A disputa judicial entre o comendador Joe Berardo e o Governo pela fundação que gere a colecção de arte contemporânea, a Fundação Arte Moderna/Coleção Berardo (FAM/CB), conheceu, esta semana, mais um episódio, com o comendador a acusar o Executivo de ter usado informação falsa junto do Supremo Tribunal Administrativo (STA) para forçar a extinção da FAM/CB, alegando “interesse público da decisão”.
Recapitulando o caso: a 27 de dezembro, por decisão do Conselho de Ministros, o governo aprovou a extinção da FAM/CB, decisão esta promulgada pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, logo no dia seguinte. Para evitar que esta medida produzisse efeitos, a Associação Colecção Berardo e o próprio comendador avançaram com uma providência cautelar.
A 5 de janeiro, e de forma a ultrapassar a providência cautelar, o governo aprovou uma “resolução fundamentada” que declara o interesse público da extinção da FAM/CB.
É aqui que começa o último problema do processo. Segundo Joe Berardo e a Associação Colecção Berardo (ACB) que, juntamente com o governo, integram a FAM/CB, um dos argumentos usados pelo Executivo de António Costa na “resolução fundamentada” é falso. Refere o documento do Conselho de Ministros que o Estado, através do Fundo de Fomento Cultural, transferiu “nos últimos anos” 2,1 milhões/ano para a FAM/CB, sendo que esta verba já não estava prevista na Proposta de Orçamento do Estado para 2023. Motivo pelo qual a FAM/CB não teria capacidade de subsistência.
“Na realidade, a proposta do Orçamento de Estado disponível no site da DirecçãoGeral do Orçamento de Estado de 2023, na página de “DESENVOLVIMENTO DAS DESPESAS DA AC”, Programa Cultura, Ministério da Cultura, capítulo Outros Serviços de Cultura, Divisão Fomento Cultural prevê expressamente a Despesa FUNDAÇÃO BERARDO totalizando” 2,1 milhões, sublinham Joe Berardo e a ACB, num requerimento que enviaram ao STA.
E mais: o próprio Orçamento do Estado para 2023, aprovado pelo Parlamento, refere que as “transferências para as fundações dependem da verificação de dois requisitos, um dos quais o da validade da regularidade da situação da fundação à luz da Lei Quadro das Fundações”. Como excepções a esta norma, o OE identifica um conjunto de entidades, “entre as quais, com todas as letras, a Fundação de Arte Moderna e Contemporânea/Colecção Berardo”, refere o advogado Henrique Abecassis, que representa o comendador e a ACB neste processo no STA.
Na quarta-feira, numa audição parlamentar, o ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, disse que o procurador-geral adjunto Carlos Sousa Mendes vai presidir à comissão liquidatária da FAMC/CB. O Governo tem justificado a decisão para protecção de um “relevante interesse público” da passagem do Museu Berardo para a gestão da Fundação CBB.
No requerimento entregue na quinta-feira ao Supremo Tribunal Administrativo, a defesa de José Berardo acusa a Fundação CCB de estar a “apropriar-se das receitas da exploração do Museu Coleção Berardo, continuando a FAMC-CB a ser responsável pelos salários, como entidade patronal, e parte dos contratos de prestação de serviços”. “A contra-interessada FCCB [Fundação CCB] explora ilicitamente o Museu Coleção Berardo ao abrigo dos atos sucessivos a que o Governo vai dando cobertura”, lê-se na documentação.
As obras da Coleção Berardo – que podem ser visitadas no Centro Cultural de Belém – estão arrestadas desde julho de 2019, na sequência de um processo interposto em tribunal pelo Novo Banco, a Caixa Geral de Depósitos e o BCP, para recuperarem uma dívida próxima dos mil milhões de euros. A coleção inclui obras de artistas como Jean Dubuffet, Joan Miró, Yves Klein, Piet Mondrian, Duchamp, Picasso, Chagall e Andy Warhol, além de artistas portugueses como Rui Chafes, José Pedro Croft, Jorge Molder e Fernanda Fragateiro.