Sonharam com aquele dia e viveram com emoção a chegada do novo elemento da família. Depois das partilhas de fotos, das felicitações recebidas e das alegrias do casal enquanto pais, entram em cena os “ficheiros” que ficaram em pausa entretanto. A sexualidade no pós-parto traz novos desafios, desde as alterações de humor associadas ao reequilíbrio hormonal – o chamado “baby blues” – ao início de uma nova temporada na vida conjugal, em que o sexo pode adquirir novas nuances.
“Já não é a mesma coisa”, “será cedo para retomar?”, “não me sinto confortável” são alguns dos fantasmas que costumam surgir nesta fase de transição. Embora normais, podem constituir um problema real, sobretudo quando comprometem a vida íntima por mais tempo do que aquele que seria aceitável para um dos parceiros, ou ambos (pois basta que um não vá a jogo para que ele não aconteça).
Tendo por base o senso comum, pode ser preciso aguardar entre um mês e um mês e meio para retomar os treinos, que costuma coincidir com a altura em que se realiza, por norma, a consulta da revisão. Porém, os estudos nesta área sugerem que não existe um tempo “certo” e aplicável a todos. Há vários fatores a considerar: a forma como decorreu o parto, a dinâmica do par e questões de natureza individual que envolvem o estado de saúde, a relação que a mulher tem com o seu corpo e a motivação para a intimidade. Como vai ser essa parte da vida, agora que o recém-nascido requer tantos cuidados e tempo e o papel de pais ameaça sobrepor-se ao dos amantes?
Consulta do “puerpério tardio”
A pensar na sexualidade da mulher e do casal, o Serviço de Obstetrícia do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte inaugurou, a 13 de Dezembro, uma consulta especializada em sexualidade no pós-parto. “Aceitei o convite do diretor do serviço, Diogo Ayres de Campos, por ser um desafio novo ajudar as mulheres com dificuldades em reiniciar a vida sexual após serem mães”, faz saber a ginecologista e obstetra Maria do Céu Santo, que dirige a consulta, no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, e é especializada em sexologia clínica pela Ordem dos Médicos.
A diminuição do desejo e a dor na relação sexual são as principais queixas das mulheres que vêm à consulta de sexualidade no pós-parto
A referenciação é feita pelos médicos de família, mas também é possível realizar uma marcação direta, por telefone ou através de email. “Embora seja a única consulta do género no SNS, não estava à espera que fosse tão procurada, pois a quantidade de pedidos superou todas as expetativas”, acrescentando que têm vindo mulheres de vários pontos do País, incluindo profissionais de saúde.
Curiosamente, chamam-lhe “consulta do puerpério tardio”. A razão é simples: “As pessoas ainda têm tabus e não se sentem à vontade para chegar ao balcão e dizer que vêm para a consulta de sexualidade pós-parto”. A palavra “tardio” tem a ver com o facto de realizar-se um mês depois da consulta de revisão, quando os problemas em reacender a chama se fazem notar: “Vêm sozinhas para estarem à vontade e, caso se justifique, trazem o companheiro na segunda vez.”
Em pouco mais de um mês de atendimentos, é possível dizer que “as principais queixas são a diminuição da líbido (desejo) e a dispareunia (dor na relação sexual)”. No primeiro caso, a perda da líbido, deve-se essencialmente “às noites mal dormidas, ao cansaço e à transferência do foco de atenção e de afeto para o bebé”, a que se somam outros obstáculos do desejo, como “a produção de prolactina durante a amamentação e a toma de um anovulatório (progesterona) para não engravidar após o parto”.
No que diz respeito à dor, o que está em jogo é “o medo de retomar a atividade sexual e a secura vaginal, que gera dermatites de contacto e pode ser solucionada com lubrificantes vaginais e, até, com os cremes que costumam usar para as assaduras do bebé”, mas os preliminares também não devem ficar na gaveta. Numa primeira avaliação, “é preciso apurar se houve laceração no parto ou algum problema a nível vulvar”. Não sendo o caso, há que considerar aspetos psicológicos e derrubar medos. Por exemplo, “faz-se o toque ginecológico, veem que não dói, que está tudo normal, e seguem-se exercícios simples de contração e descontração dos músculos do pavimento pélvico”.
Os caminhos do prazer
No setor privado, onde este tipo de acompanhamento já se faz há alguns anos, Maria do Céu Santo viu casais que, “deixaram de ter uma vida sexual satisfatória, chegando a ficar um ano sem fazer amor, embora antes de serem pais estivesse tudo bem”. Mas as questões íntimas não se ressentem apenas por causa do “baby blues” – pelo descontrolo hormonal após o parto e que desaparece ao fim de três semanas, sensivelmente – ou pelas exigências da maternidade, “e os homens queixam-se muito disto”.
A indesejada “falta de chama” também bateu à porta dos casais durante os confinamentos impostos pela pandemia. A coabitação 24/7 fez alguns estragos, mas também trouxe alguns ganhos, no curto e no médio prazo. “Os consultórios são laboratórios de investigação prática”, brinca a médica, lembrando casos em que os parceiros não podiam tocar-se por estarem em isolamento: “Quando esse período terminava, a atividade sexual era mais intensa, porque se deseja o que não se tem; a proibição teve um efeito catalisador.”
Conclusão: as vicissitudes têm o seu lado positivo. No ano em que o SARS-CoV-2 tomou de assalto as vidas de todos nós, os dados do Instituto Nacional de Estatística permitem saber que nasceram 84 691 crianças. No ano passado, o segundo da pandemia, entre janeiro e novembro de 2021 registaram-se 72 416 nascimentos, um número inferior ao verificado no mesmo período de 2019 e de 2020 (menos 7 646 e menos 5 988, respetivamente) e a média de idades em que as mulheres foram mães situou-se nos 31,6 anos (sendo 30,2 para o primeiro filho). Desfrutar da sexualidade nas várias décadas que terão pela pela frente é desejável e, mesmo quando os obstáculos fazem crer que tudo está perdido, é possível.