Há 27 anos que Os Malmequeres apoiam pessoas com deficiência intelectual. Os objetivos continuam a ser claros, passam pela integração dos utentes através do reconhecimento do seu trabalho e pela mudança de mentalidade da sociedade em relação à pessoa deficiente. Com sede em Marrazes, no distrito de Leiria, a associação conta com um Centro de Ocupação Permanente com 17 adultos com mais de 20 anos. “Acreditamos que o trabalho individualizado e centrado nos nossos utentes permite desenvolver todas as suas capacidades e levá-los muito mais longe”, explica Edite Dinis, diretora d’Os Malmequeres. Aqui, os utentes com deficiência intelectual têm um acompanhamento pedagógico que vai muito além das quatro paredes: natação, equitação, caminhadas, exposições e vendas de brinquedos em madeira são algumas das atividades dinamizadas pela associação.
Edite Dinis explica que este é um espaço que os utentes veem como o seu próprio trabalho. “Têm consciência que esta é uma casa que tem horários, que eles têm responsabilidades”. O primeiro projeto a ser dinamizado na instituição corresponde à criação de brinquedos em madeira. Através de temas que são propostos pelos técnicos, os jovens produzem desenhos, cujos estudos de cor e de textura acabam por originar carrinhos de puxar, jogos de diferenças e outros brinquedos.
“O brinquedo é a actividade base da instituição. Mas a partir de certa altura tínhamos outros objectivos: mudar a mentalidade das pessoas em relação às pessoas com deficiência intelectual e dar-lhes segurança – tirá-los da instituição e levá-los para o exterior, fazer inserção social, fazendo com que se sentissem pessoas da comunidade”. É nesse momento que surge a Ludoteca Itinerante, um projeto que merece o carinho especial não só destes jovens, mas também de muitas crianças de Leiria. A atividade começou com uma Ludoteca Fixa, que arrancou em 1993, num ímpeto de abrir a instituição à comunidade. As crianças das escolas da região deslocavam-se às instalações d’Os Malmequeres, e os utentes só saiam em itinerância duas vezes por ano.
Diversão itenerante
Mas a crise gerou dificuldades financeiras nas escolas, e as listas de espera que estavam lotadas de ano para ano deixaram de existir. Foi então que Os Malmequeres passaram à ação, criando a Ludoteca Itinerante, com três jovens com deficiência intelectual – acompanhados por técnicos da instituição -, a deslocarem-se às instituições pré-escolares e às escolas primárias do distrito de Leiria duas vezes por semana. Se o sucesso já tinha sido garantido nos outros anos, só no ano passado a Ludoteca Itinerante fez 54 deslocações. “É uma atividade que permite que as pessoas com deficiência intelectual se sintam produtivas, se sintam ‘umas entre as outras’. E as outras pessoas reconhecem que eles fazem brinquedos muito bonitos e um trabalho super eficiente na ludoteca”.
Seis utentes d’Os Malmequeres organizam-se em duas equipas, a equipa fixa e a equipa de substituição. Todos os anos os grupos são avaliados e outros utentes passam a integrar a Ludoteca. Além de levarem jogos e brinquedos produzidos por si, desenvolvem um ateliê para a produção de brinquedos em madeira – cujo resultado final fica para a criança que o realizou – e contam uma história em sombras chinesas. Este ano, é a história do Cuquedo que faz a delícia dos mais pequenos. O empenho e a dedicação de todos, mesmo dos que não se deslocam às escolas, estão presentes no dia-a-dia da instituição. Edite Dinis não tem dúvidas: o reconhecimento do trabalho desenvolvido provoca uma melhoria da auto-estima e aumenta a motivação para o trabalho. “Às vezes até percebemos que se dão pequenos passos a nível do desenvolvimento intelectual”.
Muitas vezes, o impacto nas crianças traz surpresas alguns anos mais tarde. “Uma pessoa que tem agora 30 e tal anos vem cá mandar recauchutar um brinquedo que nós fizemos quando era pequena para agora dar ao filho. Ou uma pessoa que vem aqui pedir um estágio e que diz ‘A vossa ludoteca foi à minha escola’.
Há nove anos que a Ludoteca Itinerante anda na estrada e a iniciativa continua a dar frutos. Uma forma de integração das pessoas deficientes intelectuais na sociedade que desmistifica preconceitos logo nos mais novos, que com entusiasmo abrem as portas da sua escola para um dia cheio de atividades e ainda brindam Os Malmequeres com desenhos das histórias e bolos para o lanche.
A Ludoteca Itinerante também já foi a lares e centros de dia. Os brinquedos são substituídos por porta-chaves e marcadores de livros, num projeto que procura agora chegar a outro setor da sociedade. Uma continuação da integração dos utentes com deficiência intelectual, que desta vez leva valores como a dignidade, o afecto e a inclusão social aos idosos do distrito de Leiria. Quanto aos mais novos, a Ludoteca promete continuar ‘sobre rodas’. Neste momento, Os Malmequeres já têm a agenda preenchida até junho. “Vamos onde nos chamam”.