Os portugueses estão a ler mais livros. Isso ficou provado em agosto deste ano, graças a um estudo promovido pela Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL) e realizado pela GfK. Os dados indicaram que 62% dos inquiridos compraram livros no último ano, sendo que, destes, 70% afirmaram que compraram o mesmo total ou mais livros do que no ano anterior. Estes dados contrastam com o Inquérito às Práticas Culturais, realizado em 2020 pelo Instituto de Ciências Sociais, que indicava que 61% dos portugueses não tinham lido qualquer livro nesse último ano. O estudo provou ainda que o setor está a ser impulsionado pelos leitores jovens, com os inquiridos entre os 15 e os 34 anos entre os que mais compraram livros no último ano.
O crescimento do setor está comprovado e anima as editoras e livreiros. Mas que livros então a conquistar os leitores nacionais? Quais as preferências dos portugueses e como está a o mercado a adaptar-se às exigências atuais?
Conversámos com representantes de quatro editoras nacionais sobre as mudanças registadas, os géneros mais procurados, as formas como se adaptaram às novas exigências e as expectativas para o próximo ano.
As editoras sentem que os portugueses estão a ler mais?
Pedro Sobral, diretor geral do Grupo LeYa, confirma-nos os dados do estudo da APEL. “O mercado cresceu a dois dígitos nos últimos dois anos comparado com 2019 e neste momento continua a apresentar um crescimento de 5%”. Também Sofia Monteiro, diretora editorial do Grupo Planeta, confirma a subida na procura de livros, mas recorda que o mesmo estudo indica que “Portugal continua a ser o país da Europa que menos lê”.
Luís Corte Real, fundador e editor do Grupo Saída de Emergência, destaca o interesse dos mais jovens pela leitura, e como isso moldou a oferta: “O que sentimos, sobretudo, é que há um novo tipo de leitor, mais jovem, o que faz com que os géneros direcionados a esse público tenham aumentado consideravelmente a procura”. Uma opinião partilhada por Tânia Raposo, editora-adjunta da Editorial Presença, que também destaca a importância do público mais jovem “nos últimos dois anos” e diz que isso “não é exclusivo do nosso país, uma vez que vários mercados estrangeiros têm tido o mesmo tipo de indicadores nesta categoria”. A representante da Presença garante ainda que isso cria uma “expectativa mais otimista sobre o livro e a leitura em Portugal, a médio e longo prazo”.
Quais os géneros mais procurados?
Cada editora com que entrámos em contacto regista tendências de procura semelhantes, ainda que a especialização de cada uma acaba por ser diferenciadora.
O interesse do público mais jovem levou ao aumento da procura de títulos de ficção direcionada para essa faixa-etária. Tânia Raposo explica que na Presença há uma preocupação em apresentar uma “oferta mais diversificada” dentro da categoria jovem-adulto. Já na Planeta há uma “uma forte procura por temas de não ficção, nomeadamente desenvolvimento pessoal, bem estar e espiritualidade”, conta-nos Sofia Monteiro, que destaca os autores Sofia Castro Fernandes, Joana Gentil Martins, Alexandre Monteiro e Bárbara Barroso.
O Grupo Saída de Emergência assume que é “uma referência na literatura fantástica, ficção científica, terror”, mas Luís Corte Real explica que existe uma procura crescente de títulos de não-ficção, como a biografia de Genghis Khan e a do Cardeal Richelieu.
Por outro lado, a LeYa regista uma maior procura de “ficção, ficção infanto juvenil e literatura”, com destaque para os “autores portugueses”, como nos explica Pedro Sobral, que dá o exemplo de Rodrigo Guedes de Carvalho ou Lídia Jorge.
Que cuidados há com o lançamento de um livro que anteriormente não eram tão relevantes?
Um mercado mais moderno e um público mais jovem provocou algumas alterações. O diretor geral da LeYa enaltece a pré-venda como “fundamental” para o lançamento de um livro. “É preciso ir criando espaço mesmo antes do livro estar disponível nas livrarias, nomeadamente no online, onde a visibilidade que tem vai depois verter em vendas”, conta Pedro Sobral.
Já o fundador da Saída de Emergência destaca a imagem do próprio livro. “Tentamos sempre traduzir na capa o conteúdo do livro; claro que, muitas vezes, sobretudo agora que se vendem cada vez mais livros em inglês, é usual mantermos as capas originais, e até os títulos, para que haja uma identificação imediata. Criámos, também, uma iconografia que consta nas nossas contracapas, que identifica logo o género (ou géneros) de cada livro”, explica Luís Corte Real.
O que mudou na comunicação com os leitores?
A presença das editoras nas redes sociais é essencial para a comunicação com os seus leitores. Isso permite um contacto mais direto e próximo, como todos os entrevistados enaltecem. “Esta interação é muito positiva e responsabiliza ainda mais o editor, permitindo-nos procurar acolher pontos de vista cada vez mais diversos e inclusivos e disponibilizar edições em que a qualidade de conteúdo e materiais vá ao encontro da exigência de quem lê”, salienta Tânia Raposo.
Sofia Monteiro explica que os influenciadores digitais têm um papel importante para a “divulgação e recomendação de livros”: “É, sem dúvida, uma nova forma de comunicar com o nosso público, daí que no plano de marketing tenhamos sempre uma parte dedicada ao marketing digital”. O uso do vídeo nas redes sociais dá maior destaque aos livros e escritores, diz-nos Pedro Sobral, que nos explica que essa ferramenta é usada nas redes sociais da LeYa e se reflete no sucesso da divulgação de um título e no tempo em que este fica na livraria.
Além das redes sociais, Luís Corte Real conta que a Saída de Emergência tem criado outros canais de comunicação com os seus leitores. É o caso do “Clube de Emergência” ou do podcast “Bangcast”.
O ebook já ganhou espaço em Portugal?
“Sim, ainda que seja um espaço que está a crescer muito lentamente. O livro em papel tem, ainda, um valor real e simbólico que é percecionado como sendo superior ao livro digital”, explica Luís Corte Real, enquanto Pedro Sobral explica que os ebooks “não representam 1% do mercado total”. Tânia Raposo afirma que são “as gerações mais novas” as que mais procuram este formato e Sofia Monteiro admite que “ainda há um longo caminho a percorrer” para se chegar aos valores de outros mercados onde este formato está mais implementado.
Quais as expectativas para 2024?
Perante os dados animadores que provam o aumento da procura de livros, as editoras olham com esperança para o próximo ano. “Na Planeta queremos continuar a crescer, a tentar criar novos conceitos, novos livros que vão ao encontro dos gostos e interesses dos consumidores”, deixa antever Sofia Monteiro, enquanto Tânia Raposo conta que a Presença acredita “que a tendência de crescimento do mercado pode manter-se”. Já Pedro Sobral apresenta uma visão mais cautelosa ao esclarecer que tudo depende “muito do cenário macro económico” e admitindo que acredita num crescimento “com taxas menores que as de 2023”.
A Saída de Emergência é otimista, com Luís Corte Real a dar a conhecer que a editora pretende apostar na produção portuguesa. “Vamos publicar um número elevado de autores nacionais, algo inédito no nosso catálogo, daí que tenhamos criado uma marca, ‘eu amo autores portugueses’. Pretendemos levar aos leitores novas vozes nacionais, da literatura romântica à história alternativa, do thriller à literatura erótica, e até não-ficção. O que têm em comum? São autores portugueses que escrevem muito bem e merecem uma oportunidade. Isto, claro, sem descurar os autores portugueses que já fazem parte da nossa história”.