Fernando Carrilho está convicto de que os mais de dois mil sismos registados em São Jorge, desde o último sábado, 19, estão relacionados com o sistema vulcânico da região. Em declarações à VISÃO, o chefe da divisão de geofísica do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), que monitoriza a atividade sísmica em território nacional, considera que “há uma forte possibilidade” de ser essa a explicação para a ilha açoriana estar a tremer acima do padrão habitual, apesar de os registos não apontarem nesse sentido.
“Estes sismos são de origem tectónica porque são uma manifestação do movimento em falha tectónica. Simplesmente, esse movimento acontece, em princípio, ou potencialmente, por ação da ascensão de magna. Há essa forte possibilidade”, afirma o geólogo, reforçando a ideia: “Eu chamaria a estes sismos tectonico-vulcânicos ou vice-versa. Eles de facto são tectónicos, na sua manifestação em termos de registo e conteúdo de frequência, mas o mecanismo que está a gerar esta sismicidade, em princípio, está associado ao vulcanismo.”
Desde quarta-feira à tarde que o CIVISA (Centro de Informação e Vigilância Sismovulcânica dos Açores) elevou de 3 para 4 o nível de alerta vulcânico, “o que significa possibilidade real de erupção”, como afirmou em conferência de imprensa o seu responsável máximo da Proteção Civil dos Açores, Clélio Meneses. Um dos factores que contribuiu para a subida do nível de alerta foi uma imagem de satélite que mostra uma deformação no terreno da ilha, um dos três métodos que permitem antecipar a possibilidade de ocorrer uma erupção vulcânica, uma vez que a ascensão do magma na crosta terrestre pode provocar essa alteração topográfica.
Os outros sinais premonitórios de uma erupção são a subida dos níveis de dióxido de carbono no solo e certas características dos registos sísmicos. Na terça-feira passada, o presidente do CIVISA, Rui Marques – que a VISÃO tentou contactar, sem sucesso, durante o dia de hoje -, revelou que os níveis estavam normais, portanto, sem evidenciarem envolvimento vulcânico. Quanto aos registos sísmicos, o tipo de sinal não indica uma influência vulcânica, mas Fernando Carrilho tem uma possível explicação: “Um sinal vulcânico é diferente de um sinal tectónico, há uma fronteira em que é muito difícil fazer a distinção e, provavelmente, podemos estar numa situação dessas.”
Ressalvando que o IPMA monitoriza apenas a atividade sísmica em Portugal e não a atividade vulcânica, o geólogo sublinha que a sua convicção não implica necessariamente a ocorrência de uma erupção em São Jorge – as ascensões de magna travam, muitas vezes, no subsolo, nunca chegando à superfície. Por outro lado, “também há o risco desta situação poder desencadear um sismo mais forte” do que os registados até ao momento, o que o leva a concordar com as evacuações nas fajãs do concelho de Velas, decretadas pela Proteção Civil dos Açores.
“No caso de ocorrer um sismo de maior magnitude, dadas as características da ilha de São Jorge, pode provocar deslizamentos, desprendimento de materiais rochosos, e obviamenete que, potencialmente, as zonas das fajãs têm maior risco de ser impactadas, daí a decisão de precaver esta situação”, sustenta.
Os habitantes das fajãs (pequenas planícies de terra junto ao mar) do concelho de Velas começaram a ser retirados de suas casas na quinta-feira, e será proibido frequentar essas zonas entre a meia-noite de sábado e as 23h59 de segunda-feira, devido à crise sísmica e à previsão de mau tempo durante esse período, que aumenta o perigo de desabamentos de terras. A medida foi anunciada esta quinta-feira pelo presidente do Governo Regional dos Açores, José Manuel Bolieiro, tem caráter obrigatório e quem não a cumprir incorre no crime de desobediência.
Sobre a evolução da atividade sísmica, Fernando Carrilho adianta que o padrão se mantém idêntico ao nível de frequência com que os sismos ocorrem, embora nas últimas 24 horas se tenha notado “uma redução do número de sismos de maior magnitude”.