dificuldades económicas vividas em Portugal. Antes de 2008, o saldo ultrapassava os 400 milhões de euros.
Mas, afinal, quais são as principais atividades dos patrões estrangeiros? O comércio em primeiro lugar (25,4% dos empregadores imigrantes encontram-se nesta atividade). Segue-se o investimento em alojamento e restauração (18,1%) e na construção civil (12,6%).
No entanto, a nacionalidade do imigrante também contribui para a escolha do setor económico. “Os empresários chineses estão sobre representados nas atividades do comércio por grosso e a retalho (82,4%) e da restauração (13,8%). Os empregadores cabo-verdianos, ucranianos e romenos, por sua vez, encontram-se mais concentrados nas atividades da construção (27,9%, 25,2% e 29,2%, respetivamente), refletindo a importância da sua experiência profissional em atividades subordinadas em Portugal para a decisão de desenvolvimento de uma atividade empresarial”, refere Catarina Reis Oliveira.
Os que mais diversificam os seus investimentos são os brasileiros. Se a maior parte dos empregadores desta nacionalidade se encontra no setor do alojamento e da restauração (21,3%), também há números consideráveis no comércio (14,3%), na construção (13,3%) e na saúde humana e apoio social (8,8%)…
UM CHÃO QUE DEU FRUTOS
Paulo Eleutério, 30 anos, natural do Paraná, no Brasil, apostou no alojamento. Licenciado em comunicação social, veio para Portugal – onde já viviam os seus pais – continuar os estudos. Tirou o mestrado em Educação e Sociedade, no ISCTE (Instituto Universitário de Lisboa), enquanto se sustentava a ganhar o salário mínimo no turno da noite de uma residencial.
Terminado o mestrado, continuou no mesmo emprego. “Sempre quis ser jornalista, mas as portas não se abriram. Se hoje tenho esta empresa é pelos ‘nãos’ que recebi no passado”, diz. A empresa chama-se Discover Lisbon e oferece apartamentos para alugueres de curta duração.
O primeiro apartamento que alugaram, na Praça da Alegria, em Lisboa, tinha uma renda de 900 euros. E os dois sócios ganhavam ambos o salário mínimo. Começaram por subalugar a casa a estudantes, depois a turistas. E foram alugando outras casas, sempre com o dinheiro contado ao cêntimo, levando mesmo os seus próprios móveis para mobilar um dos apartamentos. “Passámos três meses a dormir no chão. Não é dormir com o colchão no chão, é mesmo sem colchão, em cima de cobertas”, conta Paulo.
Até que o negócio começou a dar dinheiro. E a expandir-se. A empresa tornou-se familiar e, além dos dois sócios, dá também emprego ao pai e à irmã de Paulo.
A ideia foi aprimorada numa formação oferecida pelo Alto Comissariado para as Migrações, através do Gabinete de Apoio ao Migrante Empreendedor, que dá apoio em todos os passos da criação e desenvolvimento da uma empresa: da conceção do plano de negócios à procura do financiamento. Tudo gratuito.
É ali que muitos imigrantes começam o caminho do empresariado. Com muitas cautelas para não integrarem as estatísticas das insolvências. Mas com a necessária dose de risco para vingar no mundo dos negócios.
395 MIL
O número de estrangeiros a viver em Portugal
19,2%
Dos imigrantes trabalham por conta própria (contra uma taxa de 17% de empregadores entre os portugueses)
42%
Dos chineses a viver em Portugal são patrões. É a comunidade mais empreendedora
€243 MILHÕES
O saldo (positivo) dos imigrantes na Segurança Social, em 2013