Quando, no dia 12 de abril, Ana Jorge saiu do ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, o cenário de demissão nunca lhe passou pela cabeça. De acordo com uma fonte próxima da ainda provedora da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), na conversa com a ministra Maria do Rosário Palma Ramalho, esta, “por duas vezes”, lhe transmitiu “confiança” para o mandato à frente da instituição.
Ainda assim, a nova ministra terá, de acordo com relatos recolhidos pela VISÃO, insistido com a necessidade de um plano de reestruturação urgente para a Santa Casa, dado o seu atual estado financeiro. Porém, de acordo com as mesmas fontes, Maria do Rosário Ramalho não terá feito depender a manutenção de Ana Jorge no cargo de provedora da apresentação de tal documento.
Certo é que, esta segunda feira, 29 abril, depois de ter sido contactada pelo gabinete da ministra, a provedora soube que seria demitida. Motivo? Simplesmente, o governo recorreu aos Estatutos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e invocou os motivos legais necessários para a destituição da provedora e da restante mesa: a “não prestação de informações essenciais ao exercício da tutela” e “atuações culposas ou gravemente negligentes que afetem a gestão ou o bom nome da SCML”.
As exigências legais foram transportas para o despacho que exonerou Ana Jorge, assinado pelo primeiro-ministro, Luís Montenegro, e por Maria do Rosário Ramalho. Ambos consideraram, como motivos para a demissão, “a não prestação de informações essenciais ao exercício da tutela, nomeadamente, a falta de informação à tutela sobre o relatório e contas de 2023, mesmo que em versão provisória, e sobre a execução orçamental do primeiro trimestre de 2024, bem como a ausência de resposta de todos os pedidos de informação até agora solicitados; “atuações gravemente negligentes que afetam a gestão da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, nomeadamente a ausência de um plano de reestruturação financeira, tendo em conta o desequilíbrio de contas entre a estrutura corrente e de capital, desde que tomou posse até agora”.
Em relação às contas, fonte da SCML adiantou que os documentos seguiram no próprio dia 29 para o ministério. Só não foram remetidas mais cedo, “porque está em curso uma auditoria do Tribunal de Contas aos exercício de 2021 e 2022, os quais têm impacto nas contas de 2023, e foi autorizado pelo anterior governo, com a concordância do Tribunal de Contas, a apresentação do documento relativo a 2023 até 30 de abril”, adiantou a mesma fonte, esclarecendo que a “atual ministra terá com certeza o despacho da sua antecessora que validou este procedimento”.
Entretanto, esta terça-feira, Ana Jorge enviou uma comunicação aos trabalhadores da Santa Casa, cujo teor indicia ter ficado surpreendida com a decisão do governo. “O comunicado emitido pelo Ministério do Trabalho é, pela forma rude, sobranceira e caluniosa com que justifica a minha exoneração, motivo para me sentir desiludida”, referiu a provedora, acrescentando: “Sempre achei e hoje mais do que nunca, que em política, tal como na vida, não vale tudo”.
Ana Jorge, tal como a ministra, deverá ser chamada ao Parlamento, adiantou que “a seu tempo e em sede própria, contarei a minha verdade”, a qual, segundo informações recolhidas pela VISÃO, pode estar a gestão do caso da “Santa Casa Global”, empresa criada para a internacionalização do jogo. É que nem a própria auditoria da BDO a todo o processo conseguiu, ao que a VISÃO apurou, ter acesso às contas das empresas compradas e criadas no Brasil, as quais foram financiadas através de garantias bancárias subscritas pela SCML. “São dados essenciais para se perceber o que aconteceu ao dinheiro”, refere outra fonte, adiantando que a Santa Casa já se constituiu como assistente no processo que investiga suspeitas de crimes nestes negócios.
Apesar de o primeiro-ministro ter negado qualquer ato de “saneamento político” com a decisão do governo, a oposição já anunciou pretender ouvir todos os envolvidos no Parlamento. Aliás, na passada semana, a Iniciativa Liberal deu um primeiro passo, pedindo a audição de todos os responsáveis pelo processo de internacionalização do jogo, o qual provocou um buraco nas contas que poderá ultrapassar os 50 milhões de euros. Na primeira reunião da Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, o PS invocou a figura do “adiamento potestativo” para a comissão não votar o requerimento.