Não há pódio instituído, mas os 106 dias seguidos em que Bárbara Pedro acertou em todos os desafios lançados pelo Taylordle deveriam valer-lhe uma medalha de ouro entre os fãs de Taylor Swift. Este jogo, destinado a adivinhar palavras relacionadas com a carreira e a discografia da cantora, é apenas uma das muitas versões do Wordle (ver caixa “Para Todos os Gostos”) que surgiram nos últimos tempos e que têm cativado pessoas de todas as idades.
A partir daqui, a adolescente de 17 anos chegou ao original desafio de palavras e a outros spin-offs (nomeadamente, o português) e, desde há uns meses, adotou-os como um ritual diário. “Tive uma fase em que fazia sete ou oito por dia, às vezes logo à meia-noite… Agora já não o faço tanto”, conta. O pai também se deixou conquistar e os dois, atualmente, competem para ver quem chega mais depressa à solução. “Além de ser divertido, é uma forma de estimular o cérebro e de aumentar o vocabulário, principalmente o do inglês, porque às vezes chego à palavra sem a conhecer e depois vou à procura do significado”, diz.
Quanto aos efeitos deste tipo de jogos na acuidade mental “a Ciência tem-se dividido”. Serão, afinal, uma arma secreta contra a demência ou apenas uma perda de tempo?
Na verdade, apesar da gratificação sentida por Bárbara, o Wordle é tão recente que ainda não se conhecem estudos científicos sobre os possíveis benefícios para os jogadores, tanto no enriquecimento do vocabulário como no exercício do cérebro. “Sabemos que os videojogos e as palavras-cruzadas podem ter efeitos positivos nas habilidades cognitivas, mas os estudos indicam que esses benefícios são bastante específicos para o tipo de jogo que se pratica. Um jogador ávido, obviamente, ficará melhor no próprio Wordle, mas não é totalmente claro como isso será transferido para o trabalho escolar… Se levar as crianças a estudar gramática e a procurar novas palavras, provavelmente aumentará essas capacidades”, aponta Zachary Mainen, neurocientista norte-americano, diretor do Programa de Neurociência da Fundação Champalimaud.
Quanto aos efeitos destes jogos na acuidade mental, principalmente no caso de idosos, “a Ciência tem-se dividido”, e não existe uma investigação conclusiva que sustenha se serão, afinal, uma arma secreta contra a demência ou apenas uma perda de tempo.
Criado por amor
O Wordle foi criado por Josh Wardle (o nome, já se percebeu, é um trocadilho com o apelido), antigo engenheiro de software do Reddit, para divertir a namorada, uma aficionada em jogos de palavras, durante a pandemia. Começou por divulgá-lo num núcleo de pessoas mais próximas, e o entusiasmo com que foi recebido fê-lo perceber que tinha ali algo de especial.
O lançamento público deu-se em outubro de 2021, mas tornou-se viral quando Wardle – inspirado num neozelandês que mostrava os seus resultados no Twitter, usando uma sequência de emojis – introduziu uma ferramenta que permite aos jogadores partilhar a sua pontuação diária nas redes sociais, sem spoilers, ou seja sem revelar a palavra em causa, apenas se mostrando um quadro colorido com as jogadas.
De 90 jogadores, no início de novembro, passou para 300 mil, na viragem do ano. “As pessoas apreciam o facto de existir esta coisa online que é apenas divertida”, foi como o engenheiro tentou justificar o sucesso numa entrevista, sem outras leituras. Atualmente, o jogo tem milhões de utilizadores, entre eles personalidades como o comediante Trevor Noah que, quando se debateu com uma palavra mais complicada, fez um pedido especial: “Querido Wordle, por favor, lembra-te de que ainda estamos a lidar com uma pandemia. Tenta ser gentil.”
Esta evolução despertou o interesse do The New York Times, que, no final de janeiro, adquiriu o jogo por uma quantia não revelada, mas que está perto dos sete dígitos. “O Times mantém o objetivo de se tornar uma subscrição essencial para qualquer falante de inglês que procure compreender e envolver-se com o mundo. Os The New York Times Games são parte dessa estratégia”, explicou a publicação norte-americana em comunicado. Uma estratégia de sucesso, pois chegaram neste ano aos 9,1 milhões de subscritores e tiveram um crescimento de 26% da receita digital – o melhor trimestre de sempre.
As regras do Wordle são muito simples: diariamente, é apresentada uma única palavra de cinco letras, e existem seis tentativas para descobri-la. O grafismo é clássico e eficiente. Se acertarmos numa das letras, ela aparece a amarelo; se acertamos também no local em que está, esta aparece a verde; e se não estiver na palavra, a letra surge a cinzento. Pode ser jogado apenas uma vez por dia (e resolve-se em poucos minutos), não requer subscrição, não tem uma aplicação e não existem notificações a lembrar-nos constantemente da sua existência nem publicidade a intrometer-se.
Houve um esforço no sentido de se escolher apenas palavras comuns, que não tornassem a busca demasiado complicada. “Paradoxalmente, a simplicidade, quer nos aspetos gráficos e estéticos quer na utilização, pode explicar o sucesso como contraponto a outros jogos, visualmente muito estimulantes, com que estamos a ser invadidos”, aponta a psicóloga Diana Alves, professora na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto. O facto de ser, simultaneamente, um jogo de linguagem e de lógica também explica a atratividade. “Há uma dualidade do trabalho cognitivo: um apelo constante à nossa memória visual e escrita, que trabalha o repertório linguístico e a representação ortográfica das palavras, e um constante raciocínio lógico de ler os sinais que o jogo nos vai fornecendo”, acrescenta.
Para José Castro Silva, investigador e docente no Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA), especialista em tecnologias da informação e em tecnologias educativas, “a configuração está muito equilibrada: não tem um grau de dificuldade muito acentuado nem é demasiado fácil, que é uma das recomendações que se fazem quando se desenha uma tarefa, do ponto de vista educativo”.
O psicólogo acredita que o jogo poderá ter um impacto positivo na linguagem e no enriquecimento do vocabulário. “Enquanto ferramenta de ensino, pode ter muito potencial para o docente”, defende, até para quebrar o cansaço dos alunos e espevitar o ritmo de uma aula. E os professores bem sabem como é necessário motivar a aprendizagem. A vantagem, neste caso, é que os pais também podem acompanhar os filhos, nem que seja por simples divertimento.
Para todos os gostos
O sucesso do jogo de palavras deu origem a muitas variações da fórmula
“Palavra do Dia”
O bom acolhimento do Wordle fez com que rapidamente surgissem congéneres em várias línguas, do esperanto ao português (entre outros, existe o Termo, criado no Brasil, e o Palavra do Dia)
“Sweardle”
Uma das versões que mais divertem o criador do Wordle, Josh Wardle, é o Sweardle, em que o utilizador pode dar largas ao seu arsenal de palavrões
“Lordle of the Rings”
Os fãs de J.R.R. Tolkien devem descobrir as palavras contidas na obra do autor
“Worldle”
Aqui são testados os conhecimentos geográficos dos jogadores, revelando-se o mapa do país a adivinhar, assim como a distância e as coordenadas a seguir na próxima tentativa
“Framed”
No Framed, os cinéfilos podem tentar adivinhar, a partir de seis planos de imagens, qual o filme a que estes correspondem
“Heardle”
Já no Heardle, ouvem-se apenas uns segundos da introdução de uma canção e, a cada tentativa falhada, são revelados mais uns acordes musicais. Quer testar se é bom de ouvido?