A associação ILGA – Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual Trans e Intersexo – foi legalmente formalizada em 1996 e desenvolve vários projetos desde então, tal como o arraial Pride, que acontece este sábado no Terreiro do Paço, em Lisboa, o Centro LGBT, que fornece vários serviços de apoio e os Rainbow Awards.
Os seus integrantes afirmam lutar contra a discriminação relativa à orientação sexual e promover a cidadania, direitos humanos e igualdade de género.
Conversámos com Ana Aresta, que é, desde outubro de 2019, Presidente da Direção da ILGA Portugal.
Sendo a maior e mais antiga associação em Portugal que luta pela igualdade e contra a discriminação das pessoas LGBTI+, quais foram as maiores dificuldades que vocês, como organização, tiveram ao longo dos anos?
O panorama histórico da luta pelos direitos humanos tem-se alterado muito nos últimos anos. A ILGA surgiu entre 1995 e 1996 como resposta comunitária ao estigma gerado pelo VIH. Na altura, como podemos calcular, a violência, o medo e o estigma sobre as pessoas LGBTI+ era muito grande e felizmente essa realidade foi mudando muito graças à luta ativista de todas as pessoas que fizeram a vida comunitária da ILGA Portugal crescer, mas também de outras associações que foram surgindo.
Aquilo que mais temos sentido é que a mudança dos direitos humanos é lenta. Felizmente, nas últimas décadas, fomos notando mais avanços, mas recentemente temos sentido novas dificuldades face ao discurso de ódio que tem ressurgido em Portugal.
Acha que é mais difícil as pessoas assumirem-se publicamente visto que o discurso de ódio e o preconceito são normalizados nas redes sociais?
Saiu recentemente um estudo sobre isso: o discurso de ódio cresceu, de 2019 até agora, 184,5% em Portugal e esses dados são alarmantes. Um estudo de 2020 da Agência Europeia para os Direitos Fundamentais concluiu que mais de 50% das pessoas LGBTI+ em Portugal que responderam a uminquérito tinham receio de andar de mãos dadas na rua com outra pessoa do mesmo sexo, o que significa que ainda há, de facto, muito medo desta visibilidade face a uma sociedade que é preconceituosa.
Ainda é difícil “sair do armário” em Portugal, mas também se sente um movimento crescente principalmente na população mais jovem, de se afirmarem enquanto seres plenos. Devemos valorizar esse movimento crescente e permitir em qualquer espaço das nossas vidas, seja nas escolas, no trabalho e na família a criação destes locais de inclusão, para que as pessoas se sintam livres e seguras.
De que forma é que as redes sociais estão a ajudar o movimento?
As redes sociais são muito importantes para quebrar ciclos de isolamento, nós estamos aqui mais confortáveis em Lisboa, numa cidade que é naturalmente mais diversa, mas a verdade é que noutras áreas do País é muito difícil ter-se acesso a uma comunidade que seja visível. As pessoas sentem-se, muitas vezes, sozinhas e isoladas e as redes sociais são uma forma muito forte de se chegar a essas pessoas e de lhes dizer que não estão sozinhas e que há mais pessoas como elas.
Os nossos serviços chegam a pessoas do resto do País à distância, por videochamada ou por telefone, muito por via de divulgação nas redes sociais. E, claro, a importância das redes sociais relaciona-se também com o discurso das próprias pessoas, que validam ou que ajudam a validar a importância dos direitos humanos das pessoas LGBTI+.
Quais são as queixas mais recorrentes feitas à ILGA?
Há muitas queixas de discurso de ódio e insultos, também são feitas muitas queixas de violência, intrafamiliar e entre pais e filhos, muitas vezes, mas também temos vindo a receber recentemente denúncias de agressões nos próprios espaços públicos e de sociabilidade como bares ou outros sítios de convívio. Nos últimos anos, tem havido mais agressões.
Portugal deixou de fazer parte da lista dos 10 países com mais direitos para a comunidade LGBTI+, de acordo com um ranking da ILGA Europe. De que maneira corresponde com a mentalidade da sociedade portuguesa?
Nós sabemos que, em Portugal, as leis são muito importantes para criar alterações na sociedade. À medida que as leis vão estagnando ou mesmo regredindo, é muito provável que socialmente a realidade também venha a ser mais homofóbica, mais transfóbica e não é isso que desejamos.
Este ranking da ILGA Europe é muito importante para conseguirmos avaliar em que nível é que estamos do ponto de vista dos direitos humanos e a verdade é que Portugal conseguiu chegar ao topo, principalmente quando houve alterações na lei em relação à parentalidade, à procriação medicamente assistida para todas as mulheres e à igualdade no acesso às candidaturas à adoção (também em 2018, com a lei da autodeterminação de género e proteção das características sexuais).
Infelizmente, nos últimos anos, a conquista de direitos em Portugal estagnou e isso significa que outros países avançam. Houve outros países da Europa a regredir nos direitos humanos como houve muitos a avançar e Portugal acaba por sair do top 10 porque nada fez nos últimos anos, nada se fez no Parlamento para alterar esta realidade.
Portanto, este ranking é, acima de tudo, com base nas leis e não na questão social.
Como é que deveria ser feita a educação inclusiva para crianças e jovens?
A educação nas escolas é fundamental, todos os contextos de formação e sensibilização social são fundamentais em qualquer altura das nossas vidas. A escola é um dos espaços mais incríveis para se conseguir criar contextos de cidadania e construção democrática.
É muito importante que os currículos escolares sejam reforçados com esta componente de valorização da diversidade, valorização dos contextos de igualdade e de inclusão e que também a própria comunidade escolar, as próprias professoras e professores, tenham formação não só na área das especificidades LGBTI+ como noutras áreas, para garantir que estão capacitados não só para acolher crianças que sejam LGBTI+ como também para formar e capacitar todas as crianças e gerar comunidades escolares mais inclusivas.
Felizmente, o Governo está neste momento a trabalhar em novas guidelines para as escolas, mas é preciso um investimento na formação e valorizar a própria carreira do pessoal docente para garantir que tem financiamento e formação nesta área.
Considera que ainda existe preconceito no mercado de trabalho? De que maneira?
Sem dúvida, existem estudos europeus que indicam que há muitas pessoas trabalhadoras que se sentem discriminadas nos locais de trabalho. Dessas pessoas, as LGBTI+ também sofrem muita discriminação, as pessoas não se sentem bem nos locais de trabalho, e são vítimas de discurso homofóbico e transfóbico, seja ele dirigido a elas ou não, enquanto trabalham.
Muitas vezes, são ambientes de trabalho tóxicos em que o discurso preconceituoso existe em geral e essas pessoas não têm espaço para se poderem manifestar e falar sobre a sua vida pessoal. Muitas sentem que existem barreiras à progressão da carreira, aquilo que o código do trabalho já está reforçado para garantir que não acontece. Na realidade. falta passar do código de trabalho para a realidade e falta também que as entidades empregadoras percebam que, quanto mais houver diversidade nas suas estruturas, mais elas serão capazes de responder aos desafios sociais do dia-a-dia.
Numa entrevista, afirmou que, devido ao aumento da extrema-direita, Portugal terá uma menor probabilidade de avançar em matéria de direitos humanos. A violência contra a comunidade tem vindo a aumentar ou a diminuir?
A violência contra a comunidade tem vindo a aumentar e isso viu-se na marcha PRIDE de Évora, em que uma exposição foi vandalizada, houve ataques e um evento com crianças foi invadido por uma pessoa que decidiu criar contextos de grande desconforto e insegurança junto daquela comunidade.
Aquilo que sentimos é que o discurso de ódio e os movimentos de extrema-direita estão a retirar espaço cívico. Cabe aos Estado, à estrutura democrática, aos Governos, às autarquias e a todas e todos nós garantir que recuperamos esse espaço cívico para que não haja esta perda de sentido de liberdade e de igualdade.
Temos, este sábado, o arraial Lisboa Pride e, tal como as marchas, são espaços em que nós contrariamos esta lógica de restrição do espaço público. Esperamos mais de 100 mil pessoas no Terreiro do Paço, estas pessoas são LGBTI+ mas também são aliadas, são pessoas que estão na cidade, que vêm visitar a cidade e que vêm celebrar em conjunto esta conquista dos direitos humanos.
Portanto, a estes ataques de ódio e esta restrição no espaço publico, nós respondemos com visibilidade, com celebração e com este ato de dizermos “estamos aqui, sabemos quem somos e temos direito a todos os direitos”.
Que projetos de lei a ILGA considera urgentes o Parlamento discutir?
Há uma série de diplomas neste momento em discussão no Parlamento, que têm de ser aprovados e finalizados rapidamente para que continuemos a avançar nos direitos humanos LGBTI+.
Importa garantir mais contextos de proteção para as pessoas migrantes dentro da comunidade LGBTI+, principalmente as pessoas trans, que são aquelas que estão mais desprotegidas porque a lei, neste momento, só protege cidadãos portugueses.
Uma das notas que apontamos também é a necessidade de alargar o acesso a outros contextos de parentalidade, nomeadamente à estação de substituição para todas as pessoas, que neste momento os homens solteiros ou os casais de homens estão impedidos de fazer.
Uma área fundamental e que está neste momento a ser trabalhada entre várias associações e o Governo é a garantia de respostas de saúde para as pessoas LGBTI+: neste momento, a resposta pública não cumpre os desígnios do acesso à saúde para estas pessoas e, portanto, essa é uma área que tem de ser trabalhada.