Timor sempre fez parte do imaginário de Filipe Alfaiate, 38 anos. A sua ligação ao país fazia-se através das histórias que a avó materna lhe contava sobre a sua terra natal. Apesar da ligação familiar, Filipe nunca tinha visitado o país e, quando o fez, há seis anos, foi logo para se mudar de malas e bagagens – mas também de alma e coração – para um local que já fazia parte de si. Ariana Simões, 34 anos, acompanhou o marido na decisão e não hesita em dizer que ambos embarcaram na aventura de forma “absolutamente emocional”, sem nunca terem pisado antes o território timorense. Afinal, “o Filipe sempre havia dito que queria ajudar no desenvolvimento de Timor”, recorda. Tinha chegado o momento.
Enquanto trabalhava numa grande empresa de advogados em Londres, Filipe recebeu um convite para assessorar o então primeiro-ministro de Timor-Leste, Xanana Gusmão. Seria esse o gatilho para partirem em direção ao outro lado do mundo. Ariana, também advogada, deixava para trás a experiência de um ano a trabalhar na ONG de proteção dos direitos da criança Save the Children na capital britânica. Quando, ao fim de um ano e meio, terminou a experiência de Filipe nas mais altas esferas da política timorense, o casal partilhava algumas inquietações que os impediam de abandonar o país. “Se vivemos numa ilha, porque é que é tão difícil encontrar peixe? Porque é que a maior parte dos produtos são todos importados?”. Seriam estas interrogações a génese para a criação, há quatro anos, da Empreza Di’ak, que em tétum significa “bom negócio”. O objetivo é ajudar a combater a pobreza através do estímulo de pequenos negócios sustentáveis que procuram integrar mais pessoas no processo de desenvolvimento do país, uma vez que mais de um terço da população vive abaixo do limiar da pobreza.
NÃO À CARIDADE, SIM ÀS PARCERIAS
A experiência de Filipe nos meandros da política tinha-lhe mostrado que havia uma abordagem “de cima para baixo”, em que as decisões eram tomadas pelas grandes instituições. Por isso, resolveram que a Empreza Di’ak estaria próxima da população. Abordaram os pescadores de Liquiçá e, em conjunto, começaram de desenvolver o seu primeiro negócio, o Ikan Di’ak (bom peixe). “Como a eletricidade não chega a muitos pontos do país, ensinámos a fazer peixe seco, que pode durar mais de três meses e chegar ao interior do país”, explica Ariana. Para vencerem a desconfiança, garantiram aos pescadores que compravam tudo o que produzissem, ficando a seu cargo o acesso ao mercado para escoar o peixe. Atualmente, já produzem também peixe fumado para o mercado mais urbano e há mais de 300 pescadores envolvidos no negócio que viram o seu rendimento médio semanal subir de pouco mais de 5 para 63 euros.
Também puseram em prática um projeto de inclusão de mulheres vítimas de violência, o Futuro Di’ak, em que trabalham em parceria com os abrigos na criação de pequenos negócios que possam contribuir para a independência das mulheres, como a costura, criação de patos ou cozinhar para fora. Uma das jovens apoiadas tornou-se empresária aos 28 anos, sem nunca ter trabalhado antes, através da venda de roupa em segunda mão. Com o projeto Fórum Di’ak procuram fazer a ponte entre os produtores, as empresas e a comunidade, sempre numa lógica de parceria. Habitualmente, as suas ideias de negócio são bem recebidas, mas há sempre desafios mais difíceis de superar: “A necessidade de compromisso é o mais difícil, implica mudanças sociais e culturais profundas. Esse é um trabalho as longo prazo, mas que muda vidas”, acredita Ariana.
No primeiro ano de atividade da ONG, não receberam qualquer salário e financiaram a atividade através de donativos e fundos sociais. No final do ano passado, estiveram entre os vencedores do prémio Direito Humanos Sérgio Vieira de Mello, atribuído pelo Presidente de Timor-Leste, Taur Matan Ruak, no valor de dez mil dólares (cerca de €9 100 euros). A batalha pela sustentabilidade é dura, mas contam com uma equipa de 20 pessoas, além do apoio de voluntários que chegam de Portugal, mas também da Austrália e Nova Zelândia. Os responsáveis pela implementação dos projetos são jovens timorenses, muitos deles acabados de sair da faculdade. Ariana não duvida de que esse é um dos motivos para o sucesso do projeto. Ao fim de seis anos, ainda não tem planos de regresso, só para mais negócios – como a criação de uma loja social, produção de coco, desenvolvimento de produtos agrícolas de nicho e de artesanato local. “Talvez chegue uma altura em que deixaremos de estar de forma permanente em Timor”, confessa Ariana, antes de acrescentar: “Mas não creio que vá chegar o dia em que abandonamos Timor”.
Portugal –
Herança ténue
A equipa da ONG Empreza Di’ak, criada por Filipe Alfaiate e Ariana Simões, conta com muitos jovens timorenses mas, para eles, assim como para a maioria das novas gerações, Portugal não passa de um país distante e desconhecem muitas das raízes culturais comuns. “A língua portuguesa é um desafio e Portugal é um elemento estranho para muitos dos timorenses mais jovens. A maioria conhece mal a ligação histórica que existe entre os dois países”, conta Ariana. A ligação cultural forte que se sente é com a vizinha Indonésia, que ocupou o país durante 24 anos (1975-1999), ao fim de quatro séculos de domínio português. Os portugueses não são vistos “com animosidade”, explica a advogada mas, para muitos timorenses, “Portugal resume-se aos professores que ensinam português nas escolas”.