As auroras boreais são um fenómeno sempre impressionante, que tem cativado muitos observadores e levado viajantes a dirigirem-se aos polos da Terra para testemunhar a sua ocorrência. Na verdade, a aurora boreal é um fenómeno que pode ser observado no céu noturno das regiões polares – onde o campo magnético é mais forte. Surge da combinação de partículas de vento solar com moléculas da atmosfera da Terra, captadas pelo campo magnético terrestre, que criam assim as características ondas de brilho azulado, verde ou vermelho.
Embora o termo “aurora boreal” seja comummente usado para designar o fenómeno que ocorre em ambos os polos da Terra, quando ocorrido no hemisfério sul, designa-se ‘aurora austral’. Mas o acontecimento não é específico apenas do planeta Terra: as auroras também podem ser observadas em Júpiter, Saturno, Marte ou Vénus.
No entanto, existem relatos – embora raros – de que as luzes sejam acompanhadas de sons crepitantes que se assemelham a estalidos, havendo até quem afirme ter capturado o som em vídeo. Mas ao longo da história, relatos como este foram frequentemente ignorados pela comunidade científica.
Inúmeras pessoas garantem ter escutado os sons das auroras
“Sou de Whalsay e lembro-me, em noites claras e geladas, há cerca de trinta anos, dos “dançarinos bonitos” (como lhes chamávamos), que apareciam em largas faixas amareladas no céu. Viravam-se de um lado para o outro, fazendo um barulho como se duas tábuas tivessem chocado – não um choque agudo mas um som baço, suficientemente alto para que qualquer um pudesse ouvir. Nós, os rapazes, habituámo-nos tanto a isto que nem prestavamos atenção ao som sempre que os ‘dançarinos’ saíam para bater palmas.”
O relato é de Peter Hutchison, habitante de Whalsay, a maior das ilhas do arquipélago de Shetland, no Atlântico Norte. Foi publicado no jornal The Shetland News que, em maio de 1933, pediu aos seus leitores que enviassem cartas contando as suas experiências, devido a um interesse acrescido nas auroras boreais e a sua potencial audibilidade, que surgiu no seguimento do Segundo Ano Polar Internacional (de 1932-1933).
O tema foi alvo de aceso debate nas primeiras décadas do século XX, tendo habitantes do Canadá, Noruega e outros países nórdicos reportado experiências semelhantes. Relatos como este alimentaram a ideia de que, nas condições ideais, seria possível escutar os sons produzidos pelas auroras boreais.
Também em 1926, dois astrónomos relataram terem ouvido sons associados a uma aurora boreal, numa noite de outubro, em Oslo. Referiram ter ouvido “um som leve, muito curioso, semelhante a um assobio, claramente ondulatório, que parecia acompanhar exatamente as vibrações da aurora”.
No entanto, estes testemunhos receberam pouca atenção da comunidade científica, que os considerou como ilusões auditivas ou produtos de histórias folclóricas. A isso ajudava o facto de muito poucos cientistas ou exploradores ocidentais terem confirmado ter ouvido os sons por si próprios. Oliver Lodge, um físico britânico envolvido no desenvolvimento da tecnologia de rádio, afirmou que “é difícil ter a certeza se os sons são uma sugestão devido ao aspeto vívido das auroras” – uma ilusão auditiva sugerida pelo cérebro.
Verdade ou um produto da imaginação?
Um estudo de 1923, levado a cabo pelo astrónomo canadiano Clarence Chant, foi o que conseguiu reunir mais consenso, por ter oferecido uma explicação científica para a formação do som associado às auroras. No entanto, o estudo de Chant recebeu pouco reconhecimento na altura da sua publicação, ganhando relevância apenas nos anos 70 quando dois físicos o revisitaram.
Chant argumentou no seu estudo que as auroras boreais alteram o campo magnético da Terra, influenciando assim a eletricidade presente na atmosfera. São estas alterações na eletricidade que produzem um som crepitante quando encontram objetos no solo – como as roupas ou os óculos dos observadores, ou objetos circundantes como árvores, por exemplo – funcionando de uma maneira semelhante à eletricidade estática.
Além de esta teoria ser coincidente com muitos relatos, que referem sons crepitantes que acompanham as luzes no céu noturno, é também apoiada por depoimentos que referem um cheiro levemente metálico (proveniente do ozono) que acompanha as auroras boreais.
“O capítulo conclui que as provas observacionais confirmam a realidade dos sons das auroras, e que a fonte mais provável dos sons parecem ser descargas elétricas, e que estas são geradas por campos elétricos associados às auroras”, refere o estudo de 1973 que tomou como ponto de partida as conclusões de Chant.
Um novo estudo, de 2016, apresenta conclusões semelhantes: as descargas elétricas que originam o som associado às auroras ocorrem em altitudes mais baixas (cerca de 70 a 90 metros) – essas descargas são emitidas quando é produzida uma camada de inversão de temperatura. “À noite, depois de um dia de sol, o ar quente perto do solo começa a subir enquanto a temperatura do solo cai. Finalmente, a subida do ar quente para tipicamente abaixo de uma altitude de 100 metros”, afirma Unto K. Laine, autor do estudo que faz parte do projeto “Auroral Acoustics”. “Esta camada de ar quente, tendo ar mais frio acima e abaixo dela, é chamada camada de inversão de temperatura”.
Investigadores ligados ao projeto “Auroral Acoustics” afirmaram mesmo ter conseguido registar um som, possivelmente produzido pela aurora boreal – que se estima ter ocorrido a 70 metros acima do nível do solo.
A pesquisa existente permite afirmar que, em ocasiões raras, as auroras boreais emitem sons audíveis para os seres humanos. A notícia menos boa é que o evento não é muito comum – ocorre em cerca de 5% das vezes em que o fenómeno é visível – , e, provavelmente, será preciso passar muito tempo nas regiões polares para o testemunhar.