Dentro de um ano, quem quiser utilizar redes sociais na Austrália tem de ter no mínimo 16 anos. A lei, pioneira no mundo, foi aprovada no Senado por 34 votos a favor e 19 contra, indo, assim, ao encontro da vontade da maioria da população. Segundo as sondagens mais recentes, 77% dos australianos estavam a favor de se restringir o acesso ao Instagram, TikTok, Snapchat, Reddit, X, Telegram e Facebook (o YouTube ficará de fora, porque não é preciso ter conta para aceder).
Em alguns estados norte-americanos e em vários países europeus existe legislação que implica o consentimento dos pais para os menores terem conta numa rede social (ver caixa). Mas nenhum tem – por enquanto? – uma proibição como a que foi decidida na quinta-feira, 29 de novembro.
A Austrália tem agora um ano para implementar a nova lei, sendo que ela não traz detalhes sobre a sua aplicação prática. Como é que se fará a verificação da idade? Especialistas, um pouco por todo o mundo, já questionaram a sua viabilidade técnica, alertando nomeadamente para o facto de as restrições poderem ser contornadas através de uma VPN (que mascara a localização do utilizador).
A decisão parece ser, para já, simbólica. E porque não? “Queremos que os nossos filhos tenham uma infância e que os pais saibam que os apoiamos”, disse o primeiro-ministro, Anthony Albanese, acusando as redes sociais de serem “uma plataforma de pressão social, uma fonte de ansiedade, um canal para os burlões e, o pior de tudo, uma ferramenta para os predadores online”.
ESTUDOS ALERTAM
A Meta, empresa-mãe do Facebook e do Instagram, já garantiu que irá respeitar a lei, lamentando não terem sido tidas em conta as suas iniciativas no sentido de “assegurar experiências adequadas à idade”. A Snapchat levantou dúvidas sobre como o limite de idade vai ser posto em prática, mas prometeu trabalhar com a Comissão Australiana de Segurança Eletrónica. E a TikTok teme que a proibição aumente o risco de os jovens recorrerem a plataformas alternativas perigosas.
A lei prevê multas para as plataformas, que podem atingir cerca de 30,5 milhões de euros. Afinal, estão em causa preocupações com a saúde mental e o bem-estar das crianças e dos adolescentes, esgrimiram os deputados australianos que votaram favoravelmente a nova lei.
O mesmo acredita a portuguesa Mariana Reis, cofundadora da Associação Mirabilis, que tem como missão alertar pais e educadores para o impacto dos ecrãs nos mais novos. “Aplaudimos a decisão da Austrália e queremos replicá-la rapidamente”, sublinha, “mas, para já, queremos pôr Portugal a pensar nisto, porque consideramos que uma medida de aumentar a idade de acesso às redes sociais deve ser acompanhada de uma campanha de sensibilização.”
Há muito que a comunidade científica alerta para os efeitos nefastos das redes sociais na adolescência. Basta garimpar um pouco para encontrar, já em dezembro de 2018, um estudo realizado por investigadores do ISPA – Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida, e publicado na revista International Journal of Psychiatry in Clinical Practice, concluiu que os jovens portugueses (entre os 16 e os 26 anos) que passavam muito tempo nas redes sociais se sentiam mais sozinhos.
No início de 2020, antes da pandemia, uma meta-análise levada a cabo no Toronto Western Hospital, publicada na revista Canadian Medical Association Journal, alertou a comunidade internacional ao demonstrar que as doenças mentais, os comportamentos autolesivos e as tentativas de suicídio tinham aumentado entre os adolescentes nos anos anteriores, devido ao uso de smartphones e de redes sociais.
Mas o maior espanto foi quando uma reportagem do The Wall Street Journal, de setembro de 2021, revelou que o dono do Instagram sabia do impacto negativo desta rede social. Estudos internos haviam já demonstrado que 32% das jovens se sentiam pior com o seu corpo ao usar o Instagram.
Em dezembro de 2022, um estudo realizado pela organização britânica Center for Countering Digital Hate tornava claro que o TikTok promovia a automutilação e distúrbios alimentares em adolescentes. Os participantes, oriundos da Austrália, Canadá, EUA e Reino Unido, tinham-se registado na rede social como tendo 13 anos, a idade mínima para criar uma conta.
É PROIBIDO PROIBIR?
Pela mesma altura, o último estudo da Organização Mundial de Saúde sobre a adolescência, o Health Behaviour in School-Aged Children, em que Portugal participa desde 1998, concluía que os adolescentes portugueses se sentiam mais infelizes do que nunca – e relacionava a maior sensação de infelicidade com o aumento da dependência das redes sociais.
Entre os 5 809 alunos do 6.º, 8.º e 10.º anos inquiridos, quase metade (47,6%) usara muitas vezes as redes sociais para fugir de sentimentos negativos e um quarto (19,9%) negligenciara outras atividades (passatempos, desporto).
Este ano, já foi realizada a recolha de dados para um subestudo e houve uma estabilização dos indicadores da saúde mental, “o que é bom”, diz a psicóloga Tânia Gaspar, coordenadora em Portugal da análise da OMS. “Mas houve um aumento da utilização das redes sociais, o que é natural porque os miúdos passaram a usar mais na pandemia.”
O que também não é obrigatoriamente mau, sublinha a diretora do Serviço de Psicologia Inovação e Conhecimento da Universidade Lusófona. “O aumento da utilização das redes sociais, só por si, não é um problema. Ela não é toda negativa. O grande problema é a dependência patológica. Se começarem a perder competências e a deixar de fazer outras atividades, aí, sim, ficamos preocupados.”
Não ter redes sociais também pode ser problemático no caso dos adolescentes, alerta a mesma psicóloga. “Na adolescência, o mais importante são os amigos, as redes são hoje um veículo de socialização e estar de fora torna-os infelizes. Estudámos recentemente miúdos sem acesso às redes sociais e esses são os que estão pior. A seguir, são os que passam lá 4 horas ou mais. O ideal é no meio.”
“As redes sociais são uma forma de comunicar, o equilíbrio é o mais importante. Elas podem ser mesmo prejudiciais, mas não é a tirar que se resolve o problema de se poder chegar à dependência”, defende Tânia Gaspar. “Deve-se fazer com moderação. Não impor, proibir. Nunca resultou com nenhum adolescente, porque eles conseguem sempre uma maneira de contornar.”
Como é na Europa
O governo francês está a tentar convencer os restantes países-membros da UE a encontrarem uma solução conjunta que funcione
PORTUGAL
A idade legal mínima para criar uma conta numa rede social é 13 anos
ESPANHA
O limite está nos 14 anos, mas a futura Lei Orgânica para a Proteção de Menores em Ambientes Digitais prevê aumentá-lo para os 16
ITÁLIA
Antes dos 14 anos, é preciso o consentimento dos pais
FRANÇA
Até aos 15 anos, os pais têm de consentir. Em abril, o Presidente, Emmanuel Macron, sugeriu estabelecer essa idade como “maioridade digital”, na União Europeia
BÉLGICA
Sem a autorização dos pais, só é possível criar uma conta a partir dos 13 anos
PAÍSES BAIXOS
Não existe idade mínima para a utilização das redes sociais
ALEMANHA
Os menores entre os 13 e os 16 anos só podem utilizar as redes sociais com o consentimento dos pais
NORUEGA
As crianças só podem criar uma conta numa rede social a partir dos 13 anos, mas o governo já se comprometeu a aumentar para os 15
DINAMARCA
A idade legal mínima é 13 anos, mas algumas escolas secundárias bloquearam redes sociais, jogos de vídeo e sites de compras e de transmissão de jogos