O capitão-de-fragata Rui Zambujo Madeira, comandante do Agrupamento de Mergulhadores da Marinha Portuguesa, explica à VISÃO o que se pode ter passado com o submersível que desapareceu em águas profundas na zona dos destroços do Titanic e a complexidade da operação de busca e salvamento em curso.
É sensato fazer expedições de turismo ao fundo do oceano com profundidades de 4000 metros?
As atividades extremas são comuns e realizadas a todos os níveis. Desde o mergulho profundo, escalada ao Evereste, viagens extra-orbitais, provas de velocidade, entre outras, todas envolvem grande risco. Esta atividade não é diferente.
Quais os riscos envolvidos numa operação deste tipo?
Os riscos são aqueles associados a uma operação submarina, neste caso com um grande distanciamento da costa, e amplamente agravado pela pressão hidrostática extrema, a ascender aos 380kg por cm2. Com pressões desta ordem de grandeza, qualquer falha num equipamento ou estrutura do veículo pode ser fatal.
O que pode correr mal?
Há várias situações que podem correr mal. Desde o colapso ou alagamento de sistemas auxiliares, como as comunicações, iluminação, localização, propulsão, fornecimento de gases respiratórios, até ao colapso total da estrutura do submarino. Também, mesmo sem haver comprometimento de qualquer sistema, o veículo pode ficar preso ou perder energia e logo incapaz de regressar à superfície.

Porque desapareceu afinal?
Sem comunicações ou relatos do submarino, desconhecem-se as causas do desaparecimento. Tudo indica que estará relacionado com uma avaria a partir dos 3000 metros.
Mas não é possível ter sistemas de comunicação a funcionar?
Sim, e tinha! Mas os sistemas do veículo que se conhecem (sistema de comunicações acústico para mensagens escritas e pinger acústico de indicação de posição) deixaram de funcionar a 3000 metros
E cabos que o liguem à superfície?
Sim, é possível. Contudo limitariam a liberdade de movimentos do submarino, não permitindo uma expedição autónoma na verdadeira aceção da palavra.
Na sua opinião, é possível que o Titan tenha rebentado por força da pressão?
Sim, é possível. Como já referido, a pressão é avassaladora, e poderá comprometer, encanamentos, juntas ou mesmo a estrutura do veículo.
Ou é mais provável que esteja preso?
Sendo um submarino que já efetuou mergulhos semelhantes, acredita-se que manterá a resistência estrutural, sendo o mais provável a prisão ou a perda de propulsão do Titan, assentando no fundo se tiver flutuabilidade negativa.
Há animais com tamanho suficiente para causar danos neste submarino?
Sim, mas não se afigura provável.
Os sons identificados nas profundezas dão esperança de se poder tratar do Titan?
Aparentemente serão, por serem detetados em intervalos de tempo regulares, dando a ideia de premeditação e organização.
Se for encontrado o Titan e estiver preso algures, quão complexa é a operação de salvamento?
Muito complexa. Contudo, o ROV Victor6000 que se desloca para o local a bordo do navio francês de investigação científica tem capacidade de disrupção (corte ou destruição precisa) de estruturas, nomeadamente cabos submarinos.
É possível rebocar o Titan à superfície?
Sim.
Em quanto tempo?
Depende da capacidade do guincho/sistema de elevação, mas acredita-se que, pelo menos à velocidade de descida, desde que a integridade do veículo não tenha sido comprometida.

Estamos a falar de alto mar e de grandes profundidades. Mas, se o submarino for rebocado, há algum momento em que as equipas de mergulhadores possam ter algum papel?
Eventualmente no apoio já não camadas mais superficiais, até aos 100-150 metros.
O submarino tem cerca de 20 horas de oxigénio. Para salvar as vidas, qual a antecipação necessária para ser encontrado e os meios de salvamento sejam acionados?
Depende da circunstância em que o veículo de encontre, se estiver, meramente, assente no fundo (situação mais favorável) diria, no mínimo, 4-5 horas.
Que diferenças há, por exemplo, em relação à operação do Kursk, que não foi bem sucedida no salvamento das vítimas?
O acidente do Kursk trata-se de um navio militar envolto em secretismo, não sendo possível estabelecer uma relação entre estes acidentes/incidentes.
Em 1960, Jacques Piccard e Don Walsh foram a mais de 9000 metros no submarino Trieste. Mais de 60 anos depois, continua a ser um feito raro e extraordinário?
Com certeza.
O que pode estar a passar-se, neste momento, a bordo do submarino?
Correndo pelo melhor, os tripulantes manter-se-ão calmos e com o mínimo de atividade para evitar consumo de oxigénio e produção de dióxido de carbono.
Como é a morte numa situação destas?
Acontece por hipóxia – a falta de oxigénio – e/ou hipercapnia, o excesso/intoxicação por dióxido de carbono. Pode também acontecer o afogamento em caso de falha catastrófica da integridade do veículo.