A 20 de novembro de 1995, a princesa Diana deu uma entrevista de 54 minutos à BBC. A conversa entre o jornalista Martin Bashir e a então mulher do príncipe herdeiro do Reino Unido foi vista por mais de 200 milhões de pessoas, numa centena e meia de países – e a imagem de Carlos, se já não era a melhor, ficou ainda pior. Diana não se limitou a denunciar o adultério do marido e a forma como a família real era indiferente aos seus dramas. Ela fez questão de afirmar que o filho mais velho de Isabel II não era digno do estatuto que lhe fora concedido nem tinha os requisitos para ser rei e que, a sentar-se no trono, Carlos deixar-se-ia “sufocar” pela pressão e pelas responsabilidades. A morte de Diana, dois anos depois, em Paris, agudizou os problemas de Carlos e da milenar monarquia britânica. A popularidade do príncipe de Gales e da monarca afundaram-se para níveis nunca registados, e muitos súbditos começaram a questionar-se seriamente sobre se o país não deveria ter um Chefe de Estado que fosse eleito por sufrágio universal. Duas décadas volvidas, as dúvidas desvaneceram-se parcialmente e a esmagadora maioria dos britânicos manifestava já não ter qualquer interesse ou simpatia pela instauração de um regime republicano na Velha Albion. No entanto, os tabloides e a generalidade dos especialistas na Casa de Windsor (é o caso da repórter Emily Andrews) especulavam sobre a sucessão de Isabel II e punham em causa o polémico filho varão: “A coroação de Carlos pode constituir a maior ameaça à monarquia britânica, desde a abdicação [de Eduardo VIII, em dezembro de 1936].” A necessidade de afirmação do herdeiro, que viveu sempre à sombra dos pais e nunca lidou bem com o seu papel e as suas obrigações reais, fez com que se falasse numa possível transição de poder geracional, isto é: que a rainha pudesse abdicar e manobrar para que o neto William lhe sucedesse. Aliás, nesse mesmo ano, em 2017, William e o irmão, Harry, foram os protagonistas de um documentário produzido pela ITV, em que menorizavam o respetivo progenitor e sublinhavam que tinha sido Diana a fornecer-lhes as “ferramentas certas” para a vida. Em simultâneo, todos os estudos de opinião indicavam que William e a mulher, Catherine, eram muito mais bem-vistos do que Carlos e Camilla, a velha paixão do príncipe herdeiro (acabariam por casar-se em 2005). A morte de Isabel II, em setembro, em nada alterou a situação. Carlos III e a nova rainha consorte gozam de um relativo estado de graça, mas, em termos de popularidade, ficam muito aquém dos novos príncipes de Gales.
Ainda há muito ressentimento em relação a Carlos, pela forma como tratou Diana. Ao contrário de Isabel II, ele nunca inspirou afeto
Charles Tannock antigo eurodeputado do Partido Conservador, europeísta e lusófono convicto
“É natural que as pessoas ainda alimentem muitos ressentimentos em relação a Carlos III, pela forma como tratou Diana. Ao contrário da rainha Isabel II, ele nunca foi uma personalidade que inspirasse grande respeito ou afeto”, afirma à VISÃO Charles Tannock, o psiquiatra que viveu e estudou em Portugal (onde o pai, antigo oficial do Exército britânico, está sepultado) e que foi eurodeputado do Partido Conservador, entre 1999 e 2019. Na opinião deste poliglota, que tem passaporte irlandês e se desfiliou dos tories devido à deriva eurocética e às erráticas políticas de Boris Johnson durante a pandemia, o novo monarca enfrenta enormes desafios, a começar pela própria continuidade da Casa de Windsor: “As pessoas da minha geração ou, digamos, quem tem mais de 55 anos ainda apoiam de forma clara a monarquia. Mas, se olharmos para as sondagens e para as faixas etárias mais jovens, vemos que as coisas são bem diferentes – há uma enorme indiferença. Por enquanto, a generalidade dos estudos indica que, no total, perto de 60% da população ainda está a favor do atual regime e que esse número tem vindo a cair nas últimas décadas”, sublinha, num escorreito português, o médico agraciado, há três anos, por Isabel II com a Ordem do Império Britânico. E dá ainda como exemplo o caso das filhas e respetiva prole, completamente alheadas e indiferentes às peripécias monárquicas e à coroação deste sábado.