Claro que será, sobretudo, a condição das crianças que motivará os meus escritos. As vidas desencontradas, sofridas e por vezes de extremo terror que fui testemunhando ao longo da minha atividade profissional são, em grande parte, protagonizadas por crianças vítimas da maior violência, quer física, quer psicológica. Diz Lloyd De Mause que “A história da infância é um pesadelo do qual só agora começámos a despertar”. Por isso, contribuir para revelar o sofrimento dos milhares de crianças que ouvi e que me relataram das mais diversas formas as suas vivências magoadas é importante para ajudar a compreender a dimensão da violência perpetrada sobre quem é mais vulnerável por ter menos voz, por ter menos capacidade de defesa ou por nem sequer saber ainda falar ou defender-se.
Na semana passada, assinalou-se o Dia Europeu da Vítima de Crime e foram muitas as notícias sobre casos horríveis a envolver crianças. Desde o triplo homicídio de Beja, ao caso mais recente da criança que, nos Estados Unidos, sucumbiu desidratada, por ter sido obrigada a correr ininterruptamente durante três horas, passando pelo reviver do desaparecimento do Rui Pedro, há 14 anos, pelos abusos sexuais das crianças da Casa Pia conhecidos há dez anos, tudo parece querer confirmar que há múltiplas razões para alertarmos as consciências para a importância destes temas e da necessidade e da urgência de pensarmos e definirmos estratégias de proteção eficaz das crianças.
A nível europeu, continua a ser grande a preocupação com o desaparecimento e a exploração sexual de crianças e com o aumento significativo dos sites de pornografia infantil. Prossegue a discussão sobre a possibilidade do bloqueio desses sites e nem todos estão de acordo sobre essa matéria, pois há quem entenda que o bloqueio colide com o direito fundamental à liberdade (dos adultos, diga-se).
O Instituto de Apoio à Criança tem procurado sensibilizar os deputados europeus para a emergência de valorizar a integridade pessoal da criança e a sua dignidade, direitos que devem prevalecer para uma proteção real e efetiva.
Estes temas, até há pouco tempo verdadeiros tabus nas nossas sociedades, continuam a ser tratados de uma forma redutora, visto que quase invariavelmente apenas expressam interesses dos adultos e, por isso, propomos que sejam discutidos sob o ponto de vista do exercício dos direitos que hoje são reconhecidos à criança.