Quero pedir um conselho para ultrapassar uma fase que está a ser difícil. Sou trabalhador-estudante e a empresa paga-me os estudos, por entender que eu posso rentabilizar o que estou a aprender. Acontece que não estou a conseguir gerir o mestrado e as tarefas laborais. Chego a casa sem vontade para continuar a produzir, deito-me a pensar no que não fiz, e de manhã começa tudo de novo. Não tenho filhos, mas perco algum tempo nos transportes e sobra-me pouco para descansar. Se adiar a entrega dos trabalhos do curso, fico com a consciência pesada. O que posso fazer?
Miguel
Ter muitas coisas para fazer implica dirigir o foco de atenção em mais que uma direcção. Concentre-se naquilo que estiver a fazer a cada momento, os seus neurónios agradecem! Ocasionalmente, dará por si com a cabeça na tarefa que vai fazer mais tarde, quando acabar a que tem em mãos. Frequentemente, vai interromper o que está a fazer para atender o telefone, beber café, pensar no que vai comer ao jantar, etc. E quando a tarde termina, o balanço pode não ser o melhor, pelos sucessivos adiamentos de tarefa, por mais curtos que sejam.
Procrastinar é isso mesmo. “Eu vou fazer isto e aquilo e aquilo… mas agora não”. Os “isto e aquilo” ficam guardadas na memória e entopem-na, por assim dizer (efeito Zeigarnick). A melhor maneira de fugir a essa armadilha consiste em começar por algum lado, de preferência algo que seja fácil, mesmo que não seja pela ordem planeada por si. Pode ser o relatório ou a lista de pontos a abordar na reunião laboral. Ou um dos trabalhos do curso. Desde que registe ou faça o que for mais acessível para si, no tempo que dispõe para o efeito, é mais um “módulo” que já fica despachado.
Use as circunstâncias a seu favor. Por exemplo, aproveite o tempo da viagem nos transportes para ajustar a agenda do dia de forma realista, ler, planear e tomar notas. Para recarregar baterias, sem ser apenas quando chega à cama, eleja as idas ou as voltas para desfrutar de uma pausa (há quem goste de distrair o olhar e divagar e quem prefira isolar-se mentalmente do que está à volta e, se encontrar um lugar sentado, talvez ainda consiga “passar pelas brasas”; se não, os auscultadores e uma música à medida fazem “milagres”).
Priorize. Paute as suas acções com base no que é importante para si. As desculpas que inventa para si mesmo, na hora de “por as mãos na massa”, não valem. Estas são algumas delas: “Hoje, não estou inspirado”, “Estou tão cansado”, “Funciono melhor sob pressão”. Até pode acontecer, mas é provável que esteja, também, a desvalorizar as suas metas. Se assim for, é natural queperca a “pica” e fique com a consciência pesada depois.
Seja o seu “advogado do diabo” e não o seu carrasco. Ter dúvidas e espírito crítico só é vantajoso se for na dose certa, caso contrário, só aumenta a incerteza e traz ruído.Se partir para o estudo a pensar que a formação é pagapela empresa e fantasiar que não está à altura do compromisso, o mais certo é desmotivar-se. “Este curso foi uma escolha minha, certo?” é um exemplo de discurso interno que, com algum treino e persistência, lhe pode ser bastante útil.
Com alguma perícia, ou jogo de cintura, vai verificar que não tem de decidir A ou B, antes fluir entre eles, sem equacionar sempre o pior, num futuro próximo. O pior que lhe pode acontecer é errar. E o melhor, também. O saber e a consciência ajudam, mas é por tentativa e erro é que o mundo gira e avança. A criança que há em si ficará tranquila se lhe disser “ok, não faz mal, fizeste o melhor que pudeste e soubeste”.
Clara Soares, jornalista, psicóloga e autora do blog Psicologia Clara