Porque é que algumas crianças falam mais cedo do que outras? Os linguistas avançaram com explicações como o género, o estatuto socioeconómico da família, ou o número de línguas falado pelos pais. Ora, um novo estudo, publicado a 12 de dezembro no jornal científico Proceedings of the National Academy of Sciences, partiu da análise de cerca de 40.000 horas de gravações áudio de crianças de todo o mundo e chegou à conclusão de que, quando estão na primeira infância, falam mais quando os adultos ao seu redor são mais faladores, o que também lhes pode proporcionar um vocabulário maior no início da vida. Já fatores como a classe social parecem não fazer diferença, referem os investigadores.
Ao analisar amostras reais de línguas de seis continentes diferentes, o estudo fornece uma inovadora visão global do desenvolvimento da linguagem. A maioria dos estudos sobre aprendizagem de línguas concentrou-se em crianças de países industrializados ocidentais.
Para construir um conjunto de dados mais representativo, Elika Bergelson, psicóloga do desenvolvimento da Universidade de Harvard, juntamente com os seus colaboradores, vasculharam a literatura em busca de estudos que tivessem recorrido a pequenos gravadores de áudio que os bebés podem usar – por exemplo, enfiados no bolso de um colete – durante dias a fio. Esses dispositivos funcionam como uma espécie de “pedómetro de conversação”, com um algoritmo que estima o quanto o usuário fala, bem como a quantidade de linguagem que ouve no seu ambiente – dos pais, de outros adultos e até mesmo dos irmãos.
A equipa pediu a 18 grupos de investigação de 12 países se podiam compartilhar os dados dos dispositivos, e recebeu 2.865 dias de gravações de 1.001 crianças. Muitas delas, com idades entre 2 meses e 4 anos, pertenciam a famílias que falavam inglês, mas os dados também incluíam falantes de holandês, espanhol, vietnamita, finlandês, e outras línguas menos comuns. A combinação deu aos investigadores uma amostra mais poderosa e diversificada.
Se os adultos eram mais conversadores, os seus filhos também o eram: em média, as crianças falavam 27 vezes mais por hora por cada 100 vocalizações extras de adultos que ouviam. O número de vocalizações que as crianças fazem está intimamente ligado ao tamanho do seu vocabulário, observa a equipa.
O nível de educação da mãe – um parâmetro que permite avaliar a classe social – não teve qualquer influência na fala dos seus filhos, descobriram os investigadores. Ao mesmo tempo, não foi encontrada qualquer evidência de que os pais mais pobres falassem menos com os filhos.
Investigações anteriores podem ter sido tendenciosas ao analisar o vocabulário que geralmente é mais comum entre famílias com um estatuto socioeconómico mais elevado, mas crianças de famílias mais pobres podem conhecer palavras diferentes, sustenta Alex Cristia, coautora do estudo, cientista cognitiva do CNRS, a agência nacional de investigação francesa.
Ainda assim, seria precipitado concluir que a classe social não faz qualquer diferença, aponta Bergelson – ou que os programas linguísticos concebidos para ajudar os pais da classe trabalhadora, fornecendo conselhos e recursos sobre o desenvolvimento da linguagem, não valem a pena. Mais pesquisas poderiam ajudar a descobrir a eficácia de várias intervenções, conclui a psicóloga.
Para Michael Frank, cientista cognitivo da Universidade de Stanford que não esteve envolvido no estudo, mas prestou declarações à revista Science sobre o mesmo, há que estar atento às nuances da pesquisa. As descobertas não significam necessariamente que as crianças falam mais porque ouvem mais conversas, aponta. Podia ter-se concluído, adianta, que “os adultos [podem] responder mais às crianças que produzem mais linguagem”.
Segundo Elika Bergelson, os pais não deveriam sentir a necessidade de direcionar uma torrente de discursos para os seus filhos. Mas “é uma ótima ideia conversar, interagir e tratá-los como parceiros comunicativos”, afirma, “não porque espera que eles produzam mais discurso… [mas] para apoiá-los, amá-los e cuidar deles.”