A rotina habitual de Luís Jacob, 42 anos, foi quebrada por um acontecimento inesperado. Na quinta-feira passada, em vez de fazer uma viagem de automóvel de cinco horas, de sua casa, em Santarém, até à Escola Superior de Educação de Bragança, para dar aulas no curso de Gerontologia, fez um trajeto mais curto, de uma hora, até Lisboa, onde seria galardoado com o prémio Os Nossos Heróis, uma iniciativa da VISÃO e do Montepio que distingue pessoas e empresas que se destacam na área social.
“A velhice é uma grande chatice”, tornou–se numa frase célebre de Jorge Amado. Foi, precisamente, para ajudar a contrariar esta máxima que Luís Jacob fundou a Rede de Universidades da Terceira Idade (RUTIS).
Em 2005, eram 15 universidades, hoje, são 220 um número ímpar no mundo. Em Espanha, por exemplo, não existem mais de cinquenta.
É com um sorriso rasgado que o Herói do Ano recorda o episódio que o fez olhar para o envelhecimento. Quando era diretor do Centro Paroquial de Almeirim, cargo que assumiu aos 23 anos, deparou-se com uma figura curiosa: um utente do lar que passava os dias a pregar rasteiras com a bengala às funcionárias.
“Quando lhe perguntei porque o fazia, respondeu-me que era para se animar. Nesse momento, percebi que tinha de refletir sobre a instituição que estava a gerir.”
Deixar de passar a ferro
Pouco tempo depois, descobria as universidades da terceira idade. Há 12 anos, havia, apenas, uma meia dúzia, em Portugal. Resolveu concretizar a ideia em Almeirim e a sua mãe seria a primeira aluna da universidade que ali fundou. Mas a senhora acabou por desistir por falta de tempo os pais de Luís Jacob mantêm um café em Santarém, apesar de estarem para lá dos 70 anos. Passados seis meses, aquela escola contava com dez professores e mais de 60 alunos. “Criar as universidades é muito simples e prático”, explica, “basta um espaço para os alunos se sentarem, e é fácil conseguir professores voluntários que nos dispensem uma hora por semana.” No seu jeito bem-disposto, revela um slogan que assenta otimamente no projeto: “É fácil, é barato e dá milhões. de sorrisos!”.
Que o diga Olinda Carvalho, 70 anos, aluna, há quase uma década, da Universidade Sénior de Almeirim. Esta semana, anda atarefada com os ensaios de folclore, para o espetáculo de domingo. “Há uns anos, se me dissessem que ia dançar num rancho, acharia impensável!”, diz. Foi para aprender a trabalhar no computador que o marido se inscreveu nas aulas e acabou por convencê-la a acompanhá-lo. “Tenho tendência para o isolamento, mas o compromisso com as aulas faz-me sair de casa”, conta. “No ano passado, abusei, até ficava roupa por passar a ferro.” Um testemunho que não surpreende Luís Jacob: “As pessoas renascem, mudam de vida e isso é espetacular.” Existem vários trabalhos de investigação sobre os efeitos destas universidades. As conclusões referem, invariavelmente, que os alunos ficam mais felizes, com menor tendência para a depressão e, em alguns casos, até consomem menos medicamentos.
Quando o Estado falha
O financiamento da RUTIS é uma preocupação constante. O projeto esteve na gaveta até à atribuição de um donativo da SIC Esperança, em 2005. No mesmo ano, reuniu, pela primeira vez, com o Ministério da Segurança Social, com quem mantém um protocolo desde 2007, mas o acordo não é cumprido há três anos: “Só nos têm pago metade do que está contratualizado.” Os fundos europeus a que se candidatam e os patrocínios ajudam a garantir o orçamento anual de 100 mil euros. Duas pessoas trabalham a tempo inteiro na RUTIS mas Luís Jacob não é uma delas. Tem o estatuto de dirigente voluntário e não recebe ordenado, embora dedique a maior parte do seu tempo ao projeto, o que obrigou a deixar de ser professor a tempo inteiro. “Já perdi bastante dinheiro com esta aventura, mas o dinheiro não é tudo na vida”, afirma, convicto.
Quer garantir a sustentabilidade do projeto para avançar com a internacionalização da rede junto das comunidades portuguesas emigrantes. Na África do Sul, a universidade sénior já funciona há três anos. Este ano, foi convidado por outras universidades europeias para criar a Rede Mundial de Universidades Seniores, replicando o modelo da RUTIS. O próximo destino será o Brasil.
A mulher, Céu Martins, 41 anos, que conheceu durante uma missão de voluntariado em Angola, é relações públicas do Politécnico de Santarém e segura as pontas, na ausência do marido devido às viagens em nome da RUTIS. Aos filhos, Joana, 11 anos, e Miguel, 5 anos, Luís Jacob procura compensá-los nos meses de verão, quando não há aulas. A mãe é a sua referência de espírito solidário. “Há dez anos, transformou uma garagem em quartos para pobres”, conta, orgulhoso. Não descarta a influência da religião católica no seu percurso. Na catequese foram-lhe parar às mãos panfletos a pedir voluntários para o hospital psiquiátrico do Telhal. Inscreveu-se. Foi uma experiência marcante da sua adolescência. Ricardo Pocinho, 39 anos, docente e investigador de gerontologia, já dava aulas numa universidade sénior antes de conhecer Luís Jacob, que descreve como um “entusiasta realista “. Candidatou o amigo ao prémio Os Nossos Heróis, por acreditar que a RUTIS é o único elixir da juventude possível já que, na opinião de Ricardo Pocinho, “só envelhecemos verdadeiramente quando deixamos de aprender”.
FOTO: Lucília Monteiro
EMPRESA DO ANO A H. Sarah Trading faz reciclagem de roupa e já instalou mais de mil equipamentos por todo o país
Vestuário à medida
A serra da Estrela é o pano de fundo da H. Sarah Trading, sediada em Vila Verde, a poucos quilómetros de Seia. Num imenso armazém, com 4 500 metros quadrados, o cenário afigura-se, a quem entra, como o avesso da sociedade de consumo. Espalhados por diversas estruturas metálicas, algumas com vários metros de altura, estão centenas e centenas de peças de roupa. Há de tudo, separado por categorias: casacos, calças, saias, camisolas, polares, sapatos de homem e senhora, vestuário infantil, brinquedos. Em cada secção desta espécie de guarda-fatos gigante, com peças empilhadas como numa feira, está um trabalhador, rodeado de roupa por todos os lados: dobra e separa as melhores peças, atira as restantes para um monte, que há de ter como destino países como Camarões, Moçambique e São Tomé e Príncipe (onde se vende a roupa que não é encaminhada para IPSS’s). O que acontece neste armazém amplo e gelado, ao qual chegam todos os dias entre 4 e 6 toneladas de roupa, calçado e brinquedos, é explicado nas instalações contíguas, onde se trata da logística.
A atividade da empresa, fundada por um sírio, é inovadora, num país como Portugal, onde o negócio da roupa em segunda-mão é fraco e a reciclagem dos têxteis está longe de ser como a do papel, do vidro e do plástico.
Nedal Habal, o proprietário, garante que, lá fora, não é nada de novo: “Em países como a Alemanha ou a Bélgica, há muitas empresas a operar neste mercado, já desde os anos 50 do século passado.” Mas o que faz então a H. Sarah Trading? Recolhe, procede à triagem, distribui e vende roupa, calçado e brinquedos em segunda–mão. É uma entidade comercial, com fins lucrativos e, quanto a isso, realça a diretora Susana Saraiva, “somos transparentes”.
Mas a solidariedade faz parte do dia a dia da empresa, como uma das variáveis da atividade comercial.
Ajudar criando emprego
A lógica é bem visível no último projeto, intitulado inVista no Ambiente. Desde que foi implementado, há cerca de um ano, a H. Sarah Trading instalou mais de mil equipamentos de recolha de têxteis de norte a sul do País, assinando protocolos com diversos parceiros: por um lado, os municípios (que permitem a instalação gratuita dos pontos de recolha), por outro, instituições de solidariedade social (às quais a empresa se compromete a entregar os melhores produtos dos que são depositados nos pontos de recolha). Ao todo, a firma já assinou mais de 400 protocolos, designadamente com instituições como a Santa Casa da Misericórdia, a Cruz Vermelha, a Cáritas, as Aldeias SOS, a Fundação do Gil.
Todas as partes saem a ganhar. Por terem pontos de recolha de têxteis, as câmaras reduzem o volume de lixo que enviam para os aterros e os custos subsequentes; poupa-se o Ambiente; e as instituições de solidariedade beneficiam do processo: “Deixam de se deparar com problemas de excedentes de roupa, falta de espaço para a armazenar e de mão de obra para a selecionar.
Recebem, apenas, aquilo que lhes faz falta”, elucida Fátima Marques, gestora de projeto.
Com uma rede montada a nível nacional, em 48 horas (por vezes até menos) conseguem dar resposta aos pedidos que lhes são feitos pelas várias associações e instituições que trabalham com crianças e jovens em perigo, sem-abrigo, idosos. Mas, precisamente por a solidariedade integrar o ADN da H. Sarah Trading, o que mais satisfaz a equipa é, sobretudo, dizem, o que sai fora da sua área de trabalho. Este será o segundo Natal em que entregam mil euros ao Banco Alimentar do Algarve.
Deram, recentemente, um desfibrilhador à Cruz Vermelha de Oliveira de Azeméis, ajudaram a instalar uma loja social em Castro Daire, entre outros projetos de apoio a famílias carenciadas da região. Orgulham-se, ainda, dos postos de trabalho que têm vindo a criar. “Numa zona do interior onde o emprego escasseia, criámos 20 postos de trabalho, qualificado e não qualificado, nos últimos três meses”, sublinha Susana Saraiva.
Para já, a empresa conta com 66 colaboradores e as perspetivas são de crescimento.
Empresarial e solidário.