Quando, na passada quinta-feira, os elementos da Autoridade Tributária e agentes da PSP chegaram à “Quinta das Casas Novas”, em Guilhofrei, Vieira do Minho, já sabiam que um dos principais suspeitos do caso Altice, Armando Pereira, estaria à espera de um camião, mas as escutas telefónicas ainda em curso não lhes permitiram apurar qual o seu conteúdo. Só quando o veículo chegou à propriedade de 15 hectares, é que se aperceberam do conteúdo: um Austin Martin e um Lamborghni.
Os carros de luxo sempre foram uma das paixões de Armando Pereira, co-fundador do Grupo Altice, e de Hernani Vaz Antunes, dois amigos que, segundo o Ministério Público, aproveitaram a posição do primeiro no Grupo Altice para, através de vários negócios levados a cabo por empresas por si controladas, faturar muitos milhões: “Hernani Antunes com a colaboração de Armando Pereira, conseguiu que as sociedades por si controladas viessem a conseguir contratos com a Altice que atingiram, no período entre 2017 e 2022, o volume total de 660 milhões de euros”.
Ambos os suspeitos estiveram durante cinco anos sob escuta telefónica, apenas com breves interrupções, as quais seriam retomadas. Aliás, as intercepções começaram no 13 de julho de 2018, precisamente cinco anos antes do dia da “Operação Picoas”, que levou à detenção de Armando Pereira, Jéssica Antunes (filha de Hernani Antunes) e de Álvaro Gil Loureiro. Hernani Vaz Antunes, depois de dois dias incontactável, entregou-se, este sábado às autoridades.
A investigação considera, por um lado, que a Altice acabou por ser prejudicada na venda de vários imóveis a sociedades controladas por Hernani Pereira, que celebrou contratos-promessa com a empresa, mas só faria o contrato final quando já tinha revendido os mesmos, obtendo mais-valias consideráveis. Para isso, refere o procurador Rosário Teixeira, contou com a colaboração de Alexandre Fonseca, então CEO do grupo, em Portugal, que terá facilitado as vendas. O atual “chairman” do Grupo Altice no EUA também deverá ser constituído arguido no processo, já que o MP alega que, pela facilitação, o mesmo recebeu 380 mil euros de contrapartidas.
Esta segunda-feira, a empresa anunciou a suspensão de funções “executivas e não executivas” de Alexandre Fonseca no grupo.
Entretanto, a empresa já anunciou a abertura de uma auditoria interna aos processos de alienação dos imóveis em causa.
Esta segunda-feira, o juiz Carlos Alexandre vai retomar o interrogatório e Jéssica Antunes e iniciar as audições de Álvaro Gil Loureiro, Hernani Vaz Antunes e Armando Pereira. Os interrogatórios deverão ser os últimos atos do magistrado como juiz de instrução, porque em setembro será colocado no Tribunal da Relação de Lisboa como desembargador.
De acordo com o Ministério Público, os suspeitos lesaram o “Estado, em sede fiscal e da verdade tributária”. “Os factos indiciam práticas de deslocalização fictícia da domiciliação fiscal de pessoas e de sociedades, com aproveitamento abusivo da taxação reduzida aplicada em sede de IRC na Zona Franca da Madeira. Esses factos são suscetíveis de constituir crimes de fraude fiscal qualificada, sendo estimado que a vantagem ilegítima alcançada pelos suspeitos em sede fiscal tenha sido superior a 100 milhões de euros”.
Na operação levada a cabo na passada semana, a investigação apreendeu vários artigos de luxo, como carros, num valor de 20 milhões de euros. Os arguidos são suspeitos dos crimes de fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais, falsificação de documentos e também corrupção ativa e passiva no setor privado.