Tinha cortado em tudo o que podia, mas o dinheiro continuava a não chegar. Até que, depois do verão, rescindiu o contrato com o fornecedor de gás. Afinal, já não comia em casa. A única refeição quente do dia fazia-a na cantina da faculdade.
E, enquanto não arrefecesse, o duche frio não havia de lhe custar muito. Estudava na Universidade Nova de Lisboa, mas andou uns tempos ausente. Terá desistido? Situações como esta, que nem sempre “saem à rua”, são mais comuns do que se imagina. Quem por elas passa tem, geralmente, grande dificuldade em falar, partilhar angústias, pedir ajuda.
A pobreza universitária é envergonhada, garante o diretor da Faculdade de Direito de Lisboa, Eduardo Vera-Cruz Pinto.
A vida de universitário já não é fácil.
Entra-se numa nova etapa, em que quase tudo é diferente: os métodos de ensino, de trabalho, de pesquisa, de raciocínio, de relacionamento com colegas e professores. Tudo se complica quando, além do mais, se tem de lidar também com a saída de casa, a adaptação a outra cidade, os desafios da independência, a gestão do tempo e do dinheiro, a falta de controlo. Em geral, diz Vera-Cruz Pinto, “a maturidade e a idade adulta não coincidem”. Isto é, os alunos “são muito imaturos” e, com frequência, deixam-se levar pelo turbilhão, que os desnorteia.
Tornam-se incapazes de ser pró-ativos e resolver as situações com que se deparam, como pagar contas. A Associação de Antigos Alunos da Universidade de Lisboa, por exemplo, sabe-o e propõe-se criar, este ano, um programa de mecenato para ajudar estudantes em apuros.
A VISÃO falou com professores, técnicos do Instituto de Orientação Profissional, com o diretor do Serviço de Ação Social da Universidade de Lisboa (SASUL) e membros de associações académicas.
Eis, pois, dicas para jovens universitários contornarem estes tempos de crise.
Dica #1 Não ter vergonha de pedir ajuda
É muito importante saber ir ao encontro de quem pode ajudar.
Os Serviços de Ação Social (SAS) existem em todas as universidades. Devem ser olhados “como o parente mais próximo que se tem na universidade”, diz Luís Fernandes, diretor do SASUL. Mas há outras estruturas prontas a dar a mão: as associações académicas, os gabinetes de psicologia ou de solidariedade social, o Instituto de Orientação Profissional (IOP). ou até um professor com quem se consiga estabelecer uma relação de maior proximidade.
Um dia, Maria Eduarda Duarte, psicóloga e diretora do IOP, foi abordada por uma aluna, no bar. Estava a “perder o controlo”, dizia a jovem. Sem hesitações, foi levada para o hospital, para receber ajuda médica.
Dica #2 Dar atenção aos sinais
Num ápice, um aluno passa de psicologicamente frágil ou descompensado a deprimido. Por isso, há que dar atenção aos indícios antes que seja tarde de mais.
O primeiro sintoma, diz a psicóloga Maria Eduarda Duarte, costuma ser o insucesso académico. Se o aproveitamento baixar de um dia para o outro, há que perceber quais as causas associadas à situação. Dúvidas como “Estarei no sítio certo?”, “É mesmo isto que quero fazer?” também são frequentes. Mas, muitas vezes, nem o insucesso nem as dúvidas se prendem diretamente com o curso.
A falta de aproveitamento ou as incógnitas surgem amiúde quando se passa por dificuldades financeiras.
Dica #3 Alojamento em troca de companhia
As vagas nas residências universitárias são escassas e o alojamento perto das faculdades é, por norma, alvo de especulação. Por isso, vale a pena procurar casa fora da zona de influência da universidade e gerir as distâncias com os transportes públicos.
Há programas como o Lado a Lado (Coimbra), Aconchego (Porto) ou Proximus (Aveiro) através dos quais se oferece alojamento em casa de um “sénior”, em troca de apoio em pequenas tarefas. As associações académicas ou os SAS costumam ter estes contactos.
Dica #4 Trazer comida de casa
A lancheira está na moda e levar comida feita de casa sai muito mais barato. Vale a pena gastar tempo a escrutinar as promoções dos supermercados e os preços das “marcas brancas”. E fazer listas de compras ajuda a adquirir apenas o necessário. O Instituto Superior Técnico, por exemplo, captou a tendência e está prestes a abrir um espaço destinado a utilizadores de lancheiras.
Em caso contrário, as cantinas universitárias (ainda) servem refeições a bom preço (€2,15, na Nova ou no Minho; €2,3, em Aveiro; €2,4, na Técnica e na Universidade de Lisboa).
Muitas estão abertas ao jantar e, também, ao sábado. Se, mesmo assim, o orçamento não chegar, há quem distribua, gratuitamente, senhas de cantina (por exemplo, na Faculdade de Direito de Lisboa) ou cabazes de comida (Universidade do Algarve).
Dica #5 Negociar o pagamento das propinas
É possível pagar as propinas mensalmente (em vez de anual ou trimestralmente). Basta pedir e negociar com a universidade.
E se, num mês, houver um azar, existe sempre alguém pronto a auxiliar, solicitando um adiamento ou maior compreensão (ver Dica #1).
Todas as universidades têm subsídios ou bolsas para os alunos com maiores dificuldades. E, em alternativa ao empréstimo bancário, há o sistema de crédito com garantia mútua para universitários, que permite financiar os estudos superiores, beneficiando de uma caução do Estado. Este sistema, suspenso no início do atual ano letivo, acabou por ser reativado.
Dica #6 Reciclar material
Não é preciso comprar todos os livros nem tê-los novinhos em folha.
As edições (não muito) antigas são bastante mais baratas e os professores ajudam a identificar as diferenças. Os livros usados são, igualmente, uma solução na Faculdade de Direito de Lisboa, por exemplo, há vendas semestrais.
O recurso às fotocópias em que um livro de €60 passa a custar €15 é comum, mas…
ilegal. Em relação a roupa, a Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa até possui um banco, onde se emprestam fatos para exames ou entrevistas.
Dica #7 Aproveitar as ofertas da faculdade
Há bibliotecas ou espaços de estudo abertos fora de horas (no Técnico, por exemplo, uma sala está disponível 24 horas por dia).
Poupa-se na conta da luz e no acesso à net… Já na Faculdade de Direito de Lisboa há tutorias gratuitas (em formato de “explicações”, dadas por alunos mais velhos) e cursos de línguas a bom preço. E, também, bolsas de emprego para tarefas em escritórios, na biblioteca ou no apoio ao trabalho de docentes.
Um part-time pode ser uma boa solução para equilibrar as contas.
Mas cuidado com os trabalhos a tempo inteiro: o “deslumbramento com a independência financeira” pode levar à desistência dos estudos. Por outro lado, as universidades disponibilizam consultas médicas a preços acessíveis. E porque o entretenimento também é importante, as associações académicas, por vezes, têm bilhetes gratuitos para espetáculos ou jogos de futebol. É aproveitar.