Luís Newton, presidente da Junta de Freguesia da Estrela, em Lisboa, deu emprego a três familiares de Heitor Brandão, suspeito de ser um dos maiores narcotraficantes a atuar em Lisboa – e que, ontem, foi detido pela Polícia Judiciária (PJ) no âmbito da Operação Origami.
Sara Brandão, cunhada de Heitor, entrou naquela autarquia em fevereiro de 2017, através de um ajuste direto para “atendimento e esclarecimento ao público”. No portal dos contratos públicos, a Junta da Estrela justificou a contratação do serviço – por nove mil euros, com a “ausência de recursos próprios”.
Leonid Brandão e Karine Brandão, respetivamente sobrinho e irmã do suspeito, passaram a trabalhar naquela Junta entre janeiro e fevereiro de 2021. O primeiro chegou a ser selecionado para entrevistas, no âmbito de um concurso aberto em 2019, mas acabaria excluído por ter faltado a esta etapa. Posteriormente, em janeiro de 2021, a Junta de Freguesia contratou os seus serviços, por ajuste direto, para prestar “serviços de apoio operacional no âmbito do gabinete de administração geral”. Uma vez mais, foi alegada a “ausência de recursos próprios” e foram pagos 10.800 euros.
Leonid Brandão viria, em dezembro de 2022, a ser contratado diretamente pela Junta da Estrela através de um “contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado” na categoria de Assistente Operacional. Após o período experimental, o sobrinho entrou, em agosto deste ano, definitivamente para o quadro da função pública.
Por sua vez, Karine Brandão – atualmente vogal da Comissão Política Concelhia do PSD/Lisboa – também teve um percurso idêntico ao de Leonid: em 2017, começou no “serviço de atendimento e esclarecimento ao público” (oito mil euros); três anos depois, novo ajuste direto, por cinco mil euros, na Academia Estrela; seguiu-se um terceiro ajuste direto, por 10.800 euros, para o “apoio administrativo ao gabinete de administração geral” da autarquia; por fim, já em 2022, um novo ajuste direto, 5.400 euros, para novo apoio administrativo, uma vez mais por “ausência de recursos próprios”.
Já este ano, durante o mês de setembro, Karine Brandão entrou para o quadro da autarquia, por ter concluído com sucesso o período experimental do contrato para a categoria de Assistente Técnico.
Os três ajustes diretos foram sempre feitos em anos de eleições autárquicas (2017 e 2021).
A ligação entre Luís Newton e a família Brandão existe, aliás, há pelo menos uma década. Heitor Brandão apoiou a primeira candidatura de Newton à Junta de Freguesia, nas autárquicas de 2013, na coligação PSD/CDS-PP “Sentir Lisboa”, liderada por Fernando Seara. O suspeito chegou mesmo a posar num cartaz de campanha (ver imagem acima).
Recorde-se que a PJ deteve, ontem, Heitor Brandão, de 45 anos, quando este se encontrava no café de que é proprietário, na Rua Possidónio da Silva, em Lisboa. O luso cabo-verdiano é suspeito de ser um dos principais narcotraficantes a atuar na capital portuguesa, e de ser o “herdeiro” das rotas marítimas de tráfico de cocaína que ligam Portugal e a América do Sul, alegadamente controladas por Xuxas, o “narco” português que se supõe ter ligações a Major Carvalho (atualmente detido na Bélgica), adianta, esta quarta-feira, o Correio da Manhã.
Além deste suspeito, foram ainda detidos o sogro (conhecido por “Frances”) e o cunhado de Heitor Brandão, que se chama Márcio Marujo, e que é o quarto trabalhador daquela Junta com ligações ao suposto líder do tráfico (era fiscal na autarquia). Ambos são cidadãos portugueses.
A VISÃO tentou obter esclarecimentos junto de Luís Newton, mas, até ao momento, o presidente da Junta de Freguesia da Estrela ainda não respondeu às tentativas de contacto. Numa primeira reação à comunicação social, Newton negara qualquer proximidade com o suspeito ou com a família Brandão.
“Eu sou presidente da Junta há 10 anos, claro que em 10 anos ouvi muitos rumores, inclusive a ligação do Heitor à droga. Mas sempre foram só rumores. Não sabia de nada, nunca vi nada. Não é meu amigo, tínhamos apenas ligações institucionais por eu ser presidente da Junta e ele presidente de uma coletividade [o Sporting União Fonte Santense]”, disse Luís Newton ao CM.
O autarca omitiu, porém, as contratações pela Junta dos quatro familiares do alegado narcotraficante. E, nas redes sociais, é também possível confirmar a proximidade entre Luís Newton e o próprio Heitor Brandão, em diversos eventos particulares (ver galeria abaixo). As trocas de mensagens de apoio mútuo tornar-se-iam habituais ao longo dos anos.
Em comunicado, divulgado ao início da noite de terça-feira, a PJ anunciou que, no âmbito desta operação – designada Origami –, foram identificadas “três situações de transporte de cocaína dissimulada no casco de navios”. “A investigação deste grupo organizado, com caráter transnacional, que se dedicava reiteradamente à introdução de elevadas quantidades de cocaína provenientes da América do Centro, nomeadamente do Brasil, até ao continente europeu, iniciou-se em França e decorre desde o início de 2022”, lê-se na nota.
Durante a investigação, foram ainda desenvolvidas e executadas diversas diligências que já tinham permitido apreender cerca de 288 quilos de cocaína e 125 mil euros, anunciou a PJ. A investigação prossegue agora titulada pelo DIAP da Amadora “com a finalidade de identificar e deter outros presumíveis autores”, informou ainda a polícia PJ.
Os detidos serão ainda hoje ouvidos em tribunal.