Esta semana, dez anos depois de a Organização Internacional do Trabalho ter decidido assinalar o dia 12 de junho como o Dia Internacional contra o Trabalho Infantil, fomos surpreendidos com números avassaladores de 215 milhões de crianças trabalhadoras no mundo, através de um relatório no qual se reporta também que mais de metade se encontram expostas às piores formas de exploração, incluindo a escravidão e a participação em conflitos armados, e que se estima estarem 5 milhões delas presas em trabalhos forçados ou para fins sexuais ou servidão por dívidas da família.
A OIT reconheceu, porém, que tinha havido, apesar de tudo, alterações importantes nas legislações de alguns países para combater a prostituição e a pornografia infantil.
No artigo anterior, falei da nova diretiva europeia contra o abuso sexual e a exploração sexual de crianças e a pornografia infantil, de dezembro de 2011, e que tem de ser transposta para o nosso direito interno até dezembro de 2013.
Esta diretiva elenca um conjunto de considerandos, cerca de 50, de que se salienta a referência à reincidência, e se preconizam diversas medidas destinadas a prevenir a prática destas infrações e a proteger de forma mais eficaz as crianças. Trata-se, designadamente, de medidas de avaliação da perigosidade e terapêuticas, de natureza médica e psicossocial, destinadas aos condenados, de medidas simultaneamente de caráter formativo destinadas, quer aos profissionais que têm de lidar com estas matérias, quer aos que contactam com crianças. Propõe ainda medidas de caráter preventivo e de sensibilização, com a colaboração da sociedade civil.
Mas a mais polémica das medidas que os Estados podem considerar adotar diz respeito ao registo de pessoas condenadas como autores de crimes sexuais.
Sou sensível aos argumentos geralmente aduzidos em sentido contrário, sendo certo, porém, que, geralmente, as críticas se reconduzem a inadmissíveis perseguições que estão vedadas, como é óbvio. Devo confessar que nem sempre perfilhei este entendimento, pois a nossa cultura muito dicotómica no que respeita a penas e medidas de segurança, aliada à traumática experiência destas últimas no tempo da ditadura fascista me impedia de aceitar a sua complementaridade em situações deste tipo. Foi o cada vez maior conhecimento da realidade que tenho vindo a ganhar, fruto da minha experiência profissional e das múltiplas pesquisas que tenho efetuado que me conduziram aqui.
O fenómeno do abuso sexual é muito mais extenso do que se pensava há uns anos, é ainda muito silenciado, causa às vítimas um sofrimento indizível, há uma elevadíssima reincidência que demonstra ser a pena insuficiente, na esmagadora maioria dos casos, para reverter a conduta dos agressores, o que, aliado à particular vulnerabilidade destas crianças, aconselha a conjugação com medidas de outro tipo. O acesso a estes registos será sempre sujeito a limitações impostas pelos princípios constitucionais de respeito pela dignidade humana, mas é também em nome da dignidade das crianças que se exige uma maior proteção.
A recente adoção pela Conferência Episcopal das normas relativas ao prazo de prescrição no que respeita aos crimes de abuso sexual de crianças que passou a ser de 20 anos, como, aliás, a Santa Sé já tinha recomendado em 2010, vem justamente pelo mesmo caminho, demonstrando que os direitos da criança são mais respeitados, que a criança é mais considerada, valorizando-se a sua dor.
Não basta que o seu sofrimento já não nos seja indiferente. O que se exige é que consigamos prevenir, porque é inaceitável deixar que haja a possibilidade de fazer sucessivas vítimas.
É, pois, urgente utilizar todos os meios que já temos ao nosso dispor, com base nos conhecimentos científicos atuais, para minorar este flagelo, porque não queremos que a infância continue a ser um pesadelo para algumas crianças, e tudo devemos fazer para que possam crescer e desenvolver-se em ambiente seguro, tranquilo e feliz.