Há mais de uma década que os investigadores do Centro de Ecologia e Conservação da Universidade de Exeter, na Cornualha, que se dedicam ao estudo do comportamento e da cognição de corvídeos, vão colecionando surpresas junto de três colónias de gralhas-de-nuca-cinzenta (Corvus monedula) da região.
A surpresa mais recente surgiu quando os cientistas apresentaram às aves uma tarefa em que o acesso a deliciosas minhocas de farinha dependia dos indivíduos que as visitavam em grupo. Embora elas tenham trocado rapidamente de amigos para obterem as melhores recompensas, mantiveram-se fiéis aos seus filhos, irmãos e parceiros de acasalamento, independentemente do resultado.
Já se sabia que as gralhas são gregárias e formam pares para toda a vida. O que não se sabia é que seriam capazes de renunciar a potenciais benefícios a curto prazo para manterem as suas relações com indivíduos percecionados como valiosos a longo prazo.
Nesta experiência, distribuíram-se aleatoriamente as gralhas por dois grupos (A ou B) e foram programados dois comedouros automáticos de deteção de chips para fornecerem minhocas de farinha apenas se os indivíduos do mesmo grupo (AA ou BB) visitassem juntos. Se aves de grupos diferentes chegassem juntas (A com B), os comedouros permaneceriam fechados. As aves solitárias receberiam cereais, mas não as mais apetecidas minhocas.
“A ideia era descobrir se [as gralhas] conseguiam reajustar as suas relações sociais. Podem ter amigos no grupo errado, mas deixam-nos e começam a conviver com indivíduos que estão no grupo certo?”, explicou Alex Thornton, professor de evolução cognitiva, na apresentação do estudo.
ESTRATEGAS
“As gralhas revelaram-se muito estratégicas, aprendendo rapidamente a livrar-se dos amigos do outro grupo para obterem as melhores recompensas. No entanto, abriram uma exceção quando se tratava das suas relações próximas, mesmo que não recebessem nada.”
“A ideia fundamental”, continuou o mesmo investigador, “é que, se precisarmos de manter um registo das interações que tivemos com outros indivíduos, devemos recordar os resultados dessas interações e utilizá-los para ajustar o nosso comportamento. O que pudemos fazer no estudo foi testar a ideia: será que os indivíduos conseguem acompanhar os resultados das interações passadas e atualizar as suas relações?” Sim, é possível.
“Uma vez que os parceiros de acasalamento têm um forte interesse na aptidão um do outro, podem ser mais constrangidos a associar-se do que em espécies com elevados níveis de acasalamento extra-par ou de re-acasalamento”, escrevem os investigadores. “Além disso”, notam, “a associação contínua entre irmãos juvenis, bem como entre os pais e as suas crias, é comum nas gralhas durante os meses que se seguem à saída dos juvenis do ninho.”
ALTAMENTE SOCIÁVEIS
O estudo, conduzido por Michael Kings e Josh Arbon, sob a supervisão de Alex Thornton, foi realizado no âmbito de um projeto que recorre a três colónias com mais de 2 500 gralhas selvagens, desde 2012.
“As gralhas são corvídeos altamente sociáveis, que se reproduzem em colónias, o que as torna ideais para a investigação cognitiva. Têm também a vantagem prática, em relação a outras espécies de corvídeos, de aceitarem caixas de nidificação, pelo que podemos monitorizar o seu sucesso reprodutivo”, explica-se no site do projeto.
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O projeto incorpora mais de uma centena de caixas-ninho em três colónias diferentes de gralhas da Cornualha, cujos indivíduos são reconhecíveis através de anilhas coloridas e de chips. Além da evolução das relações sociais e da cognição das gralhas, os investigadores estão a estudar os efeitos da aprendizagem social no comportamento individual e de grupo, o comportamento coletivo em grupos heterogéneos, as causas e consequências da variação individual na capacidade cognitiva, e as respostas cognitivas e comportamentais às alterações ambientais.
Por causa da sua inteligência e das suas redes sociais dinâmicas, as gralhas são um excelente objeto de estudo. “Há indivíduos que vão e vêm e, além das suas relações fortes, têm muitas outras associações. Há muito para recordar”, lembrou Alex Thornton. “E há paralelos com a sociedade humana.”
OUTRAS SURPRESAS
Entre outras surpresas, nos últimos anos os investigadores da Universidade de Exeter descobriram que os pares de gralhas mantêm-se juntos quando voam a alta velocidade em grandes bandos ou que contam os seus amigos quando decidem juntar-se a uma multidão (porque conseguem distinguir as vozes umas das outras).
Mais surpreendente ainda foi a conclusão de que as gralhas respondem ao sofrimento, mas não consolam os seus parceiros. “A ausência de consolação é surpreendente, mas também está de acordo com as preocupações de que a teoria atual possa ser influenciada por expectativas antropomórficas [atribuindo características humanas aos animais] sobre o funcionamento das relações sociais”, notou, então Alexa Thornton. “Para compreender corretamente este comportamento social entre os animais, temos de ter em conta os perigos e os compromissos que enfrentam na natureza.”