Nem sempre começar a fumar nos anos da adolescência tem de estar associado a um modo de afirmação, de os jovens se quererem integrar num determinado grupo social ou o desejo de parecerem mais crescidos.
A vontade de experimentar algo desconhecido e que suscita curiosidade é natural, mas um novo estudo, recém-publicado na revista Nature Communications, vem demonstrar a relação existente entre a redução da massa cinzenta em duas áreas do cérebro, começar a fumar em tenra idade e o aumento da dependência da nicotina.
A massa cinzenta é o tecido cerebral que processa a informação e contém todos os neurónios. Embora o desenvolvimento do cérebro continue na idade adulta, o crescimento da massa cinzenta atinge o pico antes da adolescência.
O consumo de nicotina, especialmente na forma de tabaco, é a adição com maior prevalência e a principal causa de mortalidade adulta em todo o mundo. Nos EUA, aproximadamente, uma em cada cinco mortes por ano são atribuídas ao tabagismo, e as mortes anuais relacionadas com o fumo deverão chegar a oito milhões em todo o mundo até 2030.
Em Portugal, 14,1% dos adolescentes com 16 ou mais anos fuma todos os dias, segundo os dados do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento realizado em 2022 pelo Instituto Nacional de Estatística e revelados em maio deste ano. Em 2% da população o consumo é ocasional, com maior frequência nos homens (19,7%) do que nas mulheres (9,2%), nas pessoas dos 25 aos 64 anos (entre 18% e 21%) e na população que tinha completado o ensino secundário (17,2%).
Investigadores de três universidades internacionais, Cambridge e Warwick, no Reino Unido, e Fudan, na China, analisaram imagens cerebrais e dados comportamentais de 807 jovens, de 14, 19 e 23 anos, e as conclusões incidiram em alterações nos dois lados do cérebro.
Níveis baixos no lobo frontal esquerdo, associados à tomada de decisões e quebra de regras, levam a que essas pessoas tenham uma função cognitiva inferior e a desinibição mais desenvolvida. No lado direito, no córtex pré-frontal, está associada a procura de sensações, em que a perda neural parece acelerar depois de se começar a fumar tabaco.
Em média, os adolescentes que começaram a fumar aos 14 anos ou até antes tinham significativamente menos massa cinzenta numa determinada zona do lobo frontal esquerdo associada à tomada de decisões e quebra de regras.
A investigação sugere que o volume reduzido de massa cinzenta no lado esquerdo do córtex pré-frontal pode ser um biomarcador hereditário para o vício da nicotina, algo que depois poderá ter implicações na prevenção e no tratamento do tabagismo.
Os cientistas descobriram também que o lado direito da mesma região do cérebro tinha menos massa cinzenta nos fumadores. A perda de matéria no córtex pré-frontal direito, associado à busca de sensações, parece acelerar somente após o início do consumo de tabaco.
A diminuição da massa cinzenta no cérebro pode reduzir a função cognitiva e estimular o comportamento de desinibição, impulsivo e transgressivo que surge de uma capacidade limitada de considerar as consequências, o que pode aumentar as hipóteses de começar a fumar numa idade precoce.