Veio a Lisboa para participar numa conferência que propõe “Inovar a reforma”. Como faze-lo?
Estamos habituados a pensar que trabalhar exige muito pensamento e planeamento, mas que a vida fora do trabalho é óbvia e simples. Seria estranho planear o fim de semana como planeamos a semana. Mas estamos a aprender que o tempo livre (onde se insere a reforma) requer tanto cuidado como o nosso trabalho e que os desafios que se colocam são imensos. Com o que temos de aprender a viver é, sobretudo, com o medo. Medo da morte, do abandono, da solidão, da perda de estatuto, de direção – temos de saber lidar com estas questões. O fim do trabalho não é só um alívio, é também um sério desafio e problema. Só o pensamento e o planeamento ajudarão.
Como nos podemos preparar para a reforma quando o futuro é tão incerto, tão sombrio?
É difícil imaginarmo-nos daqui a 10, 20 ou 30 anos. É por isso que a velhice é tão estranha aos jovens. Precisamos que os artistas nos mostrem como é a velhice – que produzam filmes, fotografias, entrevistas com os mais velhos, para que a velhice se torne viva antes de chegarmos lá.
Numa sociedade sem grande culto dos idosos, o conceito de reforma não está associado ao fim, à solidão…
Não há nada de inerentemente bom em envelhecer. Temos de nos confortar com este triste facto e com a inevitabilidade da morte também. O que é preciso é manter os idosos no seio da sociedade, não os empurrar para as franjas, usar a sua sabedoria e experiência – e amá-los como eles (espera-se) nos amaram.
O que fazem os seus pais? A sua perspetiva de reforma assemelha-se à sua vida atual?
O meu pai morreu pouco depois de se reformar. O seu médico disse-me, depois: “o seu pai nunca se devia ter reformado. O trabalho mantém muita gente viva”. Só tinha 65. Era muito ansioso em relação à reforma. Preocupava-o a perda de estatuto, o aborrecimento. No fim, devia era ter-se preocupado com a morte – nada disto me escapa. Pensarei profundamente sobre isso.
Que instrumentos dá aos seus filhos, para os ajudar a enfrentar o futuro?
Dou-lhes muita auto-confiança e amor. A matemática e a gramática podem aprende-las com os professores, mas sentirem-se confortáveis com eles próprios é algo que só um pai pode dar.
É historiador de formação. A filosofia vem da sua paixão pelas ideias. Que ideia projeta para o futuro?
O filósofo não consegue fazer acontecer nada no futuro, isso é para os políticos. Mas os filósofos podem tentar imaginar a que se assemelhará o futuro, mesmo sem saber concretiza-lo. É uma tarefa valiosa, a de sonhar com o que se poderá assemelhar o futuro, fornecer uma espécie de mapa de estradas que os outros possam seguir.
Portugal (como a velha Europa) atravessa uma grande crise – económica e financeira, mas, cada vez mais, de valores. Para onde nos encaminhamos?
Parece extraordinário dize-lo agora, mas as coisas vão melhorar. A crise financeira foi causada por empréstimos bancários irresponsáveis e políticas governamentais irrealistas em matéria de segurança social e educação. A esperança é que a crise vá, com muita dor, sarar o País e que Portugal emerja mais forte e resiliente.
Os média têm a tendência de pensar sempre na catástrofe, mas lembremo-nos que, apesar dos seus problemas, Portugal continua a ser um dos países mais saudáveis do mundo. Basta ir a África durante umas horas para ver que a civilização europeia é uma grande, embora frágil, realização.
Neste enquadramento, como atingir um equilíbrio saudável entre o “pensar” e o “agir”?
Uma das tarefas mais importantes é aprender a não desesperar. É como se o País tivesse sofrido um acidente. Alguns dirão “agora vai morrer…”, mas os sábios sabem que é necessário dar esperança, bem como consolo e conforto.
O povo português tem um nível de instrução muito baixo. Terá clarividência suficiente para se preparar para o futuro?
Felizmente, a educação não ensina muito – por isso, os portugueses não perderam nenhuma das grandes lições da vida, apenas lições que lhes ensinariam a tornarem-se mais ricos ou realizados nos negócios. Mas em termos de sabedoria, de lições de vida, não é o que a educação ensina. A vida é que o faz.
Acredita numa governação paternalista. Com que olhos vê a Europa, onde dois terços dos governos são de centro direita (e, portanto, mais liberais)?
Os governos não existem só para taxar e gerir segurança, educação e saúde – também deveriam dar passos para que o mundo fosse mais belo e sábio, mais doce e são. Há coisas que os governos podem fazer nestas áreas – reformar escolas, censurar programas televisivos que nos corrompem e diminuem, tornar as cidades e vilas mais atrativas, promover espaços comunitários onde se possa viver…
B.I.
Filósofo do quotidiano
Alain de Botton, 43 anos, é historiador de formação e filósofo de profissão. Suíço, vive em Londres desde os 12 anos. Tem 11 livros publicados, traduzidos em 20 língu