Nos últimos quatro anos, quase todas as tartarugas-marinhas nascidas nas praias da Flórida, estado norte-americano com o Oceano Atlântico de um lado e o Golfo do México do outro, são fêmeas. À medida que aumenta o número de tartarugas-marinhas bebés fêmeas, os especialistas constatam que as intensas ondas de calor desencadeadas por uma crescente crise climática está a aquecer de modo significativo as areias de algumas praias.
Segundo o organismo governamental National Ocean Service (Serviço Nacional do Oceano), quando os ovos de uma tartaruga incubam abaixo de 27ºC, os bebés nascem machos, mas quando a areia atinge os 31ºC, os ovos ali chocados dão origem a fêmeas.
Quando uma tartaruga fêmea cava um ninho na praia, a temperatura da areia vai determinar o sexo das crias. Quanto mais quente o areal, maior a proporção de tartarugas fêmeas. O sexo da cria em vez de ser determinado durante a fertilização, está dependente da temperatura dos ovos em desenvolvimento, de acordo com a Administração Nacional Oceanográfica Atmosférica (NOAA).
Temperaturas que oscilam entre os dois extremos resultarão numa mistura de filhotes de tartarugas machos e fêmeas.
“À medida que o planeta passa por alterações climáticas, o aumento das temperaturas pode resultar em condições de incubação distorcidas e até letais, o que afeta as espécies de tartarugas e outros répteis”, comunicou o National Ocean Service.
“O mais assustador é que os últimos quatro verões na Flórida foram os mais quentes de que há registo. Os cientistas que estão a estudar o nascimento de tartarugas-marinhas não encontraram ‘meninos’, apenas fêmeas durante esses anos”, garantiu Bette Zirkelbach, gestora do Turtle Hospital em Marathon, cidade nas ilhas tropicais Florida Keys, à agência Reuters.
A principal preocupação quanto a esta desproporção crescente de géneros é tornar as tartarugas-marinhas numa população atrofiada.
“Ao longo dos anos, veremos um declínio acentuado nesta população porque simplesmente não existe diversidade genética… não têm a proporção macho-fêmea necessária para poder ter sessões de reprodução bem-sucedidas”, alerta Melissa Rosales Rodriguez, cuidadora de tartarugas-marinhas do Sea Turtle Hospital, à agência Reuters.
O recém-inaugurado hospital do zoológico de Miami também está, atualmente, a trabalhar para tratar a fibropapilomatose, uma doença potencialmente mortal entre as tartarugas-marinhas que faz com que tumores semelhantes à couve-flor se desenvolvam no corpo, incluindo os olhos e a boca. Os tumores também se podem formar em órgãos internos.
Bette Zirkelbach salienta a necessidade crescente de haver mais centros de reabilitação em todo o estado da Flórida.
A Austrália está a enfrentar uma ameaça semelhante. Em 2018, um estudo sobre populações de tartarugas-marinhas verdes na Grande Barreira de Coral descobriu que apenas cerca de um por cento dos filhotes de tartarugas nascia do sexo masculino.
Nas zonas mais quentes, a norte da Grande Barreira de Coral, os investigadores descobriram que 99,1% dos juvenis, 99,8% dos subadultos e 86,8% das tartarugas-marinhas verdes de tamanho adulto eram fêmeas, segundo relata a cadeia canadiana de televisão Global News.
“A combinação dos nossos resultados com dados da temperatura mostra que as colónias de tartarugas verdes do norte produzem, principalmente, fêmeas há mais de duas décadas e que a feminização completa dessa população é possível num futuro próximo”, alerta o estudo.
O norte da Grande Barreira de Coral abriga uma das maiores populações de tartarugas verdes do mundo, que levam cerca de 25 anos para atingir o início da maturidade sexual e são protegidas pela Lei de Espécies Ameaçadas.
O aumento das temperaturas está a afetar a biologia dos organismos, literalmente, em tempo real.