A Ciência já o provou, num estudo publicado no mês passado na revista Nature Climate Change – 218 das 375 doenças infeciosas humanas conhecidas (58%) podem estar agravadas, na sua frequência ou perigosidade, por um dos dez tipos de clima extremo ligado às alterações climáticas, como secas, inundações ou ondas de calor extremo. “Se o clima está a mudar, o risco destas doenças está a mudar”, afirmou Jonathan Patz, coautor do estudo em causa, diretor do Instituto de Saúde Global da Universidade de Wisconsin-Madison.
E mais, isto não é futurologia. O investigador principal do estudo, Camilo Mora, analista de dados climáticos da Universidade do Havai, acrescentou que “não há aqui qualquer especulação. Estas são coisas que já aconteceram”.
Os cientistas têm vindo a debruçar-se sobre este assunto e chegaram à conclusão de que a exposição à poluição ambiental está a causar sete milhões de mortes prematuras por ano e a provocar a perda de muitos mais milhões de anos de vida.
A Organização Mundial de Saúde já equipara a poluição a outros riscos para a saúde global bem conhecidos, como a falta de cuidado com a alimentação ou o tabagismo. E a Agência Europeia do Meio Ambiente estima que os problemas ambientais estejam associados a mais de 10% dos casos de cancro no Velho Continente.
Recentemente, a pandemia de covid-19 pôs em evidência a vulnerabilidade humana a doenças infeciosas e a sua capacidade para causar morte a milhares de pessoas.
O PLANETA NÃO VAI ARREFECER
Mesmo que os principais países responsáveis pelas emissões de gases de efeito de estufa (GEE) controlassem as suas ações nesse sentido, ainda teriam de se passar muitos anos até que houvesse alguma reversão no processo de aquecimento do planeta. E nem existe a convicção de que tal aconteça. Por isso, há que tentar mitigar os efeitos nefastos, nomeadamente na saúde.
“Apesar de a causa raiz também ter de ser tratada, os sistemas de saúde de cada país deverão adaptar-se às possíveis consequências do aquecimento global”, defende Eduardo Gomensoro, diretor médico na farmacêutica GSK da área de vacinas em Portugal, Espanha e Israel, depois de se debruçar sobre o estudo da Nature.
O especialista dá alguns exemplos do que pode acontecer por culpa das mudanças no clima. “No caso do mosquito da Malária, ele existe essencialmente em África, porque é lá que encontra as condições climáticas mais favoráveis. Se essas condições passarem a existir em países europeus ou do Médio Oriente, o mosquito pode multiplicar-se e desenvolver-se também nesses locais.”
Os morcegos são outro caso prático. Corre-se o risco de as secas extremas podem expulsá-los do seu habitat natural, porque estes mamíferos gostam de humidade. Sabe-se que estes animais voadores são portadores eficientes de vírus, porque toleram bem o DNA e RNA de outros seres vivos e, ao terem de se deslocar com maior frequência, passam a transportar também alguns vírus, como se desconfia tenha acontecido no caso do coronavírus, em finais de 2019.
“As alterações climáticas causam um deslocamento de doenças que não acontecia antes, assim como provocam mudanças geográficas de algumas populações. Tudo isto torna emergentes patologias infeciosas que antes não se verificavam”, nota Eduardo Gomensoro.
Lembremos então o vírus da gripe: Na Europa, ele sempre teve um padrão de ocorrência sazonal, aparecendo antes do Inverno, daí que a vacinação ocorra nesse momento (como está prestes a acontecer agora em Portugal). Ora, se os invernos deixarem de ser tão intensos e os verões forem mais amenos, o padrão de atuação do influenza (o vírus que causa a gripe) vai aproximar-se do dos países tropicais, onde essa infeção respiratória existe durante todo o ano, e as campanhas de vacinação terão obrigatoriamente de se adaptar a essa mudança.
“É por essas e por outras que os sistemas de saúde vão ter de estar muito atentos. A epidemia de coronavírus não foi a primeira nem será a última. Temos de aprender a ser menos vulneráveis”, avisa. E isso, em sua opinião, faz-se de duas formas: “Com sistemas de vigilância que incluam outros vírus respiratórios para dar algum alarme precoce dos riscos e recorrendo às vacinas que já temos disponíveis”, conclui.