Um corte de cabelo ao filho adolescente, um desenho lindo feito por ele, uma cadela aparentemente pacífica, um barrete de lã a provar que sabe tricotar, várias selfies a sorrir ao espelho, recordações de viagens, um mac&cheese muito yummy. Tudo acompanhado por legendas curtas e q.b. divertidas.
A página no Instagram de Diana Smay Toebbe, de 45 anos, mostra um dia a dia comum a tantas outras famílias americanas. Apenas estranhamos quando reparamos que as suas duas últimas publicações são do final de março de 2020, altura em que o mundo ocidental ficava em quarentena por causa da pandemia de Covid-19. Professora de história e de inglês numa escola privada em Annapolis, no Maryland, terá ela entrado em looping por causa das aulas à distância? Andaria ocupada pelos mil-e-um Zooms e Teams ou passou a andar entretida com outra coisa?
Por enquanto, só podemos especular, mas não deixamos de reparar que seria logo no dia 1 de abril seguinte que o seu marido, Jonathan, enviava um pacote com documentos da Marinha dos Estados Unidos para um governo estrangeiro, dizendo-se interessado em fornecer informações confidenciais a troco de dinheiro. E que ela haveria de o ajudar nessas transações.
‘Isto não é um hoax’
Os documentos incluíam um cartão de memória com projetos do submarino da classe Virginia, um modelo movido a energia nuclear que está atualmente em serviço e deverá ser usado até 2060. No mesmo pacote seguiam instruções para ser usada uma plataforma de comunicação criptografada para responder e uma carta em que ele se apresentava.
“Estas informações foram recolhidas lenta e cuidadosamente ao longo de vários anos, no decurso normal do meu trabalho, para evitar atrair a atenção”, escrevia, depois de explicar que tinha sido engenheiro da Marinha americana, com acesso a informação sensível. “Peço desculpa por esta má tradução para a sua língua”, continuava. “Por favor, envie esta carta à sua agência de inteligência militar. Acredito que esta informação será de grande valor para a vossa nação. Isto não é um hoax.”
O pacote chegaria aos escritórios do FBI desse país não especificado em dezembro do ano passado, por coincidência o mesmo mês em que Jonathan Thoebe, hoje com 42 anos e pai de dois filhos adolescentes, se reformou. Segundo um porta-voz da Marinha disse ao jornal Baltimore Sun, ele começara a sua carreira militar em 2012, tendo deixado o serviço ativo em 2017 como tenente. Na altura, estava no Programa de Propulsão Nuclear Naval.
Licenciado em física e matemática, e mestre em engenharia nuclear, antes de entrar para a Marinha dera aulas de física numa escola secundária e trabalhara como professor adjunto e instrutor de laboratório na Universidade Estatal da Geórgia. Na Marinha, viria a supervisionar o desempenho de testes de física básica a bordo de novas construções e na operação de submarinos e de porta-aviões. Já na reserva, desempenhara a função de oficial de recursos humanos.
A partir de dezembro de 2020 e ao longo de quase um ano, um agente infiltrado do FBI fez-se passar por um representante do governo do tal país estrangeiro não especificado. Quanto a Jonathan, fez-lhe chegar uma série de informações confidenciais, em diferentes ocasiões e locais, demonstrando ter bastante imaginação.
‘Absurdamente inteligente’
De uma das vezes, o cartão de memória estava dentro dum pacote de pastilhas elásticas já encetado, doutra dissimulado numa caixa de adesivos. A solução mais inesperada foi a metade de uma sanduíche de manteiga de amendoim.
Em quase todas as ocasiões, os agentes do FBI observaram como a sua mulher, Diana, se encarregava de vigiar a transação, cuidando em que ela era realizada sem percalços. Nunca houve dinheiro físico envolvido, mas em junho último o suposto representante estrangeiro enviou 10 mil dólares em moeda criptográfica, descrevendo-o como um “sinal de boa fé e confiança”.
Os dois seriam detidos no passado sábado, 9, em flagrante, devendo ser ouvidos em tribunal ainda esta semana. A Key School, a escola progressista privada onde Diana dava aulas, já emitiu um comunicado dizendo não estar “de forma alguma ligada à investigação nem a qualquer atividade criminosa pessoal envolvendo os Toebbes”. O diretor, Matthew Nespole, confessou ainda estar “chocado e horrorizado ao saber das acusações”.
Licenciada e doutorada em antropologia, Diana era vista pelos colegas e por antigos alunos como feminista, liberal e “absurdamente inteligente”. Em 2016, confessou-se chocada com a eleição de Trump e, em setembro do ano passado, quando morreu a juíza Ruth Bader Ginsburg, partilhou no Facbeook uma imagem dela com a citação: “Lute pelas coisas com as quais se preocupa”. Encostado à fachada da casa da família ainda hoje está um cartaz de apoio ao movimento Black Lives Matter.
Nos últimos dias, as suas publicações no Instagram têm ganho novos comentários, a maioria a acusarem-na de traição. Os filhos são lamentados e poupados.