A associação entre o consumo de vinho e as enxaquecas não é de hoje. E não estamos a falar da dor de cabeça que muita gente tem durante a chamada fase de ressaca. Mas sim daquelas que surgem logo durante as primeiras três horas após alguém ter bebido apenas um copo de vinho.
Desde a antiguidade que se sabe que o vinho pode ser um fator desencadeante das enxaquecas. A referência mais antiga às dores de cabeça provocadas pelo álcool terá sido feita pelo estudioso romano Aulo Cornélio Celso (25 a.C.-50 d.C.), que escreveu na sua enciclopédia De Res Medicina que a dor pode ser “contraída ao beber vinho”.
Seis séculos mais tarde, também o médico grego Paulo de Égina (625-690 d.C.) iria incluir o consumo de vinho como fator desencadeante da enxaqueca, enuncia Alessandro Panconesi, médico especialista em cefaleias, num estudo em que lembra como a enxaqueca alimentar (provocada por alguns alimentos como queijo, chocolate, citrinos ou bebidas alcoólicas) foi descrita pela primeira vez há mais de duzentos anos, por John Fothergill (1712-1880), um médico inglês que ficaria conhecido pelas suas investigações sobre a nevralgia do trigémio.
Desde então, a dor de cabeça como reação rápida ao consumo de bebidas alcoólicas tem sido constantemente estudada – sobretudo no caso do vinho tinto. Porém, sem nunca se conseguir explicar por que razão ele é um catalisador.
“Este quebra-cabeças existe há literalmente milhares de anos”, disse o neurologista Morris Levin, diretor do Centro de Dor de Cabeça do Centro Médico da Universidade da Califórnia, em São Francisco, nos Estados Unidos. “Há muitos ingredientes no vinho que podem causar dor de cabeça, e não menos importante é o próprio álcool.”
Morris Levin é um dos autores de um novo estudo, preliminar, publicado esta semana na revista Scientific Reports, que propõe uma nova teoria: um determinado antioxidante encontrado na casca da uva afeta a forma como o corpo processa o álcool, levando à acumulação de um subproduto tóxico que provoca dores de cabeça.
Maldita quercetina
Nas últimas décadas, os cientistas começaram por apontar baterias às alergias, no fundo como já antes fizera Fothergill, ao descrever aquilo a que chamou de enxaqueca alimentar. Algumas pessoas serão sensíveis às histaminas que existem em alimentos fermentados, como é o caso do vinho. Mas uma meta-análise de estudos não encontrou nenhuma diferença nas reações de pessoas a um copo de vinho tinto com níveis baixos e altos de histaminas, ou quando tomaram um anti-histamínico antes de beberem.
Os sulfitos, que são um tipo de conservante encontrado no vinho, também costumam ser apontados como os grandes culpados das alergias. Mas, uma vez mais, não existem estudos a comprovar que eles podem provocar dores de cabeça.
A teoria mais bem acolhida atualmente aponta o dedo a um grupo de químicos conhecidos como polifenóis, que inclui os taninos e os antioxidantes presentes nos vinhos tintos. Sim, os também infames taninos de que tanta gente se queixa. E, sim, alguns antioxidantes habitualmente aplaudidos por lutarem contra o envelhecimento das células.
Mas como explicar que outras bebidas e alimentos, como o chá, os frutos vermelhos ou o chocolate, contêm igualmente níveis elevados destes químicos, mas não são catalisadores de enxaquecas?
O que este novo estudo vem sugerir é que as dores de cabeça provocadas pelo vinho tinto podem ser causadas por uma combinação de álcool e de um determinado antioxidante: a quercetina.
Vai um branco ou um rosé?
Para poderem formular esta hipótese, Morris Levin e os seus colegas começaram por procurar uma causa conhecida de dores de cabeça induzidas pelo álcool: uma variante genética que é comum nas pessoas de ascendência asiática oriental e que lhes provoca dores de cabeça, rubor e náuseas no caso de beberem álcool.
Essa variante interfere com a forma como o corpo processa o álcool, levando à acumulação de um composto nocivo chamado acetaldeído, explicou ao The New York Times Lara Ray, professora de Psicologia da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, especializada em distúrbios relacionados com o consumo de álcool, que não esteve envolvida no estudo. “Em pequenas quantidades, conseguimos lidar” com o acetaldeído sem nos sentirmos mal, mas quando o álcool não é metabolizado corretamente, “o corpo mostra esta resposta adversa”, frisou.
Os investigadores propuseram-se, então, a encontrar um composto no vinho tinto que pudesse impedir esse processo de forma semelhante. Em testes laboratoriais, descobriram que era o caso da quercetina, um antioxidante produzido pelas uvas quando são expostas à luz solar. “É como se fosse um protetor solar para as uvas”, comparou Andrew Waterhouse, professor emérito de Enologia na Universidade da Califórnia, Davis, e um dos autores do estudo.
O que falta agora é passar do laboratório para o corpo humano. E comparar as reações das pessoas a vinhos com alto e baixo teor de quercetina.
Enquanto isso não acontece, não faltam as “receitas” para contornar essa causa-efeito temida por tanta gente. Quem já sabe que costuma ficar com dor de cabeça depois de beber vinho tinto pode tomar um analgésico antes, para prevenir.
Outra solução será optar pelo vinho branco ou rosé. Porque todas as uvas têm quercetina, mas nos brancos e nos rosés a pele é retirada imediatamente após o esmagamento da fruta. Liberta-se, por isso, menos quercetina para o vinho.