Existem várias doenças podem afetar o cérebro e é a partir deste cenário que o professor e investigador Miguel Castanho, do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes (iMM), se tem dedicado à investigação e desenvolvimento de fármacos especificamente para o cérebro.
O investigador e a sua equipa estão, agora, a desenvolver dois projetos distintos, com foco neste órgão mas formas de atuação diferentes. Vamos por partes: O Protecting the brain from metastatic breast cancer (Proteger o cérebro das metástases do cancro da mama, em português), com duração prevista de três anos, envolve quatro grupos, dois portugueses e dois espanhóis, que têm unido esforços para encontrarem um fármaco que consiga chegar ao cérebro e que evite as metástases provocadas pelo cancro da mama.
“Estamos preocupados com as metástases cerebrais do cancro de mama, sobretudo nas suas formas mais agressivas. As metástases cerebrais são particularmente preocupantes pela ansiedade que causam nos pacientes, pela fragilidade do tecido nervoso e pela dificuldade de conseguir que os medicamentos existentes consigam chegar ao cérebro”, diz à VISÃO Miguel Castanho. “As paredes das artérias que irrigam o cérebro blindam a passagem de moléculas exógenas do sangue para as células nervosas. É uma forma de proteção do cérebro contra toxinas que possam entrar em circulação, o que se torna uma dificuldade na altura de usar medicamentos dirigidos ao cérebro”, acrescenta.
O grupo de Miguel Castanho, do Instituto de Medicina Molecular, é especialista em formas de fazer passar medicamentos do sangue para o cérebro; já o grupo da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa tem um fármaco inovador, capaz de atacar os cancros de mama, mesmo os mais difíceis de tratar.
Relativamente aos grupos de trabalho espanhóis, os dois estão sediados em San Sebastian, sendo que um deles está a desenvolver um modelo da doença humana que possa ser usada em laboratório para testes de eficácia e segurança, antes de realizar testes em humanos. O outro tem os meios tecnológicos necessários para seguir o tratamento e verificar se os fármacos em teste se dirigem para a mama e para o cérebro, e têm capacidade de reduzir o tumor primário e das metástases.
“O objetivo do projeto em si é desenvolver novos fármacos até ao ponto de poder vir a ser testado em humanos. Os testes em humanos envolvem especificidades e meios que obrigam a alargar as parcerias a instituições com intervenção clínica”, diz Miguel Castanho.
Ao mesmo tempo, no rescaldo da pandemia de Covid-19, está a ser desenvolvido o NOVIRUSES2BRAIN, um projeto que pretende desenvolver um medicamento antiviral de largo espectro, ou seja, capaz de inativar muitos tipos diferentes de vírus, mas “com uma característica adicional importante”, explica o professor: ser capaz de chegar ao cérebro e inativar vírus diretamente no cérebro, evitando danos neurológicos.
“Vírus como o SARS-CoV-2, o VIH ou vírus de Dengue, mas sobretudo o vírus Zika, são capazes de chegar ao sistema nervoso central de alguns dos pacientes e causar lesões. O caso do vírus Zika é particularmente grave para os fetos quando se dá a infeção de mulheres grávidas”, esclarece.
Neste projeto, o iMM lidera um consórcio internacional que inclui uma universidade de Barcelona, a Barcelona Pompeu Fabra, especialista em síntese de novas moléculas, e uma empresa alemã, que desenvolve estudos de segurança. “Já trabalhamos neste projeto há três anos e temos resultados em animais, apontando para uma ação eficaz e segura. É agora a altura de começar a pensar em testes clínicos em humanos”, explica Miguel Castanho.
Estava previsto que o NOVIRUSES2BRAIN tivesse uma duração de quatro anos, embora esteja agora projetado para cinco, já que a Comissão Europeia fez o pedido para que fosse incluído o SARS-CoV-2 entre os vírus a abordar no projeto. “Este último projeto está prestes a entrar no seu ano derradeiro, o primeiro está numa fase mais inicial”, conclui o investigador.
“O conhecimento é precioso e valioso, por isso a investigação científica é tão importante e estimulante. Não só alargamos o entendimento que fazemos da natureza, como podemos contribuir efetivamente para o progresso social e a qualidade de vida das pessoas”, garante Miguel Castanho. “Criar uma solução para levar fármacos até ao cérebro abriu linhas de investigação para medicamentos antivirais, medicamentos contra metástases cerebrais e neurodegenerescência, por exemplo”, remata.