Depois de passar os olhos pela galeria de fotografias antigas, muito antigas, e pelas legendas assinadas pelo autor, leia a entrevista em que o jornalista Eduardo Cintra Torres fala do processo de investigação para os livros que completam a História da Publicidade em Portugal, acabados de editar pela Fundação Amélia de Mello.
O seu livro começa na Idade Média. Foi aí que nasceu a publicidade em Portugal?
Já existia, se considerarmos a atividade de publicitar de um para muitos, envolvendo uma transação comercial. Tratava-se de pessoas que queriam vender um boi, tecidos, livros ou outros bens de uma loja. O que ainda não havia era empresas ou marcas. Data do século XIV o primeiro documento sobre o assunto.
Que documento é esse?

Um registo de como se processavam essas transações. Neste caso específico, é de 1357, da Câmara de Évora, e é mais do que suficiente para comprovar que a atividade já existia. Também encontrei outro documento da Santa Casa da Misericórdia que descreve como eram os leilões de bens doados.
Como se anunciava nessa altura?
Através de pregões, oralmente. Existiam funcionários públicos que recebiam uma comissão quando apregoavam bens privados para venda. Os pregoeiros oficiais chegaram até ao século XIX. Na verdade, ainda há pregões, quando, por exemplo, nos chamam para dentro de um restaurantes ou ouvimos os vendedores nas feiras.
Quais eram os suportes mais comuns?
Tabuletas e letreiros que anunciavam locais de consumo, hospedarias ou outros negócios.
Como ainda hoje se faz…
Sim, isso vem da Idade Média, são dos meios mais antigos de publicidade. Até encontrei um texto ficcional do escritor Alexandre Herculano a descrever uma tabuleta. Também já existiam cartazes, de pequenas dimensões, em locais públicos. As principais esquinas das paredes eram os sítios mais procurados, assim como as igrejas.
Qual o registo mais antigo de um cartaz?
É de 1640, da Inquisição de Coimbra, a condenar a leitura dos Lusíadas, de Luís de Camões. Nele, pedia-se que não se lesse nem se ouvisse ler, uma atividade comum na época. Alertava para “cousas indecentes, escandalosas e ofensivas”.
De quando data o primeiro anúncio impresso?
O primeiro de que há registo é de 1715 e saiu na Gazeta de Lisboa, um jornal ao serviço da corte e do rei, e anunciava os serviços de um professor francês acabado de chegar à capital. Nele, escreveu-se que o seu método de ensino era “muito fácil” e “muito rápido” e destinava-se a “toda a sorte de pessoas”. Esta divulgação chegou a milhares de pessoas – bastante diferente de andar de porta em porta ou a apregoar na rua como até então.
Porque fez dois livros em separado?
Quando comecei a pesquisar, constatei que não existia nenhuma obra com esta história, apenas livrinhos ou estudos parciais. E por gosto pessoal, não queria que o meu livro fosse daqueles com imagens pelo meio. E sendo a publicidade um meio altamente visual, consegui convencer a Fundação Amélia de Mello que o ideal seria fazer dois volumes diferentes. O de texto tem 1136 páginas sem fotografias. No álbum, reuni mais de 700 imagens, das milhares que recolhi durante a pesquisa.
Demorou cinco anos a recolher informação. Por onde andou?
Andei por cerca de 50 arquivos, mas 30 a 40% do tempo foi passado na Biblioteca Nacional, porque tem lá toda a Imprensa e uma excelente coleção de iconografia e muitos cartazes antigos. Não tive dificuldade em encontrar e conseguir estes materiais gráficos. Tive, aliás, uma excelente receção nos arquivos em que pesquisei, quer públicos, quer privados.
Como organizou esta história?
Os meus cinco capítulos, repartidos por datas, nada têm a ver com a História política do País nem se relacionam com cortes importantes, porque as realidades não são coincidentes. Por exemplo, antes ou depois do 25 de Abril os anúncios eram do mesmo género do que se produzia em França ou Inglaterra, países sem ditadura. A censura na publicidade era residual. As agências eram as mesmas e os publicitários também não mudaram. Só a crise de 1975 afetou de alguma forma a publicidade.
Há alguma exceção a isso?
Sim, o meu primeiro capítulo, que começa, como já se disse, na Idade Média, acaba em 1820, na Revolução Liberal, por que essa, sim, teve impacto na prática publicitária. A liberdade de Imprensa provocou uma explosão de jornais, por exemplo.
Nas suas pesquisas confirmou que o slogan “primeiro estranha-se, depois entranha-se” é de Fernando Pessoa e serviu para anunciar a Coca-Cola?
É tudo verdade. Fernando Pessoa era um empregado comercial, que trabalhava para várias empresas, e também fazia anúncios. Mas, segundo testemunhos da época que lhe atribuíram a autoria, o texto não é exatamente assim, foi entretanto adaptado por alguém e sobreviveu até hoje. O anúncio ao “refresco americano” faz parte de uma série, que começou a ser publicada a 9 de julho de 1927, em que se realçava o facto de já se poder tomar a célebre bebida americana em lugares de luxo. Finalmente, no dia 16 de julho, Pessoa terá escrito, num anúncio de pequeníssimas dimensões: “No primeiro dia: Estranha-se. No quinto dia: Entranha-se.” Pouco tempo depois, a bebida foi proibida em Portugal.

Porque tem uma ideia desencantada da publicidade atual?
A publicidade desenvolveu-se como um sistema de comunicação baseado nas agências. Foi-se criando um modelo, que hoje se encontra manco, por causa da muito grande intervenção dos clientes no processo criativo. Perdeu-se a magia de através de uma narrativa ficcional apresentar produtos reais. Por outro lado, o público desencantou-se com os anúncios mais diretos e agressivos. A psicologia coletiva alterou-se e hoje prefere-se ver um produto nas mãos de uma influencer, que não usa o verbo comprar.
Há menos liberdade criativa?
Faz-se publicidade para os amigos, os mais velhos não percebem as mensagens, fala-se muito “à urbano”. Os anúncios perderam a graça, já nada nos espanta. Tornaram-se surpreendentemente banais e desinteressantes. O problema é dos clientes – os criativos sentem-se esquartejados na sua criatividade. Hoje, há menos liberdade criativa do que nos anos 1960, 1970 ou 1980. Isto não é uma opinião, está documentado. Para este livro, fiz 26 entrevistas a profissionais do meio, que trabalharam em publidade desde 1950, e eles balizaram esta ideia.