Passaram 70 anos desde que o 4 de Julho, Dia da Independência dos Estados Unidos da América, era celebrado com fogo de artifício no meio da lezíria ribatejana. Nessa data, na grande Herdade de Nossa Senhora da Glória, que somava 184 hectares, as portas das casas tipicamente portuguesas, mas com relvados tratados por jardineiros, abriam-se ao convívio entre americanos e portugueses. O mesmo acontecia diariamente ao trabalharem na RARET, o centro de retransmissão da nova-iorquina Radio Free Europe – daí o “RA” de rádio e “RET” de retransmissão – que emitia mensagens dos refugiados do Bloco de Leste que chegavam a Munique, na altura integrada na Alemanha Ocidental. Portugal estava à distância certa para as antenas reenviarem o sinal para a União Soviética, Bulgária, Checoslováquia, Alemanha Oriental, Hungria, Polónia e Roménia. Só os russos tentavam bloquear a retransmissão, mas os engenheiros, técnicos e tradutores que trabalhavam a cerca de 80 quilómetros de Lisboa, sabiam que, enquanto a Guerra Fria durasse, teriam emprego garantido na Glória do Ribatejo.
Na cabeça de Pedro Lopes, 45 anos, esta história sempre se chamou Glória. À medida que colecionava detalhes sobre as vidas de quem laborou e morou na Glória do Ribatejo, uma cidade americana em terra de “vermelhos”, ele fortalecia os laços de uma história ainda desconhecida de muitos portugueses. Nos anos 1980, as férias passadas na região ribatejana e as histórias contadas pelo avô materno que tinha trabalhado na Emissora Nacional, foram o início da pesquisa de Pedro Lopes, autor de Glória, a primeira série de ficção portuguesa para a Netflix.