Comida salgada pode ser intragável para o paladar e deveras prejudicial à saúde, mas pratos insossos também são um verdadeiro desconsolo. O curioso é que uma e outra situação não são avaliadas da mesma forma pelo nosso paladar: existem no corpo humano dois sistemas distintos que detetam níveis diferentes de sal. Um é mais sensível para as doses relativamente baixas de sal, como quando polvilhamos as batatas fritas, tornando-as uma perdição; o outro está reservado para a quantidade de sal que nos leva a fazer caretas à mesa e a devolver a travessa à cozinha.
Há mais conhecimento sobre o recetor de baixa quantidade de sal, enquanto a descrição completa do recetor de alta quantidade de sal continua atrasada, assim como a compreensão de quais as células das papilas gustativas para cada detetor.
“Ainda existem muitas lacunas no nosso conhecimento, especialmente no sabor do sal. Diria que é uma das maiores lacunas. Faltam sempre peças no puzzle”, afirma Maik Behrens, investigador de sabor no Instituto Leibniz de Biologia de Sistemas Alimentares da Universidade Técnica de Munique, na Alemanha, à Knowable Magazine.
A dupla perceção das pessoas face ao sabor salgado ajuda a encontrar o equilíbrio no consumo de cloreto de sódio, necessário para o funcionamento dos músculos e dos nervos, mas perigoso quando ingerido em grandes quantidades.
A Organização Mundial de Saúde recomenda o consumo de 5 gramas de sal por dia para um adulto (uma colher de chá rasa) e 3 gramas diárias para as crianças. Em média, os portugueses consomem 10,7 gramas de sal por dia (estudo PHYSA), o que corresponde ao dobro do recomendado, segundo a Sociedade Portuguesa de Hipertensão.
A boa notícia é que o corpo gere a quantidade de sódio expelida pela urina e controla a quantidade que entra pela boca.
“É o princípio Goldilocks: não se quer muito, nem se quer pouco. É preciso a quantidade certa”, exemplifica Stephen D. Roper, neurocientista da Faculdade de Medicina Miller da Universidade de Miami, nos EUA.
Quando um animal ingere muito sal, o corpo tenta compensar retendo água para que o sangue não fique muito salgado. Em muitas pessoas, esse volume extra de líquido aumenta-lhes a pressão arterial. O excesso de líquidos também sobrecarrega as artérias e, com o tempo, pode danificá-las, criando o cenário ideal para doenças cardiovasculares, entre outras.
Mas, de que modo o nosso organismo beneficia com o tempero do sal? É necessário para transmitir os sinais elétricos subjacentes aos pensamentos e sensações, por exemplo. E défice de sódio pode causar cãibras musculares e náuseas – razão pela qual os atletas bebem bebidas desportivas específicas para repor o sal perdido através do suor.
Os investigadores que procuram recetores para o sabor do sal já sabem que o corpo humano possui proteínas especiais que atuam como canais para permitir que o sódio passe através das membranas nervosas, para enviar impulsos nervosos. Contudo, pensaram que as células da boca devem ter alguma forma extra de responder ao nível de sódio dos alimentos.
Na década de 1980 surgiu uma pista, quando os cientistas experimentaram um fármaco que impede a entrada de sódio nas células renais. Esse fármaco, aplicado na língua dos ratos, impediu a sua capacidade de detetar estímulos salgados. Como as células renais usam uma molécula específica (ENaC) para absorver o sódio extra do sangue e ajudar a manter os níveis adequados de sal no sangue, a descoberta sugere que as células das papilas gustativas que detetam o sal também usam a ENaC.
Para demonstrar isso, os investigadores criaram ratos sem o canal ENaC nas papilas gustativas e concluíram, em 2010, que as cobaias perderam a sua preferência normal por soluções ligeiramente salgadas.
“O que é importante é o que é enviado ao cérebro”, justifica Nick Ryba, neurocientista do Instituto Nacional de Pesquisa Dentária e Craniofacial em Bethesda, Maryland, envolvido numa pesquisa que relacionava a molécula ENaC ao sabor salgado.
Era preciso perceber onde o sinal começava na boca, para compreender a sua transmissão. A ENaC é composta por três peças diferentes e, embora sejam individuais e encontradas em vários locais da boca, os cientistas tiveram dificuldade em encontrar células que contivessem as três.
Em 2020, uma equipa liderada pelo fisiologista Akiyuki Taruno, da Universidade de Medicina da Prefeitura de Quioto, no Japão, anunciou que tinha identificado as células sensíveis ao sódio. Encontraram um conjunto de células desse tipo dentro das papilas gustativas, isoladas da parte média da língua dos camundongos, e descobriram que estas fabricavam os três componentes do canal de sódio ENaC.
Mas, sobre como exatamente o cloreto de sódio pode causar o sabor salgado, “ninguém tem uma ideia clara”, diz Stephen D. Roper.
Em 2013, eis uma nova pista derivada de um trabalho de Nick Ryba: um ingrediente do óleo de mostarda reduziu o sinal de alto teor de sal na língua dos ratos e eliminou quase, completamente, a resposta da língua ao sabor amargo, como se o sistema de deteção de alto teor de sal dependesse do sistema de sabor amargo.
As células com sabor azedo também respondem a altos níveis de sal. Os ratos sem um ou outro dos sistemas de sabor amargo ou azedo ficaram menos desanimados com água extremamente salgada, enquanto aqueles que não tinham ambos bebericaram alegremente a água salgada.
A confirmarem-se estas descobertas é preciso responder a outra pergunta: porque é que o sabor demasiado salgado não tem também um paladar amargo e azedo? Pode ser porque o sabor excessivamente salgado é a soma de vários sinais e não apenas de um input, na opinião de Michael Gordon, neurocientista da Universidade da Columbia Britânica em Vancouver, coautor, com Akiyuki Taruno, de uma análise do conhecido e desconhecido do sabor salgado na Revisão Anual de Fisiologia de 2023.
O futuro passa por desenvolver alternativas melhores ao sal ou intensificadores de sabor que criem aquele sabor delicioso sem riscos para a saúde. Para já existe salicórnia, gomásio (“sal de sésamo”), algas marinhas, ervas aromáticas, especiarias.