A juíza de instrução Sofia Pires admitiu, esta semana, voltar atrás na decisão que tinha tomado, em realizar o debate instrutório na Operação Marquês na parte que envolve apenas José Sócrates e o empresário Carlos Santos Silva, e enviar o caso para o juiz Ivo Rosa, regressado recentemente ao Tribunal da Relação de Lisboa, após baixa médica prolongada. Num despacho proferido esta semana, a magistrada referiu que a sua decisão, em 21 de junho, de avançar com o debate instrutório tinha sido proferida com base na informação de que o juiz Ivo Rosa se encontrava de baixa. “Poderá ter ocorrido uma alteração de circunstâncias que levaram à prolação daquele despacho, situação que importa clarificar”, escreveu Sofia Pires. Enquanto este debate decorre, há crimes de falsificação que prescrevem em agosto.
A posição da juíza de instrução surgiu na sequência de um requerimento apresentado pela defesa de José Sócrates, já depois da decisão de avançar para um novo debate instrutório desta parte do processo – que diz respeito a crimes de falsificação de documentos e branqueamento de capitais. No documento, avançado pela VISÃO, o advogado Pedro Delille garantia que Ivo Rosa teve alta na junta médica, já se encontrando ao serviço, no Tribunal da Relação de Lisboa.
Ora, em resposta, Sofia Pires concordou que Ivo Rosa, apesar de ocupar o lugar de juiz desembargador – é o juiz natural do processo, já que foi ele que, em 2021, proferiu a decisão instrutória que levou Carlos Santos Silva e José Sócrates a julgamento, arquivando os restantes crimes, entre os quais corrupção, uma decisão, entretanto, revogada pelo Tribunal da Relação de Lisboa. O problema prende-se com o facto de, descendo o processo à primeira instância, a lei obriga que o juiz que proferir a decisão instrutória tem que ser o mesmo que realizou o debate (alegações finais da fase de instrução).
“Contudo, por se verificar a impossibilidade” de lhe enviar o processo, como decidiu a 14 de maio a juiza Sofia Pires, “em virtude da sua ausência ao serviço”, a magistrada assumiu o encargo de “proferir nova decisão instrutória”. “A circunstância alegada pelo arguido é desconhecida e, a confirmar-se, será posterior ao despacho de 21 de junho. Ou seja, poderá ter ocorrido uma alteração das circunstâncias que levaram à prolação daquele despacho, situação que importa clarificar”.
Daí, antes de avançar com qualquer diligência, Sofia Pires pediu informações ao Conselho Superior da Magistratura sobre a situação de Ivo Rosa. Refira-se que, a 2 de julho a VISÃO adiantou que a defesa de José Sócrates sabia que Ivo Rosa tinha regressado ao trabalho. Mas só no dia 3 deste mês é que, pro despacho, a presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, fez constar só nesta data ter tido conhecimento desse facto, ordenando uma dominuição da distribuição de processos ao agora juiz desembargador.
A decisão de anular a pronúncia (ida a julgamento) de José Sócrates e do empresário Carlos Santos Silva por crimes de falsificação de documentos e branqueamento de capitais foi tomada em março pelo Tribunal da Relação de Lisboa. O acórdão determinou a remessa dos “autos ao tribunal de primeira instância a fim de ser proferida nova decisão instrutória”. Segundo as juízas desembargadoras Maria José Cortes, relatora, e Maria do Rosário Martins, juíza adjunta, “a nulidade em causa afeta e invalida a decisão instrutória de pronúncia em causa”.
José Sócrates foi acusado em 2017 pelo MP no processo Operação Marquês de 31 crimes, designadamente corrupção passiva, branqueamento de capitais, falsificação de documentos e fraude fiscal, mas na decisão instrutória, em 9 de abril de 2021, o juiz Ivo Rosa decidiu ilibar o antigo governante de 25 dos 31 crimes, pronunciando-o para julgamento apenas por três crimes de branqueamento de capitais e três de falsificação de documentos, juntamente com Carlos Santos Silva.